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10.16.2020

Notícias (16 de outubro de 2020)

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10.14.2020

Rapidinhas (noticias)

 

O Brasil não pode ter medo de impedir Jair Bolsonaro, diz Miriam Leitão

"Não há outro caminho que não seja o impedimento. Nem o Judiciário, nem o Congresso podem ter medo nesse momento", diz a jornalista, que apoiou o golpe de estado contra a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016

247 – O golpe de estado contra a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, seguido da eleição fraudada de 2018, posto que sem a participação do ex-presidente Lula, colocou o Brasil no pior momento de sua história: o de ter de conviver com um presidente que a cada dia ameaça destruir o que restou da já combalida democracia brasileira.

Diante deste quadro, uma jornalista que participou deste processo, a colunista Miriam Leitão, do Globo, afirma que é chegado o momento de impedir Jair Bolsonaro. "Jair Bolsonaro nunca foi contra a corrupção e nunca foi um democrata. Mas usou a bandeira que estava em alta e foi eleito dentro das regras da democracia. Os que acreditaram que ele era o melhor antídoto contra a corrupção escolheram o autoengano", escreve ela, em sua coluna.

"Bolsonaro conspira contra a democracia à luz do dia, diante de todos. Alguns líderes políticos pedem paciência, como se ele fosse apenas uma pessoa de maus modos. Não. Ele tem maus propósitos", prossegue.

"A questão é como proteger a democracia brasileira nessa armadilha na qual o país está. Não há outro caminho que não seja o impedimento. O presidente precisa ser impedido através das leis que regem esse processo, que sempre foi e sempre será traumático, mas já foi usado por muito menos do que o que tem feito Jair Bolsonaro. Nem o Judiciário, nem o Congresso podem ter medo nesse momento. Bolsonaro já cometeu inúmeros crimes de responsabilidade. A lista é longa e os juristas e políticos a conhecem. A ideia de que 'não há clima' é muito confortável para todos os que querem eximir-se das responsabilidades que têm", aponta ainda Miriam.

"Se ele não tivesse afrontado as leis tantas vezes, e estivesse apenas atormentando o país com crises diárias no meio de uma pandemia já seria motivo suficiente para se pensar no impeachment. Bolsonaro é um governante que escolheu agravar todas as crises quando o país trava uma luta de vida ou morte", finaliza a jornalista.


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Notícias sobre a COVID-19:Acompanhe toda a cobertura sobre o coronavírus (COVID-19)


STJ mantém condenação de André do Rap por tráfico internacional de drogas

Marco Aurélio solta megatraficante do PCC em decisão equivocada

Gazeta do PovoOpinião

Marco Aurélio se irrita com pergunta sobre caso de André do Rap: 'Injúria'

10.13.2020

A boiada da mídia.

 

Sexta-feira, 9 de outubro de 2020
Todo mundo tem sua boiada

Olá,
 
A indicação de Kassio Nunes para o STF, na última semana, mostrou que a prioridade de Bolsonaro é dar sequência às trocas de afagos, interesses e cargos que sempre moveram as engrenagens do Centrão, garantindo apoios para se manter no poder após 2022. O encontro no último sábado na casa do ministro do STF Dias Toffoli só deixou mais claro o acordão entre os três poderes orquestrado por Bolsonaro para salvar a si próprio e aos filhos.
 
Enquanto o governo trabalha pela sua manutenção no poder, a mídia patrocinada segue apoiando e pressionando pelas reformas Tributária e Administrativa — nos moldes de Paulo Guedes e praticamente sem ressalvas. O acordão de Bolsonaro parece não incomodar, contanto que as reformas andem e o presidente fale pouco. As grandes redações e seus financiadores também têm suas “boiadas” para passar. 
 
No Intercept, podemos dizer com orgulho que assistimos a esse espetáculo de toma lá dá cá e de avanço neoliberal de fora — mas não de longe. Sem patrocinadores, sem acordos com empresas, bancos e indústrias, que permeiam tanto as bancadas do Congresso quanto as dos grandes jornais, temos independência para questionar e investigar. Não queremos um Bolsonaro "domado" que abra caminho para reformas que beneficiam os ricos e poderosos e precarizam ainda mais a vida do trabalhador brasileiro. Queremos Bolsonaro investigado e que as reformas de que o Brasil precisa sejam debatidas, analisadas e discutidas com a sociedade. Aqui não tem "boiada": tem jornalismo realmente independente, profundamente corajoso e muito, muito comprometido com direitos e o interesse público.
 
O preço dessa independência é ter menos recursos para investir em novas contratações para a equipe, em infraestrutura e em profissionais freelancers. É aí que entra nosso maior segredo: o Intercept só existe porque milhares de pessoas fazem esse trabalho acontecer!
 
Estamos muito longe da receita de anúncios que a mídia patrocinada tem. O que nós arrecadamos não paga nem uma mínima fração do que os grandes empresários escoam para as redações em busca de apoio disfarçado de jornalismo. Não temos apoio do governo. Não rodamos anúncios ou "conteúdo patrocinado" como você certamente vê aos montes em outros sites. Porque o Intercept não aceita grana que vem em forma de quid pro quo. Essa galera que nos prejudica, que deve ser investigada, que é inimiga da democracia. Eles não usam sua grana para nos pagar: usam para nos processar! E é assim que nós gostamos! 
 

VAMOS DIMINUIR O ABISMO →  

Um abraço,

Amanda Audi
Repórter

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10.12.2020

Farmanguinhos: essencial para o Brasil


Maior laboratório farmacêutico oficial vinculado ao Ministério da Saúde, Farmanguinhos é mais do que uma fábrica de medicamentos, é um instituto de ciência e tecnologia em fármacos. Desde que foi criado, em 1976, exerce papel estratégico para o Brasil, cobrindo toda a cadeia produtiva de um medicamento, desde a pesquisa básica, passando por desenvolvimento tecnológico, até a produção propriamente dita. Além disso, a unidade possui ainda uma área destinada especificamente para estudos da biodiversidade nacional com vistas ao desenvolvimento de fitomedicamentos.

Desta forma, além de pesquisar, desenvolver e produzir medicamentos essenciais para a população brasileira, o Instituto atua, ainda, na luta pela redução de custos de medicamentos, permitindo a ampliação do acesso de mais pessoas aos programas de saúde pública.

Farmanguinhos é uma referência na produção de medicamentos (Arquivo)

Nesses cerca de 40 anos de atividade, o Instituto fabricou mais de 20 bilhões de unidades farmacêuticas para tratar os diferentes tipos de enfermidades, dentre as quais HIV/Aids, tuberculose, malária, câncer, hipertensão arterial, diabetes, anemia, inflamações, doenças do Sistema Nervoso Central, dentre outras. Ao longo dos anos, Farmanguinhos tem acompanhado a mudança do perfil epidemiológico da população brasileira, adequando seu portfólio de medicamentos.

Essencial para o Brasil

Em toda a sua história a instituição tem comprovado sua capacidade tecnológica. A entrada da unidade no campo de antirretrovirais, na década de 90, por exemplo, permitiu ao país se tornar uma referência mundial na política de acesso universal a essa categoria de medicamentos. Com o desenvolvimento do Efavirenz, o Instituto ajudou o Brasil a obter, em 2008, o primeiro licenciamento compulsório deste importante antirretroviral, considerado um marco na história da assistência farmacêutica do país.

No ano seguinte, sua capacidade foi novamente desafiada, quando, no auge da pandemia de Influenza A (H1N1), a unidade produziu em caráter de urgência mais de 200 mil tratamentos do antiviral Oseltamivir. O sucesso obtido com esse esforço reiterou a importância de Farmanguinhos como uma instituição essencial para as políticas de assistência farmacêutica do Brasil.

Novos desafios se apresentam e a unidade segue mantendo seu alto padrão de qualidade. Sob esse aspecto, o Instituto obtém todas as certificações exigidas pelos órgãos regulatórios nacionais e internacionais. Entre os certificados, destaque para o de Boas Práticas de Fabricação (BPF); a ISO 9001; e a certificação ambiental internacional ISO 14001. Além desses, a unidade acumula prêmios de qualidade em gestão, pesquisa, desenvolvimento e produção de medicamentos.

Nos últimos anos, devido a um reposicionamento na política de assistência farmacêutica do Ministério da Saúde, houve uma queda brutal nas demandas por medicamentos. Ainda assim, a unidade está apta a atender demandas emergenciais solicitadas pelo governo brasileiro. A unidade tem capacidade de produzir 34 medicamentos de diferentes classes terapêuticas. O portfólio será ampliado com a internalização de tecnologia de novos medicamentos, provenientes de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP).

Parcerias

Farmanguinhos tem participado de parcerias com laboratórios nacionais e internacionais, a fim de absorver tecnologias de medicamentos considerados estratégicos para o país. Além de atender às demandas do Sistema Único de Saúde (SUS), a iniciativa também fortalece a indústria farmoquímica nacional, reduzindo custos com produtos e a dependência por importações.

A unidade atua também em pesquisa de novos fármacos (Arquivo)

Neste sentido, a unidade finaliza este mês a obra de readequação do seu parque fabril com vistas à produção dos primeiros medicamentos frutos de PDP: o imunossupressor tacrolimo (usado para evitar rejeição de órgãos transplantados), pramipexol (usado por pacientes com doença de Parkinson) e o Atazanavir (antirretroviral usado por pacientes que vivem com HIV/Aids). Com a liberação das áreas pela agência reguladora, a unidade estará apta a fabricar os lotes pilotos desses três medicamentos. A previsão é de que o primeiro deles já ocorra no primeiro semestre deste ano.

Além disso, o Instituto mantém cooperações com países da África, Ásia e Europa. A unidade transferiu para a Índia a tecnologia do Artesunato+Mefloquina, antimalárico que combina dois fármacos. Também com a Índia, a unidade mantém parceria de desenvolvimento produtivo para absorver a tecnologia do tuberculostático 4 em 1, assim denominado por reunir quatro princípios ativos em um único comprimido. O medicamento reduzirá o número de comprimidos e, com isso, espera-se que aumente a adesão ao tratamento pelos pacientes, principal desafio contra a tuberculose. Um acordo de transferência tecnológica com a Ucrânia, que se encontra em fase final, também permitirá absorver a tecnologia de insulina humana recombinante. Farmanguinhos participa, ainda, do consórcio internacional para o desenvolvimento de formulação de medicamento pediátrico para tratamento da esquistossomose, o praziquantel.

Conhecimento técnico-científico

A unidade da Fiocruz também atua no campo da difusão do conhecimento técnico-científico. Desde 2009, a unidade conta com um Mestrado Profissional; com uma pós-graduação em Tecnologias Industriais Farmacêuticas (TIF); e com a primeira pós-graduação no Brasil em Gestão da Inovação em Fitomedicamentos – nas modalidades presencial e à distância. O instituto vive a expectativa de criar o primeiro Doutorado Profissional no país na área farmacêutica.

Seja na produção emergencial, na internalização de uma tecnologia de maior complexidade, na pesquisa de novas moléculas ou na difusão do conhecimento técnico-científico, o Instituto de Tecnologia em Fármacos tem contribuído de forma estratégica para fortalecer cada vez mais o sistema de saúde do país.

10.11.2020

Os 'documentos secretos' levados por Joe Biden ao Brasil que desafiam versão de Bolsonaro sobre ditadura

 

  • Mariana Sanches - @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil em Washington
Dilma e Biden sorriem um para o outro, sentados em sala

Dilma e Biden em foto de 2015; na época, governo americano se aproximou de países latino-americanos com abertura de documentos históricos sobre violações de direitos humanos

Se havia alguma dúvida de que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o presidenciável democrata Joe Biden estão em lados políticos opostos, o debate entre Biden e o presidente Trump na última semana tratou de dissipá-las. Na ocasião, Biden, favorito para vencer o pleito de 3 de novembro pelas atuais pesquisas, criticou a devastação da Amazônia e aventou até sanções econômicas ao país.

O meio ambiente, no entanto, está longe de ser o único tema de discordância entre Biden e Bolsonaro. O ex-vice-presidente americano está no centro de uma das empreitadas pelas quais o atual presidente brasileiro mais demonstrou desprezo e resistência: a apuração, pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), de crimes e violações cometidos por agentes públicos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985.

Em 17 de junho de 2014, Biden, o então vice-presidente na gestão Barack Obama, desembarcou em Brasília com um objeto especial na bagagem: um HD com 43 documentos produzidos por autoridades americanas entre os anos de 1967 e 1977. A partir de informações passadas não só por vítimas, mas por informantes dentro das Forças Armadas e dos serviços de repressão, os relatórios americanos detalhavam informações sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar do Brasil.

Até aquele momento, a maior parte dos documentos era considerada secreta pelo governo dos Estados Unidos, que apoiou e colaborou com a ditadura durante boa parte do período em que os militares estiveram no poder.

Biden sabia bem do que se tratava. E sabia também que produziria impacto real ao passar a mídia para as mãos da então presidente brasileira Dilma Rousseff, ela mesma uma das oposicionistas torturadas nos porões da ditadura.

É certo que o governo americano poderia ter enviado o material por internet, pela embaixada nos Estados Unidos.

Mas a gestão Obama-Biden queria gravar seu nome no ato de abertura dos documentos, como um manifesto pela transparência e pelos direitos humanos.

Mais do que isso, queria melhorar relações diplomáticas com base na troca de informações altamente relevantes para a história de países como Brasil, Argentina e Chile.

No caso do Brasil, isso era ainda mais estratégico já que a revelação, meses antes, de que a Agência Nacional de Segurança americana (NSA, na sigla em inglês) havia espionado conversas da mandatária brasileira abalou o alicerce das relações entre os dois países.

"Estou feliz de anunciar que os Estados Unidos iniciaram um projeto especial para desclassificar e compartilhar com a Comissão Nacional da Verdade documentos que podem lançar luz sobre essa ditadura de 21 anos, o que é, obviamente, de grande interesse da presidente", afirmou Biden, sorridente, ao lado de Dilma.

Sem ditadura

A própria definição dada por Biden do regime militar é hoje refutada por Bolsonaro, que nega ter havido ditadura no país.

"Espero que olhando documentos do nosso passado possamos focar na imensa promessa do futuro", concluiu Biden.

Cinco anos após esse encontro entre Dilma e Biden, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro desqualificou por completo as revelações feitas pela CNV, das quais os documentos trazidos por Biden são peça fundamental.

"A questão de 64 não existem documentos se matou ou não matou, isso aí é balela, está certo?", disse Bolsonaro.

O presidente respondia à imprensa, que questionava uma declaração sua dada no dia anterior para atingir o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Bolsonaro disse pra Santa Cruz que poderia esclarecer a ele como seu pai havia desaparecido.

De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, pai do presidente da OAB, foi visto pela última vez em fevereiro de 1974, quando foi preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi. Oliveira jamais voltou a ser visto. Ele morreu nas mãos dos agentes.

"Comissão da Verdade? Você acredita em Comissão da Verdade?Você quer documento para isso, meu Deus do céu? Documento é quando você casa, quando você se divorcia. Eles têm documento dizendo o contrário?, acrescentou Bolsonaro.

Mas, afinal, o que há nos documentos trazidos por Biden?

reprodução de documento datilografado
Legenda da foto,

Documento enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro descreve padrão de tortura

"O suspeito é deixado nu, sentado e sozinho em uma cela completamente escura ou refrigerada por várias horas. Na cela há alto-falantes, que emitem gritos, sirenes e apitos em altos decibéis. Então, o detido é interrogado por um ou mais agentes, que o informam qual crime acreditam que a pessoa tenha cometido e que medidas serão tomadas caso não coopere. Nesse ponto, se o indivíduo não confessa, e se os agentes consideram que ele possui informações valiosas, ele é submetido a um crescente sofrimento físico e mental até confessar."

"Ele é colocado nu, em uma pequena sala escura com um chão metálico, que conduz correntes elétricas. Os choques elétricos, embora alegadamente de baixa intensidade, são constantes e eventualmente se tornam insuportáveis. O suspeito é mantido nessa sala por muitas horas. O resultado é extrema exaustão mental e física, especialmente se a pessoa é mantida nesse tratamento por dois ou três dias. Em todo esse período, ele não recebe comida nem água."

O texto acima é um trecho de um documento de sete páginas enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro ao Departamento de Estado, em 1973, e trazido por Biden em sua visita.

A comunicação diplomática informa que 126 pessoas teriam passado por tratamento parecido ao relatado, além de outras formas de sevícias, como o "pau de arara". O informe é feito não só com base em depoimentos de vítimas, mas de informantes militares, cuja identidade aparece protegida por trechos apagados no documento.

Detalhes

"Esse é um dos relatórios mais detalhados sobre técnicas de tortura já desclassificados pelo governo dos Estados Unidos", afirmou à BBC News Brasil Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C.

Ainda de acordo com Kornbluh, "os documentos americanos ajudam a lançar luz sobre várias atrocidades e técnicas (de tortura do regime). Eles são evidências contemporâneas dos abusos dos direitos humanos cometidos pelos militares brasileiros. Quase todo o mundo acredita neles. As pessoas que preferem não reconhecer a verdade sobre o que foi feito são os Bolsonaros e aqueles que realmente cometeram esses crimes".

Mas nem sempre Bolsonaro nega que a ditadura tenha cometido violações aos direitos humanos. Em julho de 2016, em uma entrevista à rádio Joven Pan, ele afirmou: "O erro da ditadura foi torturar e não matar".

E dois anos mais tarde, em meados de 2018, quando já estava em pré-campanha presidencial, confrontado com a informação de um relatório da CIA, aberto em 2015 no escopo do mesmo projeto de desclassificação de Biden, que o presidente Ernesto Geisel teria aprovado a execução sumária de adversários do regime, o atual presidente disse à rádio Super Notícia: "Errar, até na sua casa, todo mundo erra. Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece."

Tortura e morte

Um dos outros documentos trazidos por Biden evidencia que a máquina repressiva da ditadura brasileira não só torturou como matou. Nele, o cônsul-geral americano em São Paulo, Frederic Chapin, afirma que ouviu o relato de "um informante e interrogador profissional trabalhando para o Centro de Inteligência Militar de Osasco", em São Paulo.

Reprodução de documento digitalizado
Legenda da foto,

Telegrama de 1973 descreve a tortura de um policial e de uma amiga dele que, inicialmente, se recusou a colaborar

Em um telegrama de maio de 1973, Chapin escreve o seguinte: "Ele (o informante) explicou como havia quebrado uma célula 'comunista' envolvendo um agente da polícia civil. O policial foi forçado a falar depois de ter tomado choques elétricos nos ouvidos e mencionou sua conexão com uma amiga, que foi imediatamente detida. Ela não foi cooperativa, no entanto, então foi deixada no pau-de-arara por 43 horas, sem alimentos ou água."

"Isso a quebrou, nossa fonte contou. Tortura, de uma forma ou de outra, é prática comum em interrogatórios em Osasco. Ele também nos deu um relato em primeira mão do assassinato de um subversivo suspeito, o que chamou de 'costurar' o suspeito, ou seja, dar tiros nele da cabeça aos pés com uma arma automática."

O termo "costurar" seria referência a um método para desfigurar o cadáver e evitar sua futura identificação.

Assassinatos cometidos pela repressão

O cônsul Chapin relata ainda que "vários agentes de segurança nos informaram que suspeitos de terrorismo são mortos como prática padrão. Estimamos que ao menos doze tenham sido mortos na região de São Paulo no ano passado (1972)".

Ao registrar as mortes em São Paulo, Chapin aponta para a atuação do coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o chefe do DOI-Codi paulista, um dos principais órgãos de repressão do país, entre 1970 e 1974. Ustra foi o primeiro militar brasileiro a ser condenado civilmente pela Justiça pelos crimes de tortura. Ele é também considerado um herói e uma referência por Bolsonaro, que já afirmou ter como livro de cabeceira a obra de Ustra, A verdade sufocada.

"Sou capitão do Exército, conhecia e era amigo do coronel, sou amigo da viúva. (...) o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra recebeu a mais alta comenda do Exército, a Medalha do Pacificador, é um herói brasileiro", afirmou Bolsonaro em 2016.

Enquanto era deputado, no dia da votação da abertura de processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, naquele mesmo ano, Bolsonaro citou o militar em seu voto: "Perderam em 1964, perderam em 2016. (...) Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim".

"Só terroristas"

Outro documento da leva de Biden desafia um argumento central de Bolsonaro sobre o período: o de que o regime militar só prendeu, torturou e matou "terroristas".

Em dezembro de 2008, quando o Ato Institucional número 5, instrumento da ditadura que cassou liberdades individuais, completava 40 anos, o então deputado federal Bolsonaro ocupou o plenário da Câmara para dizer: "Eu louvo os militares que, em 1968, impuseram o AI-5 para conter o terror em nosso País, (...) Mas eu louvo o AI-5 porque, pela segunda vez, colocou um freio naqueles da esquerda que pegavam em armas, sequestravam, torturavam, assassinavam e praticavam atos de terror em nosso País".

reprodução de documento datilografado, com palavra 'confidencial' riscada em vermelho
Legenda da foto,

Serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS

Mas em outubro de 1970, o serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS, a unidade de polícia política paulista.

Horth não era um comunista subversivo e afirmou aos diplomatas americanos que "cinco dos seis prisioneiros em suas celas eram absolutamente inocentes da acusação de subversão política".

Outro documento, de dezembro de 1969, dá força ao questionamento sobre os crimes reais dos alvos escolhidos pela repressão ao informar que freiras dominicanas foram presas, humilhadas e torturadas em Ribeirão Preto.

"Mais do que trazer novos fatos, os documentos americanos foram cruciais porque comprovaram muitos fatos a partir de uma fonte insuspeita. Estamos, afinal, falando de relatórios da diplomacia dos Estados Unidos, que não tinham qualquer simpatia pelos oposicionistas de esquerda e que apoiavam os militares", afirmou à BBC News Brasil Pedro Dallari, relator da CNV.

Prova de que o governo americano era, naquele período, abertamente a favor do regime está em uma comunicação do embaixador americano William Rountree de julho de 1972. Na carta, ele alerta ao Departamento de Estado que qualquer tentativa de fazer críticas públicas contra o que qualifica como "excessos" cometidos contra os direitos humanos poderia "prejudicar nossas relações gerais".

CNV

Os documentos americanos tornaram-se especialmente importantes para a CNV diante da negativa das Forças Armadas Brasileiras de oferecer evidências que corroborassem os depoimentos de vítimas de tortura em dependências militares.

"Ao mesmo tempo em que chegavam os documentos americanos, recebíamos retorno dos militares dizendo que suas sindicâncias não localizaram nada", afirma Dallari.

Kornbluh concorda que, enquanto muito da documentação brasileira do período pode já ter se perdido, os arquivos americanos são fonte importante para acessar a história brasileira.

"Parte dos militares brasileiros esconderam com sucesso a maioria de seus próprios documentos e mantiveram isso fora do escrutínio público. E conseguiram escapar de qualquer tipo de responsabilidade legal por seus crimes contra os direitos humanos. E então os documentos americanos fornecem um histórico fidedigno de pelo menos alguns casos. E se as coisas mudarem no Brasil, essas são evidências de crimes que ainda podem ser litigados", afirma o especialista, que menciona a lei da Anistia, de 1979, que impediu a responsabilização criminal de agentes e oposicionistas por crimes cometidos durante a ditadura.

Em 2014, durante os trabalhos da CNV, o Exército brasileiro afirmou que não opinaria sobre o reconhecimento do Estado Brasileiro em relação às torturas, enquanto a Força Aérea e a Marinha disseram não ter provas para reconhecer, tampouco refutar as acusações de violações de direitos humanos nas décadas de 60 e 70.

reprodução de telegrama em inglês, datilografado e com anotações manuscritas
Legenda da foto,

Embaixador escreveu sobre não condenar excessos publicamente

O que o histórico diz sobre relação Brasil-EUA em possível governo Biden?

Para Dallari, apesar de o golpe de 1964 ter recebido o apoio do governo americano, então sob a batuta do democrata Lyndon Johnson, nas últimas décadas, os democratas deixaram claro ter interesse em colaborar com processos de investigação sobre atrocidades cometidas pelos governos na região e o papel dos Estados Unidos nelas.

"Eu não tenho porque duvidar que Obama e Biden tivessem real interesse em abrir essas informações. E o primeiro presidente americano a se opor a violações dos direitos humanos na região foi outro democrata, o presidente Jimmy Carter", diz ele, em referência ao presidente americano entre 1977 e 1981.

Na verdade, desde a administração Clinton, nos anos 1990, documentos secretos sobre ditaduras latino-americanas têm se tornado públicos. Mas foi na gestão Obama que essa abertura dos arquivos ganhou tons de política de relações exteriores, em algo que Kornbluh batizou de "diplomacia da abertura".

Além do Brasil, Argentina e Chile também receberam acesso a documentos, em um esforço americano para melhorar sua imagem e seu relacionamento na região.

E com Biden e Dilma, o especialista afirma que esse tipo de diplomacia alcançou um de seus pontos mais altos, já que as relações foram reconectadas depois da visita de Biden em 2014.

"Tenho certeza de que ele foi informado sobre o teor dos documentos. E é uma tarefa importante a de carregar esses documentos que descrevem violações graves dos direitos humanos durante a era militar. Certamente foi uma experiência de aprendizado para o vice-presidente Biden e um lembrete pungente para ele dos horrores cometidos", diz Kornbluh.

Em conversas com a BBC News Brasil, conselheiros da campanha de Biden têm dito que o tema dos direitos humanos é central para o candidato, especialmente na América Latina.

Mas embora ainda exista um grande arquivo intocado sobre a história da ditadura do Brasil, especialmente de informações dos órgãos de inteligência como FBI e CIA, é improvável que Biden faça qualquer nova abertura se vencer as eleições.

Isso porque documentos secretos americanos sobre outros países só podem se tornar públicos se os governos dessas nações requisitarem acesso aos americanos. E hoje não há interesse no governo brasileiro por esse tipo de informação.

"Naquele momento, a abertura foi importante e ajudou os dois países a se reaproximarem. Agora, em um possível governo Biden, com Bolsonaro no Brasil, é um contexto completamente diferente. Mas se Bolsonaro cometer violações de direitos humanos, a administração Biden agiria de modo muito mais rápido e negativo do que Trump e pressionaria Bolsonaro a parar", diz Kornbluh.


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