Só o fato de você estar lendo essa coluna já pode valer uns anos a mais! Indica que o leitor tem muito bom gosto, gosta de ciência, tem acesso à informação, é curioso e não é analfabeto. Brincadeiras à parte, o título acima é baseado num fato: pessoas inteligentes realmente vivem mais do que os menos dotados. E que venha a polêmica…
A inspiração para essa coluna veio de um ensaio publicado na revista cientifica Nature (Deary I. 2008), no qual o autor discorre sobre a importância de se descobrir o porquê desse fenômeno. O principal argumento é que a resposta poderia auxiliar a combater deficiências na qualidade do sistema de saúde em diversos locais do planeta menos privilegiados.
Mas será que a ideia de pessoas inteligentes vivendo mais tem algum fundamento científico? O conceito de inteligência não era subjetivo? E os testes de inteligência não estavam todos desacreditados? Para minha surpresa, não. O bom e velho teste de QI, quando aplicado de forma correta, continua sendo ferramenta fundamental nos testes de cognição, e seu uso é amplamente difundido em psicologia. Fatores globais de cognição emergem de diversos testes que medem a habilidade mental, dados esses coletados e replicados desde 1904 para a espécie humana. Em geral, os dados sugerem que a habilidade mental se mantém estável durante a vida da pessoa, tem um componente genético forte e está associada com fatores importantes, incluindo nível educacional, sucesso profissional e mortalidade.
Um estudo recente mostrou que a classe social durante a infância não tem influência na associação entre inteligência e longevidade (Batty e colegas, Ann. Epidemiol. 2007). Aliás, inteligência parece ser um fator que prediz longevidade de maneira mais forte que massa corporal, colesterol total, pressão arterial ou nível de glicose no sangue. Nesse caso, inteligência pode ser comparada ao ato de fumar (Batty e colegas, Heart 2008). Outros estudos mostraram que a associação entre inteligência e mortalidade é válida em diferentes populações humanas, diferentes paises e culturas e mesmo em diferentes épocas. Parece óbvio? Nem tanto.
A vingança dos nerds
Existem algumas possíveis explicações para isso. Talvez a maioria das pessoas conclua que pessoas mais inteligentes, com melhor educação e maior leque de atuação profissional tendem a viver em ambientes mais saudáveis. Infelizmente, essa associação não funciona sempre e pode não passar de uma conseqüência da inteligência. Não explica a causa.
Uma explicação alternativa seria que pessoas mais inteligentes teriam a tendência a se engajar em comportamentos mais saudáveis. Existem evidências sugerindo que pessoas com alto QI estão mais preocupadas com nutrição, praticam mais exercícios físicos, evitam acidentes, largam o fumo mais rapidamente, controlam melhor o consumo de álcool e engordam menos na fase adulta. Mas, mesmo assim, todos esses fatores continuam sendo associações e podem estar escondendo alguma outra informação.
Uma ideia é que os testes de inteligência poderiam estar sofrendo interferências de danos cerebrais decorridos de acidentes ou doenças, por exemplo. Nesse caso, a relação do baixo QI e mortalidade alta não seria real, mas decorrente de outros fatores não levados em conta. Por outro lado, alguns estudos também correlacionaram o peso do feto (uma evidência de desenvolvimento normal) com inteligência e não se detectou nenhum problema. É possível que futuros testes detectem algumas dessas condições desconhecidas que interferem na relação do QI com a mortalidade.
Uma outra ideia é que o teste de QI esteja medindo a “homeostase”, ou seja, o equilíbrio mente-corpo do indivíduo, e não só a inteligência. Existem hipóteses que sugerem que a integridade física e a cognitiva envelhecem juntas. Em apoio a essa ideia vem o fato de que a velocidade de reação (o tempo entre a exposição a um estímulo e o aperto de um botão) esteja tão bem correlacionada com a inteligência quanto a mortalidade. O tempo de reação não requer pensamento complexo lógico e não melhora com a educação. Pesquisadores da área estão tentando discriminar entre essa integridade mente-corpo e o que chamamos de inteligência para poder comprovar a relação com a mortalidade.
Tudo isso leva a crer que ainda não existe uma relação causal clara entre o que detectamos como inteligência e a longevidade. Um dos problemas que vejo aqui é a utilização de dados gerados por outros estudos e que não foram desenhados experimentalmente para responder a essa questão. Aliás, aprender a formular a questão correta em ciência (e talvez em outras arenas da vida) é tão importante quanto a própria resposta.
Mas a questão fundamental aqui é: por que morremos, e até que ponto isso pode ser alterado? Mais do que uma filosofia existencial, a busca tem implicações práticas. Os fatores que as pessoas mais inteligentes possuem e que as fazem viver mais devem ser descobertos e compartilhados, criando um sistema de saúde melhor e mais harmônico. Vale a pena a buscar.
Globo.com
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