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4.12.2010
Novo Código de Ética: Dever do médico garantir 'morte digna'
FIM DOS GARRANCHOS NAS RECEITAS....
Cuidados paliativos são voltados a pacientes sem perspectiva de cura.
Código é válido para todo o país e entra em vigor na terça-feira (13).
Em cima da mesa de Maria Goretti Maciel está a história de alguns dos pacientes que passaram pela Enfermaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual. São dois cadernos em que médicos, enfermeiros e os próprios pacientes escrevem um pouco do que vivem entre os dez quartos daquele corredor. São quase dez anos de um serviço pioneiro em São Paulo que se reafirma com o novo Código de Ética Médica que passa a valer em todo o país a partir de terça-feira (13).
Quem diz que não tem mais nada o que fazer por algum paciente e manda ele voltar para casa é porque não conhece os cuidados paliativos"
Cuidados paliativos são um conjunto de técnicas médicas voltadas para pacientes com doenças graves, com o objetivo de diminuir o sofrimento físico, psicológico e espiritual. A atenção integral ao doente é o primeiro fundamento da prática que está diretamente ligada à ortotanásia e envolve médicos, enfermeiros, psicólogos e terapeutas ocupacionais.
Desde 2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza a ortotanásia - que diferentemente da eutanásia não prevê a interrupção da vida do paciente, mas estabelece uma série de preocupações, como a utilização dos cuidados paliativos, para garantir a morte digna. Ou seja, mesmo que a doença não tenha mais cura, o paciente continua a ser cuidado, ouvido, aliviado de sua dor e confortado.
Há vinte anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar que pacientes de câncer fossem tratados com os cuidados paliativos sempre que a doença não respondesse mais aos tratamentos que tentam a cura. Mas o Código de Ética Médica brasileiro não é alterado há mais tempo, desde 1988.
Agora, entre os 118 artigos que fixam os deveres dos médicos, ao lado de itens como os vetos à manipulação genética, à escolha do sexo do embrião e a qualquer tipo de relação comercial com empresas farmacêuticas, pela primeira vez os cuidados paliativos aparecem claramente.
O texto do novo código foi debatido durante mais de dois anos em audiências públicas promovidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A inclusão dos cuidados paliativos é resultado do trabalho da Câmara Técnica sobre Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos, da qual Maria Goretti fez parte.
O texto afirma que "é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal."
Recomendação
Apesar da OMS já recomendar o uso dos cuidados paliativos há bastante tempo, a prática só passou a ser mais difundida a partir de 2002 quando a organização refez a recomendação e estendeu o uso dos cuidados paliativos para todas as doenças que ameaçam a vida e não podem mais ser curadas.
Maria Goretti afirma que mesmo assim muitos médicos não fazem o que agora o Conselho Federal de Medicina estabelece como um dever ético dos profissionais e um direito do paciente. Ela diz que ainda hoje são comuns os casos em que os hospitais mandam pacientes de câncer para casa e dizem "não temos mais o que fazer". “Quem diz que não tem mais nada o que fazer por algum paciente e manda ele voltar para casa é porque não conhece os cuidados paliativos”.
Ela conta que saber a verdade sobre o diagnóstico é fundamental para o paciente. Para 50% dos que passam pela porta do ambulatório, a morte será o desfecho de uma luta que geralmente já se estendeu por meses e acabou com as forças dos doentes e seus familiares.
Mesmo assim, ser internado no local não significa um caminho sem volta. Para os outros 50%, o tempo de permanência no ambulatório é de uma semana. “Eles voltam para casa, mas voltam assistidos”.
Incrível, eles sempre trazem os travesseiros de casa"
Quando estão internados, os cuidados não se traduzem apenas nos rituais médicos e em comprimidos que aliviam a dor. Muitas vezes, dor maior é a incerteza do que virá.
Nesta hora vale tudo para dar o conforto espiritual que os pacientes procuram. No entanto, saber ouvir o que eles têm a dizer é a primeira lição que Maria Goretti ensina para suas alunas de residência – que passaram a procurar o ambulatório com maior frequência nos últimos anos.
A expectativa dos médicos é agora transformar os cuidados paliativos em especialidade médica, assim como a cardiologia ou a pediatria, por exemplo. A médica Amanda Baptista Aranha é uma das estagiárias que foram procurar no Hospital do Servidor Público Estadual a formação que lhe falta para concluir a residência em geriatria no Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Ela conta que o hospital, ligado à Unifesp, tem o serviço de cuidados paliativos, mas ainda não está estruturado da mesma forma que no Servidor Público Estadual. Maria Goretti explica que o diferencial do hospital é ter uma enfermaria inteira dedicada aos cuidados com pacientes com doenças em estágio avançado sem prognóstico de cura. No entanto, ela espera que com o novo código mais hospitais criem serviços similares.
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A expectativa dos médicos é agora transformar os cuidados paliativos em especialidade médica
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Na ala criada por ela, os estagiários passam cerca de dois meses com o acompanhamento de médicos preceptores, como nas outras residências médicas. No Servidor Público Estadual, esse trabalho fica sob a responsabilidade da médica Sara Krasilic.
Formada em 1983, Maria Goretti é uma pernambucana de riso fácil. O temperamento parece contrastar com a rotina que experimenta. Ao seu lado, é como se a morte não fosse ocorrência tão comum em sua vida.
Amparado por uma filha, ele vence o longo corredor da enfermaria com um guarda-chuva numa das mãos e o travesseiro embaixo do braço. “Incrível, eles sempre trazem os travesseiros de casa”, conta.
Avessa a qualquer tipo de crença ou “misticismo”, ela diz preferir encarar a morte como uma chance de dar dignidade ao fim dos pacientes. “Um doente morrer não significa que fracassamos com ele”.
Ela diz ser difícil saber quantos já assistiu nos últimos momentos, mas alguns são mais difíceis ainda de esquecer. Um dos pacientes mais novos que já foram tratados ali tinha 21 anos e um tumor de cérebro agressivo. “Ele tinha uma banda com o irmão e quando já estava em coma, a banda inteira veio e tocou para ele, baixinho é claro. Não sei se ele percebeu, mas foi como o irmão quis se despedir dele”, diz.
Em cima da mesa da médica, os dois livros revelam algumas dessas histórias. Mas só uma frase dita a Maria Goretti pela mulher de um paciente condensa todas: “Ela veio se despedir de mim e disse ‘nunca imaginei que morrer pudesse ser tão simples’.”
A relação médico-paciente é baseada na confiança, se isso é quebrado ofende a classe como um todo"
O novo Código de Ética Médica é resultado de mais de dois anos de trabalho do Conselho Federal de Medicina. Contou com a participação de representantes do Ministério Público Federal, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e entidades como as associações de pacientes.
De acordo com o presidente do CFM, Roberto Luiz d'Avila, a carta de princípios para os profissionais deve ser encarada como um "contrato social". "A relação médico-paciente é baseada na confiança, se isso é quebrado ofende a classe como um todo", afirma d'Avila.
O documento é dividido em princípios gerais, direitos e deveres dos médicos. São 118 deveres dos médicos, entre eles itens que colocam as obrigações éticas em compasso com o avanço da medicina, como a proibição da manipulação genética e a escolha do sexo do bebê durante o processo de reprodução assistida.
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O texto do novo código foi debatido durante mais de dois anos em audiências públicas
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Porém, o fato de estar claro no novo código não garante que essas práticas serão coibidas. Para isso, a participação da população é fundamental. "A sexagem (escolha do sexo do bebê) já era proibida por resolução do CFM, agora está mais claro. No entanto, quem denuncia?".
Outra proibição do novo código é a implantação de embriões supranumerários durante a reprodução assistida. Para aumentar a probabilidade de sucesso, há denúncias de que alguns médicos implantem mais do que quatro embriões a cada tentativa. "Há um consenso internacional que estabelece no máximo quatro embriões", diz d'Avila.
O resultado é que começaram a aparecer gestações de gêmeos e trigêmeos em excesso, resultantes de reprodução assistida.
D'Avila diz que espera ver o novo código popularizado não só entre os médicos, mas também entre os usuários dos sistemas público e privado. Para isso, afirma que o CFM não mede esforços para investigar e punir os médicos quando a falta ética é comprovada. "Entre 60 e 70 médicos que são julgados todos os meses pelo conselho, 50%deles são punidos".
Novo código de ética busca mudar relação médico-paciente no Brasil
‘Não há mais espaço para médico autoritário’, diz presidente de conselho.
Se paciente quiser ouvir 2ª opinião, profissional tem de colaborar.
O novo código de ética médica brasileiro entra em vigor nesta semana. Ele trata de muitos dos avanços da medicina. Mas, principalmente, tenta melhorar a relação médico-paciente.
Quem nunca se sentiu ignorado por um médico? Quantas mães já não sofreram a aflição de não achar um pediatra para o filho doente? Queixas, reclamações, frustrações. A imagem que os pacientes fazem da classe médica não anda muito boa. E os médicos sabem disso. Agora existe a promessa de que as coisas podem mudar.
Novo Código de Ética define como dever do médico garantir 'morte digna'
Pacientes morrem de ‘hierarquia’ nos hospitais dos EUA, critica médico
“Não existe mais espaço para médicos autoritários, prepotentes, arrogantes”, declara Roberto d’Ávila, presidente do Conselho Federal de Medicina.
O médico tem de ser absolutamente atencioso. Para examinar, para ouvir uma história, tem de ter tempo"
Vários artigos do novo código pretendem acabar com a pressa e a desatenção dos médicos. O código diz: " é vedado ao médico causar dano ao paciente por ação ou omissão."
“O médico tem de ser absolutamente atencioso, zeloso, diligente, ou seja, para examinar, para ouvir uma história, tem de ter tempo”, esclarece d'Ávila.
Fim dos garranchos
Agora, os médicos estão proibidos de fazer receitas ilegíveis. O que pouparia muita dor de cabeça, por exemplo, para a aposentada Margarida Rangel e sua neta. “Lá na farmácia, eles não souberam ler o nome do remédio que estava escrito”, ela conta. Ela percorreu dez farmácias em busca de alguém que entendesse os garranchos escritos na receita. E ninguém foi capaz de ler o que estava escrito. “Ninguém conseguia decifrar o remédio que era para comprar.”
Elas voltaram ao consultório para tentar resolver o enigma. E nem o próprio médico conseguiu entender o que estava escrito.
“O médico não tem justificativa para não escrever de maneira ilegível”, disse d'Ávila.
Estímulo à segunda opinião
Quando o filho tinha um mês, uma mãe contou ao Fantástico que ouviu de uma médica que seu filho tinha um doença nos rins incurável. “Ele ia ter que se tratar a vida toda, com medicamentos fortíssimos, poderia ter um retardo de crescimento”, disse Alessandra de Mello.
Ela procurou outro médico. O bebê tinha uma infecção, se tratou e ficou bom. Mas a primeira médica não ficou aliviada com a boa notícia. “Ela nos recebeu de uma forma grosseira, depois que ela soube que nós procuramos uma segunda opinião”, conta Alessandra.
A partir de agora, se o paciente quiser ouvir uma segunda opinião, o primeiro médico tem de colaborar. E não pode se opor a conversar e passar informações para o novo médico. E, se for preciso, colaborar também para a formação de uma junta médica para discutir o caso.
“Seria muito mais seguro para mim, para a saúde do meu filho, se eles tivessem conversado, chegado a um consenso. Foi muito difícil, a decisão ficou com a gente.”
Ausências
Mas a pior coisa na relação médico-paciente é quando ela simplesmente não existe, porque o médico faltou. “É indesculpável e inadmissível a ausência de um médico no plantão”, explica d'Ávila.
Faltar em plantão já era proibido. O que o código de ética traz de novidade nessa questão é estender a responsabilidade para a direção do hospital ou centro de saúde. Agora, está claro: na ausência de médico plantonista, a direção técnica do estabelecimento deve providenciar a substituição.
G1.com
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