webmaster@boaspraticasfarmaceuticas.com.br

11.05.2010

Alta dos cancelamentos de registro de remédios é boa notícia, diz revista

Tendência indica que sistema de farmacovigilância está funcionando.
Reportagem da 14ª edição da revista “Unesp Ciência”. Clique aqui para ter acesso ao conteúdo completo da edição.

A farmacovigilância, trincheira pouco conhecida da vigilância sanitária, monitora os medicamentos após o início da comercializaçãoA farmacovigilância, trincheira pouco conhecida da vigilância sanitária, monitora os medicamentos após o início da comercialização (Foto: Agência Brasil)
Em 29 de setembro passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cancelou o registro do medicamento Avandia (rosiglitazona), indicado para o tratamento do diabetes tipo 2. Assim como havia ocorrido com os anti-inflamatórios Vioxx, Prexige e o inibidor de apetite sibutramina, a medida resultou de estudos que identificaram alto risco de problemas cardiovasculares.
Estudos clínicos pré-registro
não detectam as reações
adversas menos frequentes
A pergunta que fica é: por que esse risco só foi detectado agora, depois que milhões de pessoas no mundo já consumiram o remédio e – principalmente – depois dos estudos clínicos que permitiram seu registro nas agências regulatórias de diversos países? O que falhou para que o problema não tenha sido previsto?
Especialistas rebatem afirmando que esse tipo de medida, que deve se tornar cada vez mais comum nos próximos anos, não é um mau sinal, pelo contrário. Mais do que falhas no sistema regulatório, ele demonstra progressos significativos, em nível nacional e internacional, de uma pouco conhecida trincheira da vigilância sanitária, a farmacovigilância, que monitora os medicamentos após o início da comercialização. Ela é necessária porque os estudos clínicos pré-registro não detectam as reações adversas menos frequentes, por uma questão estatística.
Até o registro nós sabemos que o fármaco é eficaz e relativamente seguro. A fase 4 visa demonstrar sua efetividade, seu custo benefício em condições normais, quando a droga é usada por idosos, gestantes, diferentes etnias, pessoas com outras doenças e
que estão tomando outros medicamentos"
Patrícia Mastroianni, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp em Araraquara
“Na fase 1, a droga é testada em dezenas de voluntários sadios, que não são as pessoas que tomarão a droga, para se obter dados de mecanismo de ação, distribuição e excreção pelo organismo”, diz Patrícia Mastroianni, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp em Araraquara. Aí são detectadas as reações adversas mais comuns, que ocorrem na proporção de 1:1, de 1:10 e, com muita sorte, de 1:100.
Nas fases 2 e 3, o medicamento é testado em pacientes, mas dentro de uma população selecionada e bastante homogênea, pois diversas variáveis são controladas (sexo, idade, outras doenças, outras drogas), para que se possa mensurar o efeito com precisão estatística. Na fase 2 participam algumas centenas de pessoas e na 3, alguns milhares, distribuídas em vários continentes. “Na fase 3, podemos detectar reações adversas na proporção de 1:100, 1:1000 e eventualmente 1:10 mil”, afirma a pesquisadora.
A vida como ela é
Mas só na fase 4, depois que a autoridade sanitária do país concedeu registro de comercialização da droga ao fabricante, é possível verificar como o medicamento vai funcionar na “vida como ela é”, diz. “Até o registro nós sabemos que o fármaco é eficaz e relativamente seguro. A fase 4 visa demonstrar sua efetividade, seu custo benefício em condições normais, quando a droga é usada por idosos, gestantes, diferentes etnias, pessoas com outras doenças e que estão tomando outros medicamentos”, enumera Patrícia.
“É equivocado pensar que um medicamento novo é necessariamente melhor. Pode ser do ponto de vista da eficácia, mas sua segurança só é consagrada após cinco anos de comercialização”, complementa. Segundo ela, na fase 4 é possível detectar reações na proporção de até 1:100 mil e eventualmente ainda mais raras.
É equivocado pensar que
um medicamento novo é necessariamente melhor.
Pode ser do ponto de vista
da eficácia, mas sua segurança
só é consagrada após cinco
anos de comercialização"
Patrícia Mastroianni
O sistema nacional de vigilância sanitária da Anvisa coleta relatos de suspeitas de reações adversas provenientes de várias fontes, que embasam a agência a adotar medidas que vão desde alterações na bula e restrições de uso, até o eventual cancelamento do registro.
A farmacovigilância no Brasil teve início em 2001, quando o país virou membro de uma rede internacional criada em 1978 pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para monitorar os remédios no mercado. O marco que motivou sua criação foi a tragédia da talidomida nos anos 1960 e 1970 (quando milhares de bebês nasceram com má-formação nos membros).
A obrigação dos 101 países-membros é coletar relatos de reação adversa e outros tipos de problemas técnicos em medicamentos e produtos de saúde em geral, tomar medidas nacionais de segurança toda vez que surgir um alerta, além de alimentar o banco de dados mundial mantido pela OMS na Universidade de Uppsala, na Suécia, que por sua vez gera alertas internacionais. Com mais de 3 milhões de notificações, o banco permite fazer análises refinadas e detectar ocorrências impossíveis para cada país individualmente.
A farmacovigilância no Brasil
teve início em 2001, quando o
país virou membro de uma rede internacional criada em 1978
Em 2009, o sistema de farmacovigilância brasileiro enviou a Uppsala 5,5 reações adversas graves para cada 1 milhão de habitantes. É pouco, porque a subnotificação no país é alta, mas é quase o dobro do ano anterior. “Ainda estamos ampliando nossas ações e nosso banco de dados”, diz Murilo Freitas Dias, gerente da área de farmacovigilância da Anvisa.
Segundo ele, cerca de 30% desses dados vêm dos laboratórios farmacêuticos – obrigados, pela legislação, a manter um sistema interno de farmacovigilância e a relatar qualquer suspeita relatada por médicos ou pacientes à empresa. Outros 10% dos dados vêm de cerca de 3.000 farmácias notificadoras credenciadas, cujos profissionais foram treinados para relatar suspeitas de efeitos adversos.
Sentinela hospitalar
É dos chamados hospitais sentinela, porém, que vem a maioria dos registros da agência – 55%. “A Anvisa investiu na capacitação e treinamento de pessoas escolhidas a dedo nesses lugares, que fazem uma busca ativa de reações adversas, além da sensibilização dos profissionais de saúde para a importância da notificação”, diz Patrícia.
Monitorar efeitos adversos nos pacientes internados é muito mais fácil. E é nos hospitais que as reações mais graves costumam chegar. Um estudo da pesquisadora realizado no Hospital das Clínicas da USP em Ribeirão Preto indicou que até 9% das internações de emergência são causadas por reações adversas a medicamentos.
O HC da Faculdade de Medicina na Unesp em Botucatu participa da rede de 270 hospitais sentinela desde 2003. Segundo sua gerente de risco, a enfermeira Silvana Andréa Molina Lima, de 2003 a 2009, o número de notificações enviadas a Brasília saltou de 74 para 388.
Apesar desse crescimento, notado em todo o sistema na última década, a farmacovigilância nacional ainda tem muito que melhorar. “Precisamos ampliar nossa ‘escuta’ por meio da expansão da rede sentinela e das farmácias notificadoras”, afirma Maria Eugênia Carvalhaes Cury, chefe do sistema nacional de notificação e investigação em vigilância sanitária da Anvisa.
As farmácias são consideradas a perna frágil do sistema. “Ainda são mais estabelecimentos comerciais do que de assistência farmacêutica”, queixa-se Patrícia. “E não é uma situação controlada. Lá não se tem o prontuário do paciente, muitas vezes nem se sabe direito o que ele tomou.”
Mudar essa cultura (que inclui a automedicação) só vai acontecer no médio e longo prazo, admite a pesquisadora. E há muitos desafios pela frente. Um levantamento de 2009 feito pelo Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, do qual ela participou, mostra que a farmacovigilância está ausente no currículo de 80% das faculdades de farmácia do Estado.

Copyright: Unesp Ciência
“Unesp Ciência” é uma publicação da Universidade Estadual Paulista que traz reportagens sobre os grandes temas da ciência mundial e nacional e sobre as pesquisas mais relevantes que estão sendo realizadas na instituição, em todas as áreas do conhecimento. Leia reportagens anteriores publicadas pelo G1:
Artigo da ‘Unesp Ciência’ aponta falhas do projeto de Código Florestal
Antártida é 'desnudada' pelo calor e porções de solo agora estão expostas
Isolamento traz riscos a plantas remanescentes da Mata Atlântica
Equipe busca veado-campeiro em SP temendo que animal já esteja extinto
Asma, rinite e dermatite podem ser a mesma doença, indicam estudos
Textos da Inquisição revelam origens de sexualidade liberal dos brasileiros
Unesp tenta criar versão nacional de piso que gera eletricidade
Contaminantes na água comprometem reprodução de várias espécies
Arraias invadem rios de São Paulo via lago de Itaipu e ferem pescadores
Produção de etanol de cana-de-açúcar pode afetar ecossistemas regionais
Corte de emissões de gás-estufa no agronegócio é novo desafio brasileiro
Genoma e impacto do ambiente abrem novos rumos para teoria da evolução
Exploração de petróleo no pré-sal traz dilemas na era da crise climática
Brasileiros pesquisam droga com potencial para tratar Aids e tumores

Nenhum comentário:

Postar um comentário