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10.07.2008

A cura do câncer é uma das maiores aspirações da humanidade

CÂNCER - POR QUE A LUTA AINDA É TÃO DIFÍCIL
06/10/2008
Há 40 anos a ciência fez da guerra contra a doença uma prioridade. Ainda assim, combatê-la é uma tarefa penosa - como mostra a luta do vice-presidente José Alencar. A cura do câncer é uma das maiores aspirações da humanidade. Quanto mais a ciência aprende sobre a doença, no entanto, menos realista esse objetivo parece. Sabe-se hoje que câncer é um nome genérico para mais de 200 doenças diferentes, com formas de disseminação peculiares e diversos graus de agressividade. É improvável que surja uma solução única, capaz de eliminar todas as formas do mal. Ele é um inimigo antigo - em 1600 a.C., a luta contra um tumor de mama ficou registrada num papiro egípcio. A partir do século XIX, a ciência conseguiu reunir um arsenal capaz de fazer frente a ele. Os médicos o atacam com emissões de raios X, com coquetéis de drogas, com bisturis e agulhas. Ainda assim, o câncer resiste. No Brasil, a mortalidade por câncer aumenta, em vez de recuar. Em 2008, pelo menos 466 mil casos novos surgirão no país. E 141 mil famílias deverão sofrer a perda de um parente. A multiplicação de descobertas sobre a doença enche a sociedade de esperanças. E há mesmo o que comemorar. Em alguns tipos de câncer, como o de mama, é possível salvar a maioria das pacientes. Mas receber o diagnóstico é o passaporte para uma realidade duríssima. O combate exige persistência, disposição, recursos - como revela a luta do vice-presidente, José Alencar. O rosto pálido e o incômodo provocado pelo corte cirúrgico de 40 centímetros no abdome eram, há duas semanas, os únicos sinais evidentes da mais recente batalha de Alencar contra o câncer. Quando me recebeu em seu apartamento, em São Paulo, ele era o mesmo de sempre. Expedito, objetivo, otimista. Não parecia ter enfrentado dias antes uma complicada operação de seis horas para extirpar três novos tumores. Eram do tipo sarcoma, câncer que ocorre em tecidos como músculo, gordura, nervos. Estavam alojados numa membrana perto das alças intestinais. É a sétima vez em dois anos que Alencar enfrenta esse tipo de tumor. Dois dias depois de deixar o hospital, Alencar governava o país de seu ensolarado escritório residencial. O presidente Lula estava em Nova York. O vice decidiu não se licenciar do cargo. De casa, sancionou algumas leis. Uma delas é a que proibiu letras miúdas em contratos. "Sancionei com grande satisfação. Agora, só com corpo 12". Com uma simplicidade cativante, o vice-presidente adoçou meu café e me serviu. Dona Mariza estava às voltas com a máquina de lavar. As empregadas já haviam saído porque logo o casal fecharia a casa e voaria para Brasília. Nos pensamentos de Alencar, a doença está em segundo plano. Mas está lá. O primeiro sarcoma foi extraído numa cirurgia realizada em julho de 2006. A análise do tumor revelou que não fora possível retirá-lo completamente. Haviam sobrado células malignas às margens dele. Após alguns meses indetectável, o câncer sempre reaparece. Alencar já tentou de tudo, inclusive o que há de mais moderno: sucessivas cirurgias, quimioterapia, radiofreqüência (um método para destruir o tumor por meio de uma fonte de calor), novas drogas. De alguma forma, esses recursos contribuíram para retardar a progressão da doença. Mas não há garantia de cura. "Perguntei ao médico qual é minha chance de ficar curado. Ele disse que é de 50%. Isso para mim é uma beleza", afirma. Prever quanto tempo um paciente de câncer vai viver é uma das tarefas mais inglórias da medicina. É possível estimar a sobrevida média com base no acompanhamento de determinado número de casos. Estatísticas, porém, são freqüentemente contrariadas por histórias individuais de sucesso ou insucesso. A longa convivência de Alencar com o câncer parece tê-lo deixado mais confiante. Ele luta contra a doença desde 1997, quando descobriu um tumor no rim direito. Nos anos seguintes, teve câncer no estômago e na próstata. Livrou-se de todos eles enquanto construiu uma carreira política. Elegeu-se senador em 1998, chegou à Vice-Presidência quatro anos depois e reelegeu-se em 2006. Para vencer o sarcoma recorrente, Alencar diz estar disposto a enfrentar outras cirurgias, quimioterapia e o que mais for necessário. "O inimigo é poderoso. É preciso enfrentá-lo com grossos calibres", diz. É difícil apontar outros brasileiros com câncer que tenham recebido tantos cuidados médicos e tratamentos modernos quanto ele. Alencar tem acesso a tudo. É um milionário que nasceu pobre na Zona da Mata mineira e, com muito trabalho, fundou a Coteminas, um dos maiores grupos têxteis do país. Tem todo o direito de gastar quanto quiser na tentativa de se livrar da doença. É difícil, até para a família, calcular quanto já foi gasto em 11 anos de luta contra o câncer. Segundo o vice-presidente, a maior parte das despesas é coberta pelo seguro-saúde Amil, que custa R$ 4.100 mensais ao casal Alencar e Mariza. O plano de saúde paga quase todos os remédios e o atendimento no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Despesas extras são pagas pela família. Uma delas foi a cirurgia para extração de um dos sarcomas realizada em novembro de 2006 no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York. Custou US$ 88 mil. O plano de saúde reembolsou metade do valor. Freqüentemente Alencar é surpreendido por gentilezas que talvez não recebesse caso não fosse vice-presidente. Em outubro de 2007, o médico Murray Brennan, considerado o maior especialista do mundo em cirurgias de sarcoma, que já o havia operado em Nova York, veio ao Brasil atendê-lo no Sírio-Libanês. Estava em Dubai, nos Emirados Árabes, e veio a São Paulo com as despesas pagas pela família. Depois da operação, Alencar quis pagar pelo procedimento. Brennan não aceitou receber pagamento. Disse que gostaria de levar para o neto de 8 anos uma camisa da Seleção Brasileira autografada por um craque. Alencar telefonou para Ricardo Teixeira, da Confederação Brasileira de Futebol, e ele providenciou uma camisa autografada por vários jogadores. Enquanto me contava essa história, o vice-presidente chorou. "Até hoje não sei por que o doutor Brennan não cobrou. Acho que foi uma demonstração de apreço muito grande pelo meu país", disse, enquanto enxugava o rosto num lenço branco. A mesma atenção especial Alencar recebeu quando precisou do remédio Yondelis, importado da Espanha, em julho. Trata-se de um quimioterápico novo. Cada aplicação custa cerca de R$ 12 mil. O vice-presidente pediu a um funcionário da embaixada brasileira em Madri que comprasse o remédio. O fabricante não aceitou pagamento e ainda mandou duas cientistas a São Paulo para acompanhar as aplicações. A droga não deteve a doença. Um novo tumor apareceu. Se nem uma pessoa com tantos recursos como o vice-presidente consegue se livrar da doença, que dizer dos outros milhares de pacientes? As histórias de sofrimento despertam um sentimento de insatisfação. Embora a ciência do câncer tenha avançado muito nas últimas quatro décadas, o conhecimento não tem levado ao surgimento de tratamentos eficazes na velocidade que a sociedade espera e necessita. Nos Estados Unidos, essa sensação desencadeou a criação de um movimento que pretende repensar o combate à doença. Desde que o presidente americano Richard Nixon declarou guerra ao câncer, em 1971, o governo dos Estados Unidos, fundações privadas e empresas gastaram cerca de US$ 200 bilhões em busca de curas. O dinheiro produziu cerca de 1,5 milhão de artigos científicos e permitiu o surgimento de tratamentos mais poderosos e ao mesmo tempo mais toleráveis em termos de reações adversas. Os pacientes vivem mais e com maior qualidade de vida. Em inúmeros casos, porém, nem os recursos mais avançados impedem que eles morram de câncer pouco tempo depois. Em algumas formas da doença, os índices de cura continuam muito baixos. O câncer de pulmão, provocado pelo cigarro em nove de cada dez casos, é o mais comum no mundo e um dos mais letais. Cerca de 10% dos pacientes estão vivos cinco anos depois do diagnóstico. No caso de tumores cerebrais, também há pouca coisa a oferecer. O tratamento-padrão é composto de cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Como é difícil debelar o câncer com esses métodos, há várias alternativas em teste, como radiocirurgia, novas drogas e vacinas para estimular o sistema imune a lutar contra a doença. A maioria dos pacientes, no entanto, vive poucos meses depois do diagnóstico. O câncer de pâncreas é outro desafio. Não existe um exame específico para detecção precoce. Por isso, apenas 7% dos casos são descobertos no início. A quimioterapia e a radioterapia não costumam surtir o efeito desejado. Há pouco conhecimento sobre os mecanismos que levam a esse tipo de câncer. Por isso, até as drogas mais modernas têm se mostrado pouco eficazes. Embora seja encorajador contar histórias de sobreviventes do câncer - e dos progressos que tornaram isso possível -, não se deve perder de vista o outro lado dessa equação: muita gente ainda morre de câncer. CHANCES DE SOBREVIVER - A cada ano, ocorre uma morte a cada três novos casos de câncer no Brasil. Alguns tumores são mais agressivos e difíceis de tratar: Pulmão - 1 morte a cada 1,5 caso; Esôfago 1 morte a cada 1,5 caso; Estômago - 1 morte a cada 1,8 caso. Leucemia - 1 morte a cada 1,8 caso; Colorretal - 1 morte a cada 2,6 casos; Pele (do tipo melanoma) 1 morte; a cada 4,3 casos; Mama; 1 morte a cada 4,5 casos; Próstata - 1 morte à cada 4,6 casos; Pele (do tipo não-melanoma) - 1 morte a cada 77,8 casos. Nos Estados Unidos, o câncer firmou-se como a primeira causa de morte, ultrapassando as doenças cardiovasculares. Neste ano, 565 mil americanos deverão ser mortos pela doença. Os casos de câncer (mais comuns em idades avançadas) aumentam porque a população está tendo a chance de envelhecer, em vez de morrer precocemente de males do coração ou de doenças infecciosas. De certa forma, essa é uma boa notícia. Não é aceitável, porém, que a mortalidade continue tão elevada mesmo com tanto investimento em pesquisa, diagnóstico e tratamento. Em 1975, morriam de câncer 199 pessoas a cada 100 mil habitantes nos Estados Unidos. Em 2005, a taxa havia caído para 184 mortes por 100 mil. Quando analisamos especificamente alguns tipos de câncer, a situação piorou. A taxa de mortalidade por câncer de pulmão, por exemplo, subiu de 43 para 53 por 100 mil pessoas entre 1975 e 2005. No Brasil, o câncer é a segunda causa de morte (atrás das doenças cardiovasculares). Ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, a média de mortalidade por câncer (considerando-se todos os tipos) cresceu no país. Em 1979, 86 homens a cada 100 mil morriam de câncer. Em 2005, houve 108 mortes a cada 100 mil pessoas do sexo masculino (26% a mais). Entre as mulheres, o índice era de 63 por 100 mil em 1979. Subiu para 76 em 2005 (20% a mais). O que explica os números brasileiros? A mortalidade por câncer aumenta porque há pouca atenção às medidas de prevenção, falta diagnóstico precoce e acesso a tratamentos adequados. "Há muitas falhas no sistema de saúde. Quando o cidadão não consegue fazer um exame simples na unidade mais básica, perde a chance de descobrir o câncer precocemente e se tratar", diz Luiz Antonio Santini, diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer. "Isso vai sair caro para o sistema e trazer um enorme prejuízo para a pessoa". Além de garantir o básico - diagnóstico e tratamento no caso de tumores contra os quais já existem recursos eficazes -, é possível fazer com que a ciência ande mais rápido e salve quem atualmente tem poucas esperanças? O que fazer para que o conhecimento adquirido na bancada dos laboratórios se transforme rapidamente em soluções aplicáveis à beira do leito? Para alguns críticos do funcionamento-padrão da maioria dos projetos, é preciso arriscar mais. As principais pesquisas sobre câncer são financiadas nos Estados Unidos pelo National Cancer Institute (NCI). O órgão é estruturado para agir com muita cautela. A verba da instituição para pesquisa ficou estacionada em US$ 4,8 bilhões nos últimos três anos. "Quando o dinheiro é escasso, tudo se torna mais conservador", afirma Curtis Harris, pesquisador do NCI. A colaboração entre os cientistas fica prejudicada porque os pesquisadores guardam seus trabalhos em segredo enquanto entram na longa fila do financiamento. Uma nova forma de fazer pesquisa está sendo proposta por grupos organizados de pacientes e empresários que apóiam a causa do câncer. Um deles é o movimento Stand Up to Cancer (SU2C). Em português, algo como Enfrente o Câncer. Trata-se de um grupo fundado por executivos de Hollywood e apoiado pelas principais empresas de mídia. No início de setembro, o grupo organizou um programa de TV para arrecadar dinheiro para pesquisa. Num único dia, chegou-se à soma de US$ 100 milhões. A idéia é financiar apenas projetos que poderão render tratamentos dentro de um período de tempo definido. Os projetos serão selecionados por um comitê dirigido pelo Nobel de Medicina Philip Sharp, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Cerca de 20% dos fundos irão para projetos muito inovadores e de alto risco. Um dos inspiradores da SU2C foi Judah Folkman, morto no início do ano. Folkman afirmava que a criação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) ao redor do tumor era o que o alimentava e fazia crescer. Para matar o câncer seria necessário evitar a formação desses novos vasos. A teoria dele foi vista com descrédito durante décadas. Recentemente, a idéia foi reabilitada e tornou-se a base da droga Avastin, usada principalmente contra o câncer colorretal. O grupo quer evitar que outros Folkmans deixem de inovar por falta de dinheiro.

POR QUE A MORTALIDADE NÃO CAI NO BRASIL - O envelhecimento da população produz mais casos de câncer - Os brasileiros dão pouca atenção à prevenção. O cigarro provoca 30% das mortes. Alimentação saudável, atividade física e proteção solar reduzem o risco. ShutterStock - O diagnóstico precoce ocorre na minoria dos casos. A espera por uma mamografia no SUS pode levar meses. O acesso ao tratamento é desigual no país. Cerca de 90 mil pacientes não conseguirão fazer radioterapia em 2008. As drogas modernas raramente são oferecidas pelo SUS. O SU2C não é o único grupo independente que decidiu propor uma nova forma de fazer pesquisa. A Fundação para a Pesquisa do Mieloma Múltiplo financia trabalhos conduzidos cooperativamente por vários grupos. Em quatro anos, surgiram quatro novas drogas contra a doença, um câncer raro que afeta a medula. A instituição está desenvolvendo outras 30 drogas, metade delas já em fase de estudos clínicos. É compreensível que as pessoas - doentes ou parentes de doentes - tenham urgência de resultados, mas não é justo culpar a ciência pelo fato de ainda não ter surgido a cura do câncer. "Um tumor é mais inteligente que cem cientistas brilhantes", diz Otis Brawley, da American Cancer Society. A pesquisa precisa melhorar. Mas não significa que esteja no caminho errado. "Idéias absolutamente originais não aparecem com freqüência. A maioria dos projetos é baseada em dados preliminares. É assim que a ciência caminha", diz Luiz Fernando Lima Reis, diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Vem ganhando força, por exemplo, uma hipótese antiga sobre o papel das células-tronco no desenvolvimento do câncer. Elas são responsáveis pela formação de todos os tecidos do organismo. Ao se dividir, cada célula-tronco dá origem a duas novas células. Uma é a do tecido necessário para determinado órgão. A segunda é uma nova célula-tronco. A malformação dessas células durante a divisão parece originar o câncer. Se a hipótese for confirmada, poderão surgir drogas capazes de matar a célula matriz e assim impedir a formação de descendentes malignas. Apesar da expectativa por mais recursos contra o câncer, é inegável que avanços importantes foram conquistados nas últimas décadas. Eles reduziram o sofrimento dos pacientes e salvaram muita gente. Devem ser lembrados e servir de inspiração para a melhoria das tantas carências que ainda temos. O combate à leucemia infantil e outros cânceres hematológicos avançou extraordinariamente. Nos anos 60, as crianças sobreviviam poucos meses. Hoje, mais de 70% dos casos são curáveis. Apenas 10% das crianças com tumores cerebrais sobreviviam na década de 70. Atualmente o índice é de 45%. O câncer de mama deixou de ser sinônimo de mutilação e morte. A maioria das pacientes pode ser salva quando o tumor é descoberto precocemente. O maior pesadelo masculino - o câncer de próstata - também pôde ser amenizado. Cirurgias modernas, tratamento com hormônios e métodos como a braquiterapia (implante de sementes radioativas que destroem as células malignas) elevaram as chances de cura e reduziram o risco de efeitos colaterais devastadores como impotência e incontinência urinária. A quimioterapia complementar, depois da cirurgia, permitiu ampliar as chances de cura do câncer de pulmão, embora ele continue sendo um dos maiores desafios dos oncologistas. Histórias de sucesso começam a se tornar menos raras. É o caso do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Dias atrás um empresário foi ao escritório dele e estranhou a presença de pedreiros reformando o imóvel novo. Não era uma reforma, era uma ampliação. Thomaz Bastos comprara o escritório vizinho, para dobrar o tamanho do seu. "Dobrar o escritório aos 73 anos?", perguntou o cliente. Resposta de Thomaz Bastos: "Nasci de novo. Para mim, a vida começou depois dos 70". A notícia do câncer no pulmão surpreendeu Thomaz Bastos em maio do ano passado, 40 dias depois de sua saída do governo Lula, e acabou com o sonho de uma vida preguiçosa que pretendia levar. "Meu plano era vadiar: ficar mais tempo na praia, trabalhar pouco". Quando recebeu o diagnóstico, a primeira reação foi de raiva. Segundo Drauzio Varella, seu médico, a culpa foi dos mais de 20 anos de cigarro. Uma cirurgia extirpou-lhe a metade superior do pulmão esquerdo. Ele enfrentou 16 sessões de quimioterapia. "Tomava aquele veneno uma semana sim, duas não". Recebeu alta no fim do ano passado. Emagreceu 6 quilos, usa carro o mínimo possível e fez cirurgia para corrigir o astigmatismo que o acompanhava desde os 15 anos de idade - hoje precisa de óculos só para ler. Abandonou a idéia de pendurar a toga. "Agora eu quero trabalhar muito, ganhar dinheiro, pegar grandes causas", diz. "É por isso que estou dobrando o escritório e comprei uma cobertura de 700 metros quadrados que só ficará pronta daqui a quatro anos. Meus planos são todos de longo prazo". Thomaz Bastos tornou-se um antitabagista ferrenho. O comportamento individual tem uma enorme importância na luta global contra o câncer. Não adianta esperar milagres da ciência se cada cidadão não fizer o que está a seu alcance para prevenir a doença. A maior parte dos casos é evitável. Não fumar e evitar o fumo passivo é a melhor medida para reduzir o risco de câncer (confira o que você pode fazer para prevenir a doença na página seguinte). Quando viaja pelo Brasil, freqüentemente o vice-presidente, José Alencar, é abordado por cidadãos que cobram melhorias no atendimento ao câncer. Alencar conhece os problemas, mas não tem soluções prontas. Pediu ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que estudasse a possibilidade de oferecer em cada capital um equipamento PET, aquele que faz um escaneamento completo do corpo e detecta alterações metabólicas que podem ser indícios de câncer. Embora seja sofisticado, o equipamento falha em 30% dos casos. Não parece ser a solução para um país cheio de carências básicas no atendimento ao câncer. Converse com qualquer médico e ele vai contar histórias de quem esperou meses por uma endoscopia e, quando conseguiu realizar o exame, tinha um câncer avançado no estômago. Ou de mulheres que só conseguiram fazer uma mamografia depois que o tumor já era grande o suficiente para ser notado até mesmo sem o exame. A classe média, atendida por planos de saúde menos abrangentes que o do vice-presidente, até consegue realizar os exames num prazo adequado. Quando precisa de tratamento, porém, a situação se complica. A maioria dos planos de saúde não paga as formas mais modernas de radioterapia nem quimioterapia oral. Muitas das drogas mais novas, no entanto, são em forma de comprimido. O custo do tratamento pode chegar a R$ 50 mil por mês e elas não são oferecidas pelo SUS. As economias de uma vida inteira, os imóveis que seriam herdados pelos filhos desaparecem em poucos meses. É por isso que cada vez mais doentes exigem na Justiça que o Estado arque com o tratamento. Mesmo quando não há nenhuma indicação de que o remédio solicitado fará efeito naquele paciente. Às vezes, o doente morre alguns dias depois de o Estado ter arcado com gastos enormes e a Secretaria de Saúde deixa de usar o dinheiro de uma forma mais inteligente. "Está muito difícil praticar oncologia no Brasil", diz André Murad, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele diz entender que o SUS não possa pagar tratamentos experimentais ou drogas caríssimas que prolongam a vida por poucas semanas. "Mas o SUS não está oferecendo nem mesmo remédios que comprovadamente aumentam a sobrevida dos pacientes". Não há comprovação de que a droga oral que o vice-presidente José Alencar vai começar a tomar funcione em casos como o dele. O remédio foi desenvolvido para bloquear a formação de vasos sanguíneos que alimentam os tumores (a idéia essencial de Folkman). Diante da falta de opções, Alencar está disposto a correr o risco. Diz não ter medo da morte. "Ninguém sabe o que é a morte. E se for uma coisa boa? E se eu puder encontrar meus pais?" Alencar é uma pessoa notável. Como tantos brasileiros, torço por ele.
Fonte: ÉPOCA

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