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8.11.2021

NÃO SEREMOS PEGOS DE SURPRESA

 



O Brasil vive hoje em compasso de espera. 

Estamos todos, uns mais atentos, outros mais tranquilos, aguardando esse momento que a cada dia parece mais definido. Há meses imaginávamos que ele viria. Mas não sabíamos quais seriam todos os personagens envolvidos, desconhecíamos o enredo, não tínhamos ideia do argumento.

Agora já não é assim. Está tudo bem explicado, gravado e documentado para quem quiser ver. 

Tudo indica que Jair Bolsonaro tentará um golpe para permanecer no poder, e o tal voto impresso e auditável é o argumento no qual pretende basear esse golpe. 

Para Bolsonaro e seu generalato não há outro resultado possível para as eleições de 2022 que não sua reeleição. E se isso não acontecer, eles vão melar o pleito com a desculpa de que foram roubados e de que as eleições "não são auditáveis". 

Isso já está definido e preparado. Não se trata mais de uma possibilidade remota. E ninguém poderá dizer em 2022 que não esperava.

Dito isso, a questão que se impõe é: o que faremos diante do inevitável?

É trabalho de todos aqueles comprometidos com a democracia pressionar para que as instituições basicamente funcionem. Precisamos superar as infindáveis notas de repúdio, o falatório e os editoriais indignados. O presidente comete crime de responsabilidade a todo momento e não são palavras duras que o farão parar. 

Por outro lado, é urgente demonstrarmos que o governo Bolsonaro é o governo do golpismo, mas não só. É o governo da miséria, da fome, do desemprego, do fogo nas nossas matas. Governo de grileiros, garimpeiros, milicianos e corruptos. Governo que com seu "tratamento precoce" é responsável pela morte de centenas de milhares de brasileiros. É o governo que autorizou a quebra de teto salarial por seus generais. Você sabia que o salário do quarteto Ramos, Heleno, Braga Netto e Mourão atualmente é acima de 100 mil reais?

Esse é o compromisso do Intercept hoje: expor as entranhas desse governo e contribuir com a  pressão para que as instituições se movam custe o que custar. Foi assim que investigamos e denunciamos a relação entre o bolsonarismo e o nazismo; é nesse sentido que vai nossa extensa cobertura sobre os militares e também sobre meio ambiente. 

Temos mais investigações em curso e peço que você não deixe de acompanhar nosso trabalho. Mais do que isso: ajude-nos a espalhar aquilo que produzimos. Tudo que o Intercept faz é gratuito e não precisa de login para acessar. Juntos, podemos e precisamos reagir ao avanço do golpismo. 

Não dá pra ficar à espera do próximo passo autoritário de Bolsonaro. Por isso, meu convite é para que você se junte ao Intercept. Além de nos ajudar compartilhando nossas reportagens, análises e vídeos, você também pode fazer algo de concreto hoje: que tal colocar mais um jornalista na cola da família Bolsonaro? Que tal ajudar a pagar os custos de mais uma grande investigação que demonstre para a população as sujeiras desse governo?

 

Um abraço,


8.09.2021

Por que Bolsonaro vai receber tanques de guerra no Planalto nesta terça-feira

 

Militares prestam continência a Bolsonaro

Em um momento de forte tensão entre o governo Jair Bolsonaro e o Poder Judiciário, as Forças Armadas planejam um desfile militar inédito em frente ao Palácio do Planalto nesta terça-feira (10/08), segundo informou a Marinha em um comunicado oficial.

A nota diz que "um comboio com veículos blindados, armamentos e outros meios da Força de Fuzileiros da Esquadra, que partiu do Rio de Janeiro, passará por Brasília". O destino final é o Campo de Instrução de Formosa (CIF), onde é feito anualmente, desde 1988, um grande treinamento da Marinha, a chamada Operação Formosa.

No entanto, o comunicado sugere que o comboio passará em frente ao Palácio do Planalto, que fica na Praça dos Três Poderes, junto com o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Caso se confirme, esse ato em pleno dia útil seria inédito. Anualmente, há desfile militar na Esplanada dos Ministérios durante as celebrações do Feriado da Independência, em 7 de Setembro.

"Na oportunidade, às 8h30, no Palácio do Planalto, serão entregues ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, e ao Ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, os convites para comparecerem à Demonstração Operativa, que ocorrerá no dia 16 de agosto, no CIF", diz ainda o comunicado.

Será a primeira vez que a operação contará com a participação do Exército e da Força Aérea, segundo informou também a Marinha.

"Este ano, a Operação Formosa envolverá mais de 2.500 militares, da Marinha, do Exército e da Força Aérea, que simularão uma operação anfíbia, considerada a mais complexa das ações militares, empregando mais de 150 diferentes meios, entre aeronaves, carros de combate, blindados e anfíbios, de artilharia e lançadores de mísseis e foguetes. Foram transportadas 1.500 toneladas de equipamentos do Rio de Janeiro para Brasília, num deslocamento de mais de 1.400 km", diz ainda a nota, sem especificar quanto desse efetivo passará pelo Palácio do Planalto.

Estudioso das Forças Armadas, o professor Juliano Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), disse à BBC News Brasil que não há precedente de iniciativa similar durante o período democrático brasileiro.

"Essas demonstrações são inéditas na nossa democracia. Em regimes ditatoriais, mais fechados, são comuns", afirmou.

"Um absurdo total. Algo impensável na democracia, principalmente porque o risco (de ruptura democrática) a partir das declarações do próprio presidente está muito elevado", criticou ainda.

A BBC News Brasil questionou o Ministério da Defesa, a Marinha e o Palácio do Planalto sobre qual efetivo militar será usado durante o convite do presidente e qual a motivação para realizar um desfile militar inédito, mas não obteve resposta. Após a publicação da reportagem, o Ministério da Defesa disse que não se manifestará pois é a Marinha que responde sobre esse tema.

Voto impresso na Câmara

O desfile militar ocorre no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados deve votar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que visa implementar o voto impresso nas eleições de 2022, principal bandeira de Bolsonaro no momento.

Sem apresentar qualquer prova, o presidente diz que as urnas podem ser fraudadas e alega que apenas o voto impresso afastaria esse risco.

Já o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rebate dizendo que a urna eletrônica conta com inúmeros mecanismos de segurança que garantem a integridade das eleições.

Arthur Lira e Bolsonaro

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

O presidente da Câmara, Arthur Lira, decidiu colocar PEC do voto impresso em votação no plenário, mesmo após proposta ser rejeitada em comissão especial

Questionado se vê o desfile militar como uma tentativa do presidente de demonstrar força e pressionar a Justiça Eleitoral e o Congresso, o professor da UnB disse que "a própria dúvida (sobre essa intenção) já é grave e muito prejudicial para nossa democracia".

"A grande questão pra mim não é nem se perguntar o real significado de uma demonstração como essa, mas sim a gente refletir sobre o fato de que há muitas dúvidas a respeito de qual papel as Forças Armadas pretendem jogar no processo eleitoral que já foi iniciado de fato, porque o Bolsonaro está em campanha por todo o país, usando dinheiro público ilegalmente pra fazer campanha", disse o professor, em referência às viagens feitas pelo presidente para participar de atos políticos, como passeios de motocicleta com seus apoiadores.

Para Cortinhas, as Forças Armadas não têm cumprido sua função constitucional de proteger as instituições democráticas ao permitir que Bolsonaro ataque os outros Poderes. Nas últimas semanas, o ministro da Defesa chegou a fazer manifestações públicas em defesa do voto impresso e contra a atuação do senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.

"Importante lembrar que uma das funções das Forças Armadas pelo artigo 142 da Constituição é proteger as nossas instituições democráticas, e elas não estão cumprindo o seu papel constitucional, portanto, já que o presidente vem atacando a cada dia com mais veemência a nossa democracia e as Forças Armadas estão caladas", criticou.

"E, indo além, estão se posicionando a favor dele, quando as Forças Armadas aceitam as falas do Bolsonaro quietas e contrapõem outros Poderes institucionalizados, como a Suprema Corte do nosso país, como o próprio Congresso. Então, eu vejo que é um momento extremamente preocupante", acrescentou.

Entenda agravamento da crise

O voto impresso se tornou nas últimas semanas epicentro de uma grave crise institucional entre o Palácio do Planalto e o Poder Judiciário, com Bolsonaro fazendo ataques diários à Justiça Eleitoral e a ministros do TSE e do STF, em especial Luís Roberto Barroso (presidente do TSE).

Do outro lado, TSE e STF reagiram abrindo investigações contra Bolsonaro. A apuração na Corte Eleitoral tem potencial de deixar o presidente inelegível por oito anos, impedindo-o de tentar a reeleição em 2022.

Imagem da urna eletrônica

Crédito, TSE

Legenda da foto,

Urna eletrônica é usada há 25 anos no Brasil e nunca foram encontradas evidências sérias de fraudes, diz TSE

Já o ministro do STF Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das Fake News para apurar se o presidente cometeu crimes durante uma transmissão ao vivo realizada na quinta-feira passada (29/07) em que alegou ter indícios fortes de fraudes nas últimas eleições, usando vídeos antigos que circulam na internet já desmentidos pelo TSE.

Após a decisão, Bolsonaro disse que o inquérito é ilegal e ameaçou agir fora da Constituição.

"Está dentro das quatro linhas da Constituição (a decisão de Alexandre e Moraes)? Não está. Então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas. Aqui ninguém é mais macho que ninguém", disse na quarta-feira (04/08).

"Sou presidente 24 horas por dia. O meu jogo é dentro das quatro linhas (da Constituição), mas se sair das quatro linhas, sou obrigado a sair das quatro linhas. É como o inquérito do Alexandre de Moraes: ele investiga, ele pune e ele prende. Se eu perder (as eleições) vou recorrer ao próprio TSE? Não tem cabimento isso", declarou também.

Depois dessas falas, o presidente do STF, Luiz Fux, cancelou reunião que havia convocado com Bolsonaro e os presidentes da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco) para tentar reduzir a crise.

"O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Sendo certo que, quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro", disse Fux ao cancelar o encontro.

"Além disso, sua excelência (Bolsonaro) mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro", acrescentou.