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7.27.2010
Pipocas contra o câncer
O jornalismo científico moderno se divide em duas partes: aquela que enumera tudo que dá câncer e a que se encarrega de divulgar as mais recentes novidades na luta contra a doença maldita.
Pela minha contagem, de orelhada, as coisas que dão câncer ganham de 10 a 0 daquelas que o previnem. É preciso não esquecer também, como em todas as pesquisas, trajadas a rigor ou mero passeio, que há sempre um bom número de indecisos.
Um pequeno parêntese para os indecisos. Deles é o Reino dos Céus. Eles não sabem nada com certeza. Nada afirmam, de tudo desconfiam.
Esta é a maneira mais inteligente de se enfrentar este mundo manhoso que nos caiu no colo, ou em seu colo caímos nós.
Eu, como Hamlet, o melancólico príncipe dinamarquês, estou sempre indeciso. Só passei a cuidar, alimentar e incentivar minha indecisão depois dos 40 anos.
Perdi um tempo enorme - uma vida inteira, muitos diriam, e eu não discordaria - sendo decisivo. Era pão, pão, queijo, queijo. Pau, pedra, fim do caminho. Eu pisava nos astros atento. Atentíssimo, bem ao contrário da dama decantada pelo grande Orestes Barbosa. Comigo não tinha ovo. Escreveu não leu, o pau comeu. Assim pensava, embora poucas vezes tenha partido para a lenha.
Hoje, mais velho, sereno, os cabelos cor de prata (outra do repertório de Sílvio Caldas), sei que o importante na vida é a indecisão. Tudo conspira para me tornar cada vez mais indeciso. No que fecho o parêntese e volto às pesquisas.
Nesse ponto, não tenho dúvidas: sou mais que chegado a uma besteira. Um besteirol dos bons, como aquele bife a cavalo com fritas que se pediu no botequim e o garçom (é, o safado vai de "eme" mesmo) insiste em dizer que "está caprichando, freguês, está caprichando" (os maus garçons sempre dizem tudo duas vezes).
A pesquisa, qualquer pesquisa, é a primeira coisa que procuro no jornal que venho lendo no metrô. Pesquisa. Deve dar um tremendo de um ibope entre os ingleses. Todo dia tem uma nova. Como todo dia também eu tenho uma tremenda falta de assunto. Vou, pois, de lugar-comum (outra mania) e mato dois coelhos de uma só cajadada: satisfaço minha necessidade 'pesquisatória' e arrumo um assunto para escrever a respeito.
Sim, irmãos, a vida é dura. Além de indeciso é preciso ser (mais ou menos) honesto.
À mais recente pesquisa, então.
Está lá no jornal. Na coluna do Dr. Smith, que na revista de fim-de-semana do "The Guardian" responde a perguntas feitas a respeito de saúde.
Não sei se estão interessados, nem se escrevem em inglês ou se ele lê português, mas, se entre a distinta platéia presente houver alguém indeciso sobre qualquer coisa, em primeiro lugar, parabéns, e, em segundo lugar mandem um email para o ilustre doutor.
Na semana passada, um leitor que se recusou a dar o nome queria saber se era ou não verdade que as pipocas eram ótimas na batalha contra o câncer. Prosseguiu dizendo que lera um estudo feito pela American Chemical Society afirmando que sim, que a pipoca era mais uma arma contra a horrenda moléstia.
O missivista anônimo queria saber se deveria continuar incentivando os filhos a irem de pipoca. O Dr. Smith (será que é parente daquele figurinha difícil da série televisiva "Jornada nas Estrelas"?) respondeu com alguma indecisão (boa, doutor!).
Argumentou que era muito difícil extrapolar os resultados de experiências feitas com animais para os seres humanos. Levou algumas linhas preponderando sobre a questão e chegou com alguma decisão (Fiau! Fora!) a aconselhar todo mundo a não abusar da ingestão de pipoca. Nem ele, nem os filhos do leitor, nem ninguém. Sua palavra final, em resumo, era de que todo exagero dá em besteira.
Agora, o apetite por pesquisas e conselhos não me larga de jeito nenhum. Para esse, não há jeito, nem como prevenir ou remediar. Impávido, embora sempre indeciso, prossigo, vou em frente. E lendo e consumindo pipocas regadas a muita manteiga derretida.
IVAN LESSA
BBC BRASIL
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