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9.06.2008

História de uma hipocondríaca assumida

Vícios
Confesso: sou viciada. Desde bem pequenininha mesmo. Mas não se assustem, não se trata do vício esse dos alucinógenos, hipnóticos ou coisa que o valha. Meu vício começou com as famosas pastilhas Valda, que eu reverenciei desde a primeira mordidinha, e seguiu com gutalax, hipoglós, hipoglós oftálmico, aspirina, amoxyl, mylanta plus e por aí vai. Hipocondríaca de carteirinha, sempre tenho uma caixa, ou mais, com os remedinhos que já tomei e que sobraram e que posso precisar de novo, tendo um arsenal rico em mil tipos de pomadinhas também.
Não pensem que é um vício mais barato que outros que se vê por aí, não, porque esse também exige investimento. Explico. Apesar de todo hipocrondríaco ter uma caidinha insaciável para a automedicação, eu, ao contrário, nao dispenso a atenção médica e a receita, tenho meus princípios, sim senhor. Um importante momento do meu aperfeiçoamento pro vício foi a conquista da aptidão para engolir cápsulas e comprimidos maiores; porque quando criança ficava meio nervosa com medo de entalar na garganta meus ansiados remedinhos. Só que dava muito trabalho pra encontrar, e algum incômodo estomacal, o salvador antibiótico em suspensão oral. Bem que as cápsulas até geravam uma brincadeira divertida quando eu as abria pra engolir tranqüilamente, eu me sentia como uma farmacêutica atenta e eficiente ao despejar seu conteúdo sobre uma colher de sopa na mesa da cozinha com todo cuidado pra não perder nadinha, afinal, a miligramagem precisa é uma verdadeira compulsão do bom hipocondríaco, além da conservação de uma pontualidade britânica entre uma dose e outra.
Meus pais sofriam mesmo é quando nos deparávamos com o maior vilão da minha tenra infância: o abominável e irremediavelmente indissolúvel comprimido. Esse sim foi o abismo que precisei transpor para chegar onde estou hoje: na minha confortável e inalienável condição de hipocondríaca assumida sem medo de ser feliz. Aprendi com meus pais uma técnica infalível para acabar com a dificuldade: você acumula saliva na boca o máximo que pode e só aí coloca o comprimido e toma um gole de água. Não tem erro. Desce redondinho.
Hoje em dia chego numa consulta médica sem meias palavras, depois de expor os sintomas, levantar os dados da anamnese que sejam relevantes para o caso atual e sugerir alguns possíveis exames para realizar o diagnóstico diferencial, já quebro logo o gelo e faço alguma piadinha sobre a minha mania de doença. Afinal, a melhor defesa é o ataque. Nada de ficar esperando a oportunidade do contra-ataque, esse é um lema de todo viciado em remédio que se preze.
Falando nisso, outro ponto importante para os iniciados nessa arte é a bula. Tem melhor defesa que a leitura dela para a profilaxia de efeitos colaterais indesejados? Pra quê deixar o seu campo aberto para o ataque do inimigo se você pode impedir a gastrite ou a esofagite com um protetor gástrico. Coisa elementar, realmente. Além disso, como saber se você está tendo uma intolerância ao princípio ativo sem conhecer a lista dos efeitos adversos e as interações medicamentosas? Sem falar que se você tomou, alguma vez, alguma medicação sem ler a bula sagrada, meu caro, você é um caso perdido para o nosso clube. Pura falta de vocação. Não tem remédio!

Autoria preservada

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