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8.12.2009

CADEIA PRODUTIVA DE FÁRMACOS



As etapas de produção da cadeia dos fármacos podem ser sub-divididas em quatro estágios:
1º): P&D de novos princípios ativos (fármacos) - é a etapa mais cara do processo, com valores da ordem de dezenas de milhões de dólares e exige altos níveis de capacitação tecnológica;
2º): produção industrial de fármacos - requer certa capacitação tecnológica, especialmente de processo, mas exige gastos de desenvolvimento muito menores;
3º) produção de especialidades farmacêuticas (medicamentos) - definindo as apresentações dos princípios ativos e 4º) marketing e comercialização das especialidades.
O 1º estágio se concentra a P&D de maior relevância, empreendida em quatro fases:

fase química: isolar novas substâncias a partir de produtos naturais, síntese química ou processos biotecnológicos;

fase biológica: verifica o potencial terapêutico para submetê-la a testes farmacológicos, toxicológicos, bioquímicos e microbiológicos;

fase clínica: o novo fármaco é testado e se verifica sua eficácia e efeitos colaterais. Nesta fase (varia de 9 a 12 anos), em média são testadas 10.000 moléculas para originar um único medicamento tecnicamente viável; fase galênica: análise das características da substância em termos de composição, pureza, estabilidade ao longo do tempo, quando químicos e engenheiros constroem planta piloto com requisitos técnicos e de ordem econômica, como a minimização do custo.
Nos dois primeiros estágios está o núcleo do conhecimento tecno-científico de natureza químico-farmacêutica, concentrando a maior parte das dificuldades da produção de um medicamento. Os dois últimos estágios compreendem atividades estritamente farmacêuticas. O terceiro estágio, de produção de especialidades, lida essencialmente com processos físicos, não químicos e sua tecnologia é relativamente simples e difundida.

Um medicamento é uma substância composta de dois componentes: um•(ou mais) fármaco, chamado de princípio ativo ou base de medicamentos, responsável pelo efeito terapêutico desejado, e• aditivos, que são adicionados para alterar e complementar as propriedades e formas de administração, o estado físico-químico e a velocidade de absorção pelo organismo.
Às misturas entre os fármacos e os aditivos dá-se o nome de ‘formulação farmacêutica’ e cada produto final resultante de diferentes formulações (inclusive entre os mesmos fármacos e aditivos) é denominado ‘especialidade farmacêutica’ (EF), a qual pode reunir mais de um fármaco na sua composição (associação medicamentosa).
Um mesmo fármaco, utilizado na mesma concentração, ainda assim pode originar EF que não apresentam a mesma disponibilidade para o organismo (não sejam bioequivalentes), pois suas formulações podem ser distintas.
Esta característica tecnológica, decorrente das propriedades químicas dos princípios ativos e aditivos, constitui-se em um dos principais determinantes da dinâmica inovativa nesta indústria, uma vez que cria, ao mesmo tempo, inúmeras oportunidades e restrições ao processo de geração de novos produtos, bem como de geração de imitações.
As oportunidades surgem das inúmeras possibilidades de geração de novos produtos e na imitação de inovações, em maior ou menor grau de diferenciação tecnológica, a depender das novas propriedades e características que uma diferente formulação possa originar a partir de um mesmo fármaco.
As restrições advêm da possibilidade de proteção contra a imitação, mesmo que se conheçam os ‘ingredientes’ das formulações, pois o resultado/desempenho do fármaco pode ser alterado por fatores tecnológicos não explicitados em patentes, os quais permanecem como ativo intangível do inovador original.
A produção de imitações, conhecidas como medicamentos genéricos2, apresenta a mesma quantidade de princípio ativo, a mesma concentração, forma farmacêutica e via de administração do medicamento de referência, com o qual assegura sua intercambialidade, garantida através dos testes de bioequivalência3 e biodisponibilidade4.
Os testes de bioequivalência substituem os complexos e extremamente dispendiosos testes pré-clínicos e clínicos necessários e exigidos para que um novo medicamento (uma inovação original) tenha sua produção e comercialização autorizada pelas autoridades sanitárias de um país. No principal mercado do mundo, os Estados Unidos, as exigências da agência regulatória FDA (U.S. Food and Drug Administration), para aprovar um novo medicamento, sucedem-se em uma seqüência de etapas:

i) testes pré-clínicos, realizados em laboratório e com animais, com duração de três a seis anos;
ii) testes clínicos de fase I, realizados em grupos de 20 a 80 voluntários saudáveis, com duração de um a dois anos;
iii) testes clínicos de fase II, realizados com 100 a 300 pacientes voluntários, com duração de dois a três anos; e
iv) testes clínicos de fase III, realizados com 1.000 a 5.000 pacientes voluntários, com duração três a quatro anos. Após a fase III, o produto recebe a aprovação para comercialização e passa à fase IV
v) acompanhamento clínico na totalidade da população que irá consumir o medicamento. Essa fase dura de um a dois anos e só então o produto recebe a aprovação definitiva.
Percebe-se que, na melhor das hipóteses, a obtenção de um novo medicamento demora nove anos para chegar ao mercado mais um ano para obter aprovação definitiva pelo órgão regulador. Este intervalo pode alcançar quase duas décadas se houver maior complexidade tecnológica na nova descoberta, o que exige da empresa inovadora capacidade financeira para suportar anos seguidos de pesquisa sem obtenção de retornos comerciais.
Não surpreende que a tarefa de desenvolver as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) sejam quase exclusivamente empreendidas por grandes multinacionais, com presença de meio século (ou mais) nesta indústria.
Estes testes clínicos e pré-clínicos são partes integrante do estágio I (Pesquisa e Desenvolvimento) da evolução da indústria farmacêutica de um país, de acordo com a classificação elaborada, em 1987, pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
De acordo com esta classificação, os estágios seguintes são: produção de farmoquímicos (estágio II), produção de especialidades (estágio III), marketing e vendas (estágio IV). Países no desenvolvidos, como os EUA, possuem sua indústria química atuando nos quatro estágios evolutivos, enquanto países sem capacidades tecnológicas adequadas, podem situar sua indústria meramente no estágio final, importando as especialidades e apenas comercializando os produtos no mercado local.
Para que um país com uma indústria no estágio IV possa promover sua evolução até o estágio I, tornando-se capaz de gerar inovações, terá que superar barreiras extremamente elevadas, principalmente: a capacidade gerencial, organizacional, técnica e financeira para realizar atividades de P&D de novas moléculas; a proteção patentária; as regulações das agências governamentais (sanitárias, ambientais, trabalhistas, etc.) e a força do marketing, da distribuição e das marcas.
A estratégia imitativa, baseada na reprodução de produtos com patente vencida (genéricos), baseia-se na capacitação tecnológica para absorção e adaptação da tecnologia ‘original’ e na subseqüente eficiência produtiva para competição através de baixos preços, relativamente ao produtor original, e na eficiente distribuição e estratégia de vendas.

As barreiras enfrentadas pelos produtores de genéricos são principalmente:
i) o difícil acesso às tecnologias para produção de fármacos, pois não há grande interesse dos inovadores em difundir suas tecnologias; os equipamentos necessários aos processos produtivos são construídos sob encomenda, com tamanho e medida específicos para a escala produtiva planejada, com especificações técnicas conhecidas apenas pelas empresas que já passaram por processos de learning-by-using, como é o caso das líderes inovadoras.
ii) as elevadas capacidades tecnológicas necessárias para compreender o conhecimento tecnológico materializado nas patentes e para gerar o conhecimento tácito e as habilidades adicionais (intangíveis) sem os quais o simples acesso à patente torna-se insuficiente para a imitação dos processos de síntese química e a obtenção, em níveis eficientes, dos fármacos.
A dificuldade na reprodução dos processos químicos, apesar de sua aparente ‘disponibilidade’ nas patentes vencidas torna o tempo uma variável crítica para a estratégia imitativa, pois, a depender das capacidades tecnológicas desenvolvidas pelo produtor de genéricos, podem ser necessários de poucos meses a até alguns anos para reproduzir uma única patente. Acrescente-se a importância das economias de aprendizado, que permitem ao produtor original, pelo acúmulo de produção já realizado ao longo de anos, operar com custos de produção inferiores aos imitadores que iniciam sua produção.
Neste caso, o produtor de genérico necessita de uma adequada ‘engenharia financeira’ para suportar as reduzidas margens de lucro iniciais (ou mesmo os prejuízos) ou ser beneficiado por ação de políticas públicas, enquanto desloca-se ao longo das curvas de aprendizado (subsídios ou proteção temporária de mercado, por exemplo), pois, do contrário, pode ser eliminado do mercado antes de ter tido tempo para ‘aprender’ a produzir com baixos custos e tornar-se competitivo.
Os estágios III e IV da evolução farmacêutica não apresentam barreiras elevadas nos aspectos tecnológico e inovativo, pois os conhecimentos necessários são de fácil aprendizado e os componentes materializados da tecnologia (misturadores, lavadores, secadores, granuladores, máquinas para embalar, etc) podem ser adquiridos no mercado de máquinas e equipamentos. A maior exigência técnica está relacionada aos aspectos regulatório-institucional, devido às exigências dos órgãos reguladores para aprovação da produção de produtos farmacêuticos que atendam às normas de Boas Práticas de Fabricação (Good Manufacturing Practices).
As EF são comercializadas em diferentes formas e estados: pós, comprimidos, drágeas, cápsulas, líquidos orais, líquidos injetáveis, cremes, pomadas, adesivos. Sua comercialização também deve atender à classificação quanto às exigências sanitárias: os medicamentos ‘éticos’ são aqueles para os quais se exige a autorização (receita) e prescrição médica para seu consumo, enquanto os demais medicamentos possuem venda livre (conhecidos como OTC/over-the-counter).

As principais barreiras à entrada de novos produtores nestes estágios (III e IV) estão:
i) no elevado volume de capital (para operação em larga escala tanto na produção quanto na distribuição e comercialização);
ii) na disponibilidade de financiamento (em termos de prazos, garantias e condições);
iii) na fixação de marcas pelas grandes multinacionais.

POR: João Policarpo Rodrigues Lima

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