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4.02.2009

Quando tudo se desfaz


Quando tudo se desfaz


Pema Chödrön, no monastério de Gampo Abbey, na Nova Escócia, Canadá.
Aconteceu. Exatamente quando as coisas pareciam caminhar para um rumo mais seguro e tranqüilo, tudo desmoronou. Sonhos, desejos e esperanças chegaram ao fim. Nesse estado de choque, é comum não saber como reagir. Em momentos tão angustiantes, as palavras da monja budista americana Pema Chödrön agem como um bálsamo.

Uma grande decepção pode ser o início de uma grande aventura, uma chance inestimável para se abrir a novas formas de pensar e agir. É o que nos segreda Pema Chödrön, uma jovem americana que em 1974 decidiu tornar-se monja budista. Essa mulher, hoje com 65 anos, foi casada e dona de casa numa pequena cidade do Estado americano do Novo México e também fala com a experiência de quem viveu situações de conflito. "O único momento em que realmente sabemos o que está acontecendo é quando nos puxam o tapete e não encontramos mais nenhum apoio", escreveu ela. "Exatamente ali - na hora em que ocorre a experiência de faltar o chão, quando parece que vamos perder tudo o que é real - é que podemos encontrar as sementes de uma nova vida", reconhece. Nesse instante, explica Pema, podemos despertar do sono que nos mantém atrelados a expectativas sem sentido e velhos comportamentos. "Quando meu casamento desmoronou, tentei arduamente encontrar algum consolo e segurança. Para minha sorte, nunca consegui", diz, sorrindo, em suas palestras. Ela descobriu que tudo que a fazia sentir-se desconfortável, insegura e rejeitada contribuía para fazê-la mudar em direção a uma vida mais feliz. Eram chaves de transformação. Veja alguns dos tópicos principais do seu pensamento, expostos em suas palestras e em livros como Quando Tudo se Desfaz (ed. Gryphus).

Acostume-se com o medo

O medo é uma experiência universal vivida até mesmo pelo menor dos insetos. Quando passamos pelas poças formadas pelas marés e estendemos as mãos para os corpos abertos das anêmonas marinhas, elas se fecham. Essa é uma reação expontânea, comum a todos. Não há nada de terrível em sentir medo quando enfrentamos o desconhecido. Reagimos contra a possibilidade da solidão, da morte, de não termos nenhum apoio. O medo é uma reação natural ao nos aproximarmos da verdade.
Geralmente pensamos que as pessoas corajosas não sentem medo, mas a verdade é que elas estão apenas mais familiarizadas com ele. Aceitam que estão morrendo de medo e reconhecem esse sentimento como um velho amigo. E não se detêm por causa dele.
Quando estamos com medo, o conselho que geralmente recebemos nos diz para adoçá-lo, atenuá-lo, tomar um comprimido ou procurar uma distração. Fugimos dele. Mas só ele e a dor podem nos ajudar a destruir nosso velho eu e a nos despertar para outras possibilidades.
Mas, cedo ou tarde compreendemos que, embora não possamos fazer com que a dor ou o medo sejam agradáveis, são eles que acabarão por nos colocar diante de todos os ensinamentos que algum dia lemos ou ouvimos - são sentimentos transformadores. Se deixarmos seguir seu curso sem detê-los, eles serão capazes de abrir caminhos para uma nova vida, mais plena e feliz.
Situações limite


À beira do sabe-se lá o que for, o desafio que se apresenta a cada um de nós é o de permanecer nesse limiar, sem buscar nenhuma ação concreta. Experimentar ficar ali, ter a coragem de vivenciar cada segundo da dor sem tentar fugir, deixar o coração exposto. É tudo o que temos de fazer. Essa experiência é o tipo de teste que o guerreiro espiritual necessita para despertar.

No momento crucial da dor e do medo, estamos vivos, vibrantes, despertos. É nesse exato instante que nosso coração pode inundar-se de ternura. Podemos aprender a habilidade de nos perceber com mais suavidade e compaixão.
O amor que não morrerá


A identificação com os sofrimentos dos outros - a incapacidade de observá-lo de longe - é a descoberta de nossa ternura, a descoberta do boddhichitta. Essa é uma palavra sânscrita que significa "coração nobre ou desperto". Diz-se que está presente em todos os seres. Assim como a manteiga é parte do leite e o óleo da semente de gergelim, essa ternura é inerente a você e a mim. Faz parte da nossa natureza e está nos esperando.
Quando encontramos uma mulher com o filho no colo pedindo esmola na rua, quando vemos um homem surrar impiedosamente seu cão aterrorizado, quando nos deparamos com um adolescente espancado ou com o medo nos olhos de uma criança, damos as costas porque não podemos suportar - é isso o que a maioria faz. Alguém precisa nos encorajar a não deixar de lado o que sentimos, a não nos envergonhar pelo amor e pesar que surgem, a não temer a dor. Alguém tem de nos dizer que é possível despertar a ternura que existe em nós e que, ao fazer isso, mudaremos nossa vida.
Este exato momento é o mestre perfeito


Nosso maior problema é que não encaramos as situações frustrantes como ensinamentos - nós as detestamos automaticamente, corremos delas feito loucos. Porém a jornada espiritual significa aventurar-se nesse território desconhecido, arriscar-se a viver sempre o momento presente, ir além do medo e da esperança.
O mestre de Pema Chödrön no Brasil

O despertar da ternura e da compaixão - o caminho sagrado do guerreiro espiritual - faz parte dos ensinamentos de Sakyong Mipham Rimpoche, mestre atual de Pema Chödrön, que vai estar no Brasil no dia 15 de março. Sakyong chefia um dos maiores centros budistas da América do Norte, em Halifax, no Canadá. Mais detalhes sobre suas idéias podem ser obtidos no site shambhala-brasil e no livro Shambhala, a Trilha Sagrada do Guerreiro, de Chögyam Trungpa (ed. Cultrix).

Texto: Liane Camargo de Almeida Alves

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