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11.20.2010

Aids

Primeira geração que nasceu com HIV ainda convive com estigma 

Jovens que herdaram a doença dos pais chegam à idade adulta cheios de problemas de saúde e emocionais

The New York Times
Tom Cosgrove, que nasceu com HIV, durante conferência de grupo de apoio a portadores da doença, nos Estados Unidos Tom Cosgrove, que nasceu com HIV, durante conferência de grupo de apoio a portadores da doença, nos Estados Unidos (Tony Cenicola/The New York Times)
“Talvez meu tempo de vida não seja tão longo quanto o de uma pessoa normal. Eu nasci assim e é assim que as coisas são”, Davi Morales, 20 anos, portador do HIV desde que nasceu
"Me diziam que eu iria morrer desde que eu tinha 3 anos. Depois com 6, 8 e 10 anos”, conta Tom Cosgrove, sem alterar a voz. Atualmente com 20, ele é considerado a pessoa com HIV positivo que sobreviveu por mais tempo no estado de Rhode Island. Mas cada ano tem sido uma luta.
Quando ainda era pequeno e vivia em um abrigo para crianças infectadas pelo HIV, ele observou seus companheiros morrerem. Mais tarde, a aids matou sua mãe e um irmão recém-nascido. Aos 8 anos, seu corpo rejeitou a medicação e ele ficou temporariamente incapacitado de andar.
Tom ficou revoltado, chegando até mesmo a atacar sua professora com uma cadeira. Os colegas de classe, por medo da doença, se recusavam a apertar sua mão ou sentar com ele para almoçar. Os pais dos amigos proibiam os filhos de visitá-lo e ele não podia participar dos times de basquete ou das aulas de karatê.
Até hoje os medicamentos comprometem sua memória de curto prazo, tornando difícil os estudos e as perspectivas de trabalho."Nós chamamos as drogas de idiotas", diz Barbara Cosgrove, que adotou Tom quando ele tinha 3 anos. "Mas sempre digo ao Tom: é melhor ser um idiota vivo".
Destinados a morrer — Atualmente, a aids é uma doença controlável nos Estados Unidos para muitos casos, mas Tom Cosgrove e outros como ele são prova do legado problemático e persistente da epidemia. Nascidos no início da década de 90, eles sobreviveram à primeira grande onda de pessoas com aids, bebês que estavam praticamente destinados a morrer. Os avanços das drogas e um pouco de sorte permitiram que uma média de 10 mil crianças sobrevivesse. Hoje, apenas cerca de 200 crianças nascem com HIV por ano, graças ao tratamento vigilante com medicamentos para mulheres grávidas infectadas.
Entretanto, a vida dos primeiros bebês nascidos com HIV positivo, que agora são adolescentes e jovens adultos, não tem sido fácil. Suas experiências são consideradas tão significativas – não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo todo, onde há milhões de bebês soropositivos – que as agências de saúde iniciaram um amplo estudo para acompanhar estes jovens ao longo dos anos.
Alguns estão debilitados com a oscilação de sintomas que os primeiros medicamentos não conseguiram tratar. Outros apresentam atrasos de desenvolvimento e problemas relacionados à presença do vírus HIV na hora do nascimento. As medicações dadas a estes pacientes geralmente apresentam efeitos colaterais mais intensos do que aquelas tomadas por pessoas infectadas há menos tempo, pois as complicações da doença ou as drogas anteriores desenvolveram resistência, dificultando o tratamento.
Montanha russa emocional — Do ponto de vista emocional, eles hostilizam os pais que os infectaram, sentem pesar pelo sofrimento e morte dos mesmos e ansiedade para confiar aos outros um segredo que ainda provoca humilhação e medo.
Um problema sério está surgindo: alguns se rebelam ou buscam independência pulando ou abandonando a medicação, o que pode fazer com que o HIV saia do controle e se torne imune a terapias que antes eram eficazes.
“Ainda não acabou”, diz a Dra. Ellen Cooper, diretora médica do departamento de aids em crianças e adolescentes do Boston Medical Center, sobre manter esses jovens vivos e saudáveis. Apesar de não ter perdido nenhum paciente em cinco anos, ela afirma estar “esperando uma segunda onda” desses jovens que “morrem por não manterem a medicação” ou por causa de complicações decorrentes do tratamento.
Davi Morales é o tipo de jovem que preocupa os médicos. Ele tem deficiência cognitiva relacionada ao HIV e passou meses morando nas ruas depois que os tios que o criavam em um projeto habitacional em Providence, Rhode Island, tiveram que retornar a Porto Rico.
Davi, 20, perdeu o auxílio por invalidez porque o governo agora considera a maioria das pessoas infectadas pelo HIV capazes de trabalhar, segundo relata Scott Mitchel, orientador do centro de assistência “Aids Care Ocean State”, que conseguiu um apartamento para o jovem morar. Entretanto, Davi tem dificuldade de permanecer empregado, seguir regras ou trabalhar com agentes. “Eu não acho que neste momento ele tenha condições de trabalhar e se sustentar”, afirma Mitchel. Além disso, os cinco comprimidos que ele toma por dia lhe causam insônia e diarreia.
Hoje em dia, as pessoas que contraem o HIV por meio de sexo ou drogas podem tomar um comprimido facilmente tolerável, mas aquela geração de bebês que nasceu com HIV normalmente precisa de múltiplas doses, com efeitos colaterais irritantes, o que aumenta a probabilidade de abandono da medicação.
No desespero, os médicos às vezes preferem autorizar o cancelamento completo da medicação para aqueles que não levam a sério o tratamento.
Davi fala que deseja permanecer vivo, mas “talvez meu tempo de vida não seja tão longo quanto o de uma pessoa normal. Eu nasci assim e é assim que as coisas são”.
"Crianças leprosas" — De acordo com Rena Greifinger, que fundou o projeto “One Love Project” para ajudar os jovens soropositivos, as coisas ficam mais difíceis à medida que os bebês com HIV crescem e perdem os cuidados de programas e clínicas pediátricas. “Aos 18 anos, todo o apoio desaparece, além de alguns deles serem completamente rejeitados por suas famílias e considerados crianças leprosas”, diz ela.
Durante um retiro de uma semana na Universidade Babson, em Wellesley, Massachusetts, o “One Love” desenvolveu terapia com música, interpretação de papéis sobre a revelação de ser portador do HIV e discussões sobre sexo e filhos.
O encontro abriu os olhos de Sandy Perez, 18, de Canaan, New Hampshire. Sua mãe, infectada pelo uso de drogas, morreu quando Sandy tinha 7 anos. Segundo ela, algumas famílias adotivas a maltrataram. Em uma das casas, ela era mal alimentada e dormia trancada na lavanderia. Sandy conta que saía pela janela e retornava pela garagem da casa para pegar comida.
Apesar de agora viver com uma família amorosa e tomar sua medicação regularmente, ela ainda experimenta sintomas de magreza excessiva. A medicação causou diabetes e problemas no fígado e nos rins.
Sandy raramente revela ser portadora do HIV, nem mesmo para os namorados, embora sempre use preservativos. Mas ela disse que a reunião “me inspirou para ficar à vontade comigo mesma e admitir ser portadora do HIV, algo que agora posso compartilhar com as pessoas nas quais confio”.
Ela resolveu falar sobre a doença a seu namorado de dois anos, com o qual nunca teve relacionamento sexual. Incapaz de contatá-lo por telefone durante a conferência, ela enviou uma mensagem de texto: “Eu tenho HIV”. Ele respondeu: “Sério?” Ela respondeu: “Sim”. Sandy se sentiu aliviada: “Se ele não soubesse e fosse infectado, eu me sentiria responsável e culpada”.
Logo depois, o relacionamento acabou, mas ela disse que “ele não soube lidar com o problema. Ele se acalmou e nós conseguimos conversar, ele ficou feliz por eu ter lhe contado antes que fizéssemos algo”.
Rejeição — Quando a família Cosgrove adotou Tom, ele era uma criança nervosa e indisciplinada. Aos 5 anos, ficou ainda mais traumatizado quando viu sua mãe mudar de cor, perder o cabelo e morrer de aids. Então colocou o obituário dela em sua lembrança da primeira comunhão e “tinha pesadelos e terrores noturnos. Fiquei bravo porque achei que ela tinha me passado a doença de propósito”, conta ele.
Segundo Barbara Cosgrove, as pessoas têm pavor de adotar essas crianças. Ela adotou quatro outros “bebês rejeitados” e confessa ter sofrido abusos na infância e também ter sido rejeitada.
Todos os quatro, que chegaram sem terem feito testes de HIV, não eram portadores do vírus. “Eu realmente me senti sozinho”, diz Tom. Aos 9 anos, após a morte de um amigo com HIV, ele implorou para que eles adotassem alguém como ele.
A família então adotou Tyree, que tinha dois tipos de HIV, um de cada um dos pais, além de retardo no desenvolvimento. Durante anos, ele tomou a medicação por meio de uma sonda estomacal, pois caso contrário vomitava. Atualmente com 11 anos, Tyree usa aparelho ortopédico nas pernas e possui uma quantidade de vírus muito alta em seu sangue.
A adoção de Tyree não melhorou as coisas para Tom, e ele conta que ficou “fora de controle por anos”. Para domar o comportamento do menino, Barbara precisou “derrubá-lo no chão e dizer: ‘Você não vai falar desse jeito, não vai agir desse jeito’. Um dia eu o arrastei pelo tapete e a professora dele telefonou, então contei o que fiz e por quê.”
Aos 12 anos, Tom melhorou, mas ainda se irritava com as reações das pessoas. Barbara informou à escola sobre ele ser portador do HIV e organizou uma reunião com os pais. Apesar do apoio da escola, alguns pais e colegas de classe o evitavam. Tyree frequenta outra escola, cujo diretor a orientou a não fazer a revelação, pois os pais poderiam reagir mal. O treinador de futebol da escola lhe disse: “Nós não treinamos crianças assim”.
Tyree conta que se sente sozinho, pois nenhum de seus amigos o visita. Ele até já aprendeu a proteger os outros, dizendo: “Não faça sexo comigo”.
Mais maduro e consciente, Tom ainda considera sua vida complicada. A infecção foi suprimida pela medicação e ele resolveu ingressar em um programa de capacitação profissional. Porém, os efeitos colaterais dos remédios afetam a memória e seus namoros não duram muito tempo porque “as pessoas não querem sair com um portador desta doença”.
Mesmo assim, ele acredita que “se minha família adotiva pode me aceitar como sou, outras pessoas também podem fazer o mesmo”.

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