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1.04.2009
A CRISE MUNDIAL E INDUSTRIA FARMACEUTICA BRASILEIRA
Indústria farmacêutica brasileira e a crise mundial
Conhecedores avaliam possíveis impactos da crise sobre P&D das empresas nacionais; setor está forte, afirma executivo do BNDES
O que vai acontecer com o movimento da indústria farmacêutica brasileira em direção a mais investimento em pesquisa e desenvolvimento frente às perspectivas de crescimento menor da economia do País? Durante o 2º Encontro Nacional de Inovação em Fármacos e Medicamentos (ENI-FarMed), realizado pelo Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento em Fármacos e Produtos Farmacêuticos (IPD-Farma) e pela Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec) nos dias 12 e 13 de novembro, em São Paulo, Inovação fez essa pergunta a quatro conhecedores do setor. Pedro Palmeira, que coordena a carteira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a inovação no setor, e Marcio Falci, diretor de P&D da Biolab, a terceira maior em volume de vendas, confiam no setor e na manutenção da tendência atual. Marcio lembrou que P&D é uma forma de proteção das empresas, um investimento que as fortalecerá quando a crise passar; Pedro apoiou sua opinião no fato de o setor estar capitalizado e preparado para "um solavanco como este". Na outra ponta está Ogari Pacheco, do Laboratório Cristália: para ele, mais pessimista, a crise chegará ao Brasil no segundo semestre de 2009 e trará com ela "significativa redução" das atividades de P&D. Eliane Bahruth, da área de planejamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), preferiu não fazer prognósticos.
De acordo com Falci, a tendência das farmacêuticas em direção a maiores investimentos em P&D começou em 1999, com a promulgação da Lei dos Genéricos. Ele acompanhou a inflexão do setor quando ainda era diretor médico da Biosintética, comprada em outubro de 2005 pelos Laboratórios Aché, um ano depois de este ter se tornado o primeiro em vendas no País, superando a multinacional Roche. O aumento do volume de vendas e o crescimento da economia deram ao setor os recursos para investimento em P&D. A carteira coordenada pelo BNDES e, mais recentemente, o programa de Subvenção Econômica da Finep — em 2006, projetos de sete farmacêuticas ficaram com 11,3% dos recursos disponíveis — fortaleceram a tendência.
Os resultados de uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2008 pela Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma) mostram que, de 2006 para 2007, os investimentos em P&D das empresas nacionais cresceram 68% — enquanto os das multinacionais cresceram 11%. Esses investimentos vêm sendo feitos, basicamente, em inovações incrementais, que visam, por exemplo, a mudar a forma de apresentação de um medicamento ou criar associações entre eles que tragam maior conforto para o doente. "Isso é natural, pelo porte das nossas empresas, que são de tamanho menor se comparadas com as grandes firmas internacionais. Aqui, elas não têm um volume de recursos que as permita arriscar tanto", apontou Eliane Bahruth, da Finep. Ela explicou que a agência tem observado projetos de maior risco e mais diferenciados entre as propostas aprovadas nos editais de subvenção e também em alguns convênios de parceria entre empresas e universidades.
As avaliações sobre o impacto da crise financeira
Marcio Falci, da Biolab, não acredita que a crise vá interromper o movimento pró-inovação das empresas. "Pelo que eu saiba, as indústrias brasileiras não estão alavancadas. Vejo pela minha: estamos contratando gente, ano que vem iniciamos um centro de pesquisa, estamos investindo em capacitação, em P&D", contou. A Biolab projeta sair de um faturamento de quase R$ 400 milhões para R$ 600 milhões no ano que vem, com a introdução de 18 produtos, 12 deles desenvolvidos aqui. Ele explicou que o setor só será mais afetado se houver uma grande queda no consumo, "o que não parece que vai ocorrer". "O maior problema no setor farmacêutico se dá hoje na área de distribuição. Como os distribuidores trabalham com uma margem pequena, baseados em escala, e a concorrência é grande, numa hora de aperto creditício, eles sofrem mais do que as outras indústrias. É uma coisa que pode desestabilizar um pouco o setor", revelou.
As informações que chegaram até agora ao BNDES, sinalizam diferentemente: a crise não deve afetar as empresas farmacêuticas. "Se a crise vier, atingirá o setor em menor grau do que pode atingir os produtores de bens de consumo", analisou. Ele não descarta a ocorrência de casos pontuais de empresas que enfrentem problemas com a restrição de crédito, mas afirma que o setor farmacêutico, de modo geral, já vinha capitalizado. "Permito-me até dizer que já estava preparado para um solavanco como esse. Salvo algumas poeiras escondidas embaixo do tapete e que ainda não percebemos, estamos jogando com esse cenário de que talvez exista uma redução de margens em função de aumento de preço de matéria-prima, do ajuste cambial que está sendo feito agora, mas nada que vá impactar drasticamente o setor farmacêutico nacional", acrescentou. Para o executivo do BNDES, as empresas farmacêuticas nacionais já perceberam, há algum tempo, que praticar altas margens não é uma boa estratégia de longo prazo. "Em algum momento será necessário apostar em produtos inovadores. Isso interessa para o Brasil porque aumenta nossas possibilidades, nosso poder de troca com o mundo exterior, já que para o bem e para o mal o mundo continua globalizado, mesmo depois da crise".
Eliane, da Finep, preferiu a cautela e afirmou à reportagem que não considera possível, ainda, avaliar os impactos da atual crise econômica no setor. "A gente observa que o impacto imediato está se dando nos setores mais consolidados, que estão perdendo seus mercados", disse. Ela lmbrou que há uma idéia difundida pelas grandes empresas e por uma linha do pensamento econômico sobre as empresas aproveitarem as crises para investir mais em P&D&I, de forma a saírem com vantagem em relação aos concorrentes.
O empresário Pacheco, do Cristália, é o que mais teme as conseqüências da crise sobre as atividades de P&D e o setor como um todo. "Deveremos sentir os reflexos da crise no País de maneira mais evidente a partir do segundo semestre do ano que vem. Até então, as coisas vão parecer que não mudaram muito, mas que não tem vacina para isso; o Brasil está dentro de uma comunidade internacional, e como partícipe, vai sofrer os efeitos".
Ele acredita que haverá significativa redução de atividade de P&D, pois as empresas usam da mesma lógica de qualquer chefe de família: cortar os gastos possíveis, mantendo o essencial. "Primeiro, a empresa vai procurar produzir e vender, manter a atividade. P&D é o que vai gerar o desenvolvimento futuro, mas, no dia-a-dia, ela precisa produzir, vender, trabalhar no que tem", apontou, acrescentando que não considera essa reação à crise positiva ou recomendável, apenas provável.
O estudo da Febrafarma
A Febrafarma levantou dados de 50 laboratórios, 29 multinacionais e 21 nacionais, que, juntos, respondem por 75% das vendas no varejo. A pesquisa constatou que as companhias planejavam investir R$ 1,72 bilhão até o final de 2008, 14,8% a mais do que em 2007. O estudo estimou que R$ 505,26 milhões seriam destinados a P&D, um aumento de 30,08% em relação a 2007 e de 67% em comparação com 2006.
A pesquisa mostra o incremento dos recursos para P&D. As empresas nacionais respondem por 39,1% do total investido em P&D. Em 2007, respondiam por 37% e, em 2006, por 36,4%. Dos recursos destinados a P&D, as empresas brasileiras devem aportar R$ 219,7 milhões e as internacionais, R$ 285,5 milhões. De um ano para outro, os investimentos em P&D das empresas nacionais cresceram 68%; os das internacionais, 11%. Os recursos para P&D iriam para pesquisa clínica e inovação com foco incremental, basicamente projetos para modificações de substâncias já conhecidas, buscando maior eficácia ou segurança.
Apesar dos números positivos, a Febrafarma destacou que ainda é preciso maior esforço em inovação no Brasil. As empresas farmacêuticas nos Estados Unidos e nos países europeus investem, em média, 20% de seu faturamento em P&D. No Brasil, esse número foi de 5,3% no ano passado, quando o faturamento da indústria farmacêutica somou R$ 28,12 bilhões.
Aumento dos investimentos públicos indica mais P&D no setor
A Finep, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e o BNDES, do Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC), são os dois principais financiadores públicos para projetos de P&D&I nas empresas. "Houve um acréscimo significativo de investimento em pesquisa e inovação, em projetos das próprias empresas, e tivemos um aumento no número de parcerias das empresas com as instituições científicas e tecnológicas", contou Eliane, da Finep. Um dos dados que mostram o incremento das atividades de P&D&I do setor farmacêutico está nos projetos do programa de subvenção econômica. No primeiro edital, lançado em 2006, foram aprovados R$ 274 milhões para subvencionar empresas. Desse total, R$ 31 milhões foram para sete projetos da área médico-farmacêutica. No edital de 2007, foram aprovados R$ 314 milhões, dessa vez para as áreas de biotecnologia e saúde, privilegiadas pelo edital por conta da importância estratégica dos dois setores, segundo o governo federal. Foram R$ 26 milhões, mas para um maior número de projetos — 28 no total.
Outro indicador da Finep são os aportes dos recursos do Fundo Setorial de Saúde (CT-Saúde), que financia pesquisas realizadas pelo setor acadêmico público em parceria com o setor privado e também pesquisas de interesse da política pública de saúde, para atender às demandas do governo. Em 2003, o CT-Saúde desembolsou R$ 21,2 milhões; o investimento saltou para R$ 30,2 milhões em 2005 e para R$ 75,7 milhões em 2007. O orçamento de 2008 do fundo é de R$ 81,5 milhões.
"A procura por mecanismos de apoio à inovação aumentou no BNDES", explicou Palmeira. "O leque de instrumentos vai desde fundo não reembolsável, como o Funtec, um investimento que a empresa faz sempre associada a uma instituição de ciência e tecnologia, passando pelo Profarma Inovação, uma linha de financiamento bastante interessante para inovações incrementais, além das linhas tradicionais do banco", completou.
Segundo ele, a carteira do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica (Profarma), criado em 2004, é de R$ 1,5 bilhão já aprovado para financiar empresas. O valor é o acumulado desde o início da operação do programa até 2008. "Desse R$ 1,5 bilhão, R$ 330 milhões são para inovação", conta. Somado o dinheiro aprovado pelo banco mais o que as empresas colocam de contrapartida, os investimentos atingem a casa dos R$ 2,4 bilhões, sempre de acordo com o executivo do banco. "É o suficiente? Não. Mas para quem tinha zero há alguns anos, é um avanço extremamente significativo. A Finep também age agora de forma mais agressiva, utilizando o arcabouço jurídico da Lei do Bem, da Lei de Inovação para lançar os editais de subvenção econômica, uma ferramenta extremamente poderosa se for bem calibrada", acrescentou. "Não é por falta de recursos que a inovação não vai deslanchar no setor farmacêutico nacional. O empresário nacional tem um papel importante a desempenhar, o de capitanear esse processo de inovação", disse.
De início, o Profarma financiou a expansão de capacidade produtiva, modernização e a construção de novas fábricas. Como essa infra-estrutura já estaria razoavelmente consolidada, na visão do BNDES, o Profarma passou para uma segunda fase, em que busca "mais qualidade dos investimentos", como definiu Palmeira. "Não que investimentos em capacidade produtiva não sejam de qualidade; são necessários, mas por qualidade entendo investimentos em atividades inovadoras. E não só aquele investimento para desenvolver o produto X, Y ou Z, mas em projetos mais arriscados, para internalização de competências necessárias para inovar", explicou. Trata-se de investimentos de maior risco porque são feitos para ativos intangíveis, segundo ele. "Estamos incentivando a indústria a utilizar nossos instrumentos para que possamos internalizar de forma mais intensa essa atividade inovadora dentro da indústria farmacêutica nacional. Estamos longe do ponto ideal", destacou.
Empresários concordam: há aumento dos aportes em P&D
"Estamos começando a querer deslanchar, mas, como cidadão, considero ainda tímida nossa atuação em P&D&I", afirmou o presidente do Cristália. Para ele, o governo está fazendo o papel que se espera no que se refere ao financiamento a P&D&I. Mas, assim como Palmeira, Pacheco pensa que as companhias precisam ser mais ativas. "O governo está apoiando a pesquisa e a inovação nas empresas, mas isso depende muito mais da iniciativa, do comprometimento, do esforço das empresas", comentou.
O Cristália declara investir de 7% a 10% de seu faturamento anual nas atividades de P&D. Em novembro de 2007, o laboratório lançou um medicamento para tratamento da impotência sexual masculina, o Helleva, baseado em uma molécula desenvolvida internamente. O empresário disse que, mesmo o Cristália, que vem sendo reconhecido por sua capacidade de inovar, quando comparado às grandes empresas internacionais, tem um esforço pequeno. "Há necessidade de um esforço convergente no sentido de desenvolvermos um trabalho conjunto entre as empresas e quem detém a maior parte do conhecimento, as universidades, para que isso [um grande salto em inovação] ocorra", ressaltou.
Falci, da Biolab, contou que há, no País, 15 empresas do setor investindo em pesquisa e inovação de forma contínua. Para ele, o marco dessa virada na indústria nacional foi o início da comercialização de genéricos. Ele avalia que, agora, o Brasil começa a criar um ambiente mais atrativo para as empresas multinacionais também fazerem projetos de P&D mais sofisticados no País. "Em três a cinco anos, vamos começar a receber um aporte maior de multinacionais porque teremos as condições de infra-estrutura necessárias", afirmou. Na avaliação do diretor da Biolab, o marco regulatório precisa de atualização e os órgãos governamentais, de mais entrosamento. Contudo, segundo ele, hoje o Brasil conta com um bom ambiente jurídico, "não totalmente estruturado como elas [as empresas estrangeiras] gostariam, mas bom, melhor do que o da China", comparou. "Como estamos tendo bastante incentivo nas agências de fomento, é questão de tempo para que venham aproveitar os benefícios", atestou.
Um recente exemplo da nova tendência identificada por Falci seria o fato de a Pfizer ter anunciado em setembro que busca parceiros no País para desenvolvimento de novos medicamentos. O laboratório deve fazer um inventário dos projetos de pesquisa de novos medicamentos que estão em desenvolvimento no Brasil e ver quais deles podem ser de interesse de seu interesse, para conduzir o projeto de forma conjunta.
Fonte: Janaína Simões / Inovação Unicamp
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