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11.11.2008

O QUE HÁ DE MELHOR EM QUALIDADE



Os apóstolos da Qualidade – Juran e Deming
Dizem que santo de casa não faz milagre, e o ditado popular se aplica muito bem à carreira de Joseph Moses Juran e William Edwards Deming nos Estados Unidos. Ambos são considerados hoje os grandes disseminadores e impulsionadores iniciais do movimento da Qualidade, e embora tenham tentado aplicar seus conhecimentos inicialmente nos EUA, acabaram encontrando público interessado apenas quando foram ao Japão pós-Segunda Guerra Mundial.

A semente da qualidade pode demorar a germinar, e o trabalho que Juran desenvolveu no Japão dos anos 1950, preparando os executivos e a média gerência das empresas de lá para administrar com foco na qualidade, deu frutos apenas nos anos 1970, e culminou com a crise da invasão dos produtos japoneses – com qualidade superior – no mercado dos EUA na década de 1980.

Ironicamente, Juran encontrou ouvidos interessados no Japão justamente porque a qualidade dos produtos da indústria de lá era quase universalmente tida como baixa, o que ajuda a explicar o susto norte-americano com o choque de qualidade que tomou na década de 1980 com estes mesmos produtos. Mais ironicamente ainda, grande parte da resistência que Juran encontrou nos EUA deveu-se à crença de que não fazia sentido preparar justamente os executivos e média gerência para a qualidade, pois tratava-se de questão operacional - ao contrário do que acreditamos hoje.

Já Deming chegou a ter influência (mas não reconhecimento especial) nos EUA antes de ir auxiliar a indústria japonesa. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele fez parte do grupo responsável pelos padrões aplicados à produção industrial com ênfase no esforço de guerra, empregando métodos estatísticos de controle de qualidade – os quais caíram em desuso nos EUA logo após o fim do conflito.

Em 1950, ainda atuando como parte do esforço norte-americano do pós-Guerra, Deming se envolveu no planejamento do censo do Japão, e teve oportunidade de dar palestras, no papel de especialista no assunto, sobre métodos de controle estatístico e qualidade para a JUSE, união japonesa de cientistas e engenheiros. Ele treinou engenheiros, técnicos, estudantes e a alta administração de empresas, e afirmava aos gestores que a melhoria na qualidade reduz despesas ao mesmo tempo em que amplia a produtividade e a fatia de mercado, como vimos em “O que é qualidade“.

Deming definia a qualidade como função das exigências e necessidades do consumidor. Como estas variam com o tempo, sua conclusão é que as especificações de qualidade também deviam ser alteradas constantemente. Ele já considerava insuficiente limitar-se a cumprir a margem de tolerância das especificações. Além disso, para ele, era preciso utilizar os intrumentos de controle estatístico de qualidade, em vez da mera inspeção tradicional por amostragem de produtos, que não melhora nem garante a qualidade, e até deixa passar alguns defeitos.

Deming é considerado no Japão como o pai do milagre industrial daquele país. Em sua homenagem, a JUSE instituiu o Prêmio Deming, conferido anualmente às melhores empresas no campo da qualidade.

Ambos trabalhavam independentemente, mas de forma complementar: Juran com o foco na gestão voltada à qualidade, e Deming dando atenção ao controle estatístico da qualidade. Na década de 1980, após o susto causado pela qualidade dos produtos japoneses, os Estados Unidos acordaram para a questão da qualidade, e Juran e Deming começaram a ser ouvidos por lá também, juntamente com grande número de outros especialistas no assunto – e hoje ambos são considerados, com justiça, pioneiros deste movimento.

Mais qualidade: os autores essenciais
A variedade de conceitos e técnicas associados à idéia de qualidade leva o leitor a acreditar que trata-se de um conjunto amplo e com vários focos. Parece mesmo tratar-se de uma criança com muitos pais, mas quando visto mais de perto, fica claro que trata-se na verdade de um grande conjunto de criações, todas com pontos de contato e superposições, e com sua própria importância relativa.

Assim, para entender melhor o tema, vamos passar rapidamente por uma lista de autores de conceitos e métodos relevantes nesta área de conhecimento.

Philip Crosby está associado à idéia de ”zero defeitos” (1961) e de “fazer certo da primeira vez”. Já vimos (em “O que é qualidade“) que para ele a qualidade significa conformidade com as especificações, e estas especificações variam para cada organização, conforme estas percebem as necessidades de seus clientes. No seu método, não existe um padrão de tolerância – a meta real é exatamente zero defeitos. A sua filosofia do Zero Defeito envolve atitudes e não simples idéias ou conceitos vagos, e assim pressupõe ações, comportamentos e resultados. O movimento em busca do Zero Defeito começa com a observação dos erros cometidos; e a seguir, questiona-se por que eles foram cometidos e passa-se a acompanhar a evolução das causas de erros para garantir que elas não serão criadas. Com isso, os erros são evitados. Para ele, os responsáveis pela qualidade são os gestores, e não os colaboradores – e as iniciativas de qualidade devem vir do alto da pirâmide organizacional, inspirando inclusive pelo exemplo. Defende a criação de um grupo de qualidade no nível estratégico da organização, e o treinamento técnico dos colaboradores. Considera a prevenção (e não a inspeção, teste e controle) como principal fonte da qualidade.

William Edwards Deming já foi apresentado no início deste artigo, mas sua participação garante a ele mais um parágrafo. Ele foi um grande crítico da incapacidade dos industriais norte-americanos de perceber a importância dos trabalhadores na qualidade, que só podia ser concretizada pelo aumento de sua participação nos processos de tomada de decisão. Para ele, o papel do gestor é remover os obstáculos que impedem a realização de um bom trabalho. Uma de suas frases-chave é que “o executivo deve fazer os outros trabalhar melhor, e não apenas trabalhar mais”. Deming também é o autor do “Ciclo PDCA” ou “Ciclo de Deming”, espiral da melhoria contínua, baseada na seqüência Plan – Do – Control – Act (ou Planejar, Executar, Verificar, Atuar.) para descrever a forma como as mudanças devem ocorrer numa organização de qualidade – incluindo não apenas os passos do planeamento e implementação de uma mudança, mas também a verificação posterior se as alterações produziram a melhoria esperada, atuando então para ajustar, corrigir ou iniciar uma melhoria adicional com base no passo de verificação.

Armand Vallin Feigenbaum é autor do TQC – Total Quality Control ou Controle Total da Qualidade (associado à satisfação do cliente ao mais baixo custo, com ênfase especial nas pessoas, incluindo sua formação e seu envolvimento completo com os objetivos da organização), e pioneiro no estudo dos custos da Qualidade. Pregava que a qualidade é uma filosofia de gestão e um compromisso com a excelência, e não um conjunto de técnicas para eliminação de defeitos. Para ele, a qualidade é voltada ao exterior da empresa (orientada ao cliente), e não a seus processos internos.

Kaoru Ishikawa é considerado o mais representativo entre os autores japoneses relacionados à qualidade, e é associado aos Círculos de Controle de Qualidade (Grupos de pessoas da mesma área de trabalho, que se reúnem voluntária e periodicamente para analisar e solucionar os problemas concretos dessa área). Participante da JUSE (onde Deming ministrou seus primeiros treinamentos no Japão), aprendeu sobre controle de qualidade com os norte-americanos, e com base nisso desenvolveu uma estratégia de qualidade para uso no Japão. Sistematizou o conjunto conhecido como os 7 instrumentos do controle de qualidade, que veremos em detalhe em um capítulo posterior, e com os quais acreditava poder resolver 95% dos problemas de qualidade.

Joseph Moses Juran: Assim como Deming, já teve seu espaço na abertura deste artigo, mas merece nova abordagem complementar. Via a qualidade em 2 contextos diferentes, ambos vantajosos para a organização: o relacionado à satisfação do cliente (gerando mais lucros), e o relacionado à ausência de defeitos (gerando menores custos). Juran colocava a qualidade no topo das prioridades do gestor, e pregava o fim da separação planejamento/execução, para ele uma herança dos tempos dos precursores da Administração Científica (especificamente o taylorismo). Já acreditava na auto-gestão de equipes de trabalho como instrumento de qualidade.

Genichi Taguchi: ganhou 4 vezes o Prêmio Deming. Define a “ausência de qualidade” em termos das perdas geradas para a sociedade ao longo do seu ciclo de vida (desde a expedição do produto acabado até o final da sua vida útil, inclusive), e aplica esta idéia a todo o ciclo de produção, desde o design até o produto acabado. Mede isto em valores monetários, para facilitar a comunicação com os não-iniciados. Para Taguchi, a chave da redução de perdas não é a simples conformidade com as especificações, mas sim a redução da variação estatística em si, em relação ao objetivo especificado, ou às medidas ideais. Acredita que a qualidade e o custo do produto são definidas, em grande parte, pelo seu design e processo de fabricação.

Fazer uma lista completa estaria fora do nosso escopo, e assim bastante gente ficou de fora, incluindo Massaki Imai (criador da filosofia conhecida como Kaisen, ou melhoria contínua), James Harrington, Richard Schonberger (que trouxe ao ocidente técnicas japonesas como o just-in-time), Blanton Godfrey, entre outros.

As 5 ilusões da qualidade e os 6 obstáculos da qualidade
Para Philip Crosby (associado à idéia de “zero defeitos”), existem 5 ilusões fundamentais sobre a qualidade que levam as tentativas de implantar uma cultura de prevenção (e não de controle e resolução) de problemas a falhar:

Estas são as ilusões descritas por Crosby:

Ilusão 1: A qualidade significa luxo ou notoriedade. Na verdade, “encantar o cliente” é algo a se considerar na fase de projeto ou design do produto ou serviço. A partir daí, o esforço deve ser no sentido da conformidade, ou seja, garantir que o cliente vai receber aquilo que esperava, e que foi projetado. Tudo isso sem prejuízo da sua visão, já explicada acima, de que a qualidade deve estar associada à conformidade com as especificações, e que estas deveriam ser atualizadas freqüentemente pelas empresas, conforme detectam a mudança nas expectativas dos clientes.
Ilusão 2: A qualidade é algo intangível e não mensurável. É mensurável sim, e é possível estimar, projetar e acompanhar os custos da não-conformidade. Ao se colocar a questão em valores monetários, ela passa a poder ser acompanhada e comparada mais facilmente por todos os níveis administrativos.
Ilusão 3: É impossível fazer bem na primeira vez. O senso comum diz que é impossível ou caro demais acertar desde a primeira vez, mas o conceito de zero defeitos vem funcionando bem desde 1961 baseando-se na premissa oposta. Os custos de fazer certo desde a primeira vez são superados pelos resultados, tanto em lucro quanto em ampliação da fatia de mercado.
Ilusão 4: Os problemas de qualidade partem dos trabalhadores. Crosby acredita que a qualidade é responsabilidade dos gestores de todos os níveis, e exemplificava que não bastaria trocar todos os operários de uma fábraca dos EUA por operários japoneses experientes em qualidade, mas se o gestor fosse trocado por um gestor japonês experiente em qualidade, a história seria outra. Medidas simples, como a documentação formal e treinamento para a execução de tarefas, podem ser suficientes para obter grande ganho de qualidade no nível operacional.
Ilusão 5: A qualidade é criada pelos departamentos de qualidade. Ela é responsabilidade de todos, e nasce das ações concretas. Nenhum departamento, comissão, assessoria, norma, programa ou grupo de trabalho pode criá-la por si só.
Compare com os obstáculos à qualidade elencados por Deming:

Esperar por mudanças instantâneas;
Supor que a automação ou novas máquinas resolvem os problemas;
Procurar “receitas mágicas”;
Iludir-se por uma suposta singularidade dos problemas;
Transferir responsabilidade para o departamento ou grupo de controle de qualidade;
Satisfazer apenas as especificações.
Os pontos recomendados e criticados por Deming
Os escritos de Deming devem ser entendidos considerando o contexto histórico, eventualmente à luz de outras escolas mais modernas de Administração, ou mesmo de qualidade. Mesmo assim, os 14 pontos de Deming para a melhoria da qualidade são referência universal na prática e no ensino da qualidade. São eles:

Criar uma visão consistente para a melhoria de
um produto ou serviço.

Adotar a nova filosofia e assumir a sua
liderança na empresa.

Acabar com a dependência da inspeção como
meio para a qualidade.

Minimizar custos, adotando um fornecedor preferencial.
Melhorar de forma constante e contínua cada processo.
Promover a aprendizagem no posto (treinamento “on the job”).
Encarar a liderança como algo que pode ser aprendido por todos.
Não liderar com base no medo, nem com estilo autoritário.
Destruir barreiras entre áreas funcionais.
Eliminar campanhas e slogans com base em imposição de metas.
Abandonar a Administração por Objetivos com base em indicadores quantitativos.
Não classificar os trabalhadores em rankings de produção ou desempenho.
Criar um programa de formação para todos os colaboradores.
Fazer com que a mudança seja tarefa de todos.
Mas Deming não se limitou a estes pontos, listando também o que hoje conhecemos como as 7 doenças mortais da qualidade, sobre as quais fazemos a mesma advertência (sobre a leitura considerando o contexto histórico, e à luz de outras escolas). São elas:

Ausência de objetivos;
Ênfase no lucro a curto prazo;
Avaliação individual por desempenho, classificação por mérito ou revisão anual do desempenho;
Mobilidade das chefias;
Gestão com base nos aspectos quantitativos;
Gastos excessivos em assistência médica aos colaboradores;
Gastos excessivos em ações judiciais;

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