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11.25.2010

O poder das palavras


Carregadas de significados variados e proferidas em tons distintos, elas têm potencial tanto para prejudicar a saúde emocional como para curar distúrbios da mente

“O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras.” O trecho extraído do Sermão da Sexagésima, de Padre Antonio Vieira (1608- 1697), embora desprovido da retórica impactante com que o pregador defendia causas sociais e religiosas no século 17, ilustra com destreza o impacto da comunicação verbal nas emoções humanas. “O conteúdo de uma linguagem, aliado ao seu ritmo e entonação, ativa áreas do cérebro como o córtex pré-frontal, responsável pela cognição e pela memória, e o sistema límbico, no hipotálamo, onde se processam os sentimentos”, traduz, em outras palavras, o psiquiatra Vladimir Bernik, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.


A partir desse estímulo na massa cinzenta, ocorre uma série de reações pelo corpo, como a liberação de hormônios do estresse pela glândula suprarrenal — o cortisol e a adrenalina —, ou, ao contrário, de substâncias como as chamadas endorfinas, que, no cérebro, induzem uma sensação de relaxamento e bem-estar. “De acordo como é empregada, a palavra pode promover tanto uma ação terapêutica como desencadear sentimentos de angústia e a depressão”, complementa o especialista em medicina comportamental Ricardo Monezi, da Universidade Federal de São Paulo.

Pesquisadores dos quatro cantos do planeta buscam compreender os meandros desse fenômeno. No Instituto Max Planck de Cognição e Neurociências, em Leipzig, na Alemanha, a pesquisadora Annet Schirmer convidou participantes a ouvir palavras positivas ou negativas, pronunciadas em tom alegre ou agressivo. Em seguida, eles deveriam registrar suas impressões. “Quando pensamos no significado das palavras, homens e mulheres reagem de um jeito parecido. Mas é notório que elas apresentam uma percepção mais aguçada da cadência emotiva dos sons”, revela Annet a SAÚDE!. Ou seja, o tom do discurso é mais importante para as mulheres.

“A vivência social, cultural e familiar influencia na maneira como as palavras nos impactam”, observa o psicólogo Esdras Vasconcellos, da Universidade de São Paulo. Um estudo desenvolvido na Universidade de Hiroshima, no Japão, corrobora essa teoria. Depois de examinar 15 mulheres por meio de ressonância magnética, os cientistas concluíram o seguinte: aquelas com maus hábitos alimentares são mais afetadas emocionalmente por comentários desagradáveis relacionados à sua imagem corporal. O psicólogo Ingmar Franken, da Erasmus University Rotterdan, na Holanda, que também vem se dedicando a análises sobre o assunto, resume a SAÚDE! suas observações: “A conotação afetiva das palavras é processada pelo cérebro de modo imediato e automático”, diz. “A interpretação desses conteúdos é necessária à sobrevivência de nossa espécie, já que nos permite distinguir algo benéfico e agradável de uma ameaça ou perigo, possibilitando que nosso corpo se prepare para nos defender adequadamente.”

O poder curativo da palavra ganha sua maior expressão no campo da psicoterapia. “Ela é empregada para acessar repertórios conscientes e inconscientes e auxiliar na mudança de conceitos emocionais que causem malestar”, afirma Vladimir Bernik. “Uma das estratégias é expor o indivíduo gradualmente aos seus medos e inibições para, aos poucos, neutralizá-los”, explica Esdras Vasconcellos. O método é colocado em prática por meio de diálogos ou até de meditação, quando a pessoa é orientada a se concentrar e repetir palavras como “coragem” para superar sentimentos antagônicos. “Há também a hipnose, em que dispomos de uma entonação rítmica, monótona e persistente para induzir o relaxamento e trazer à tona informações inconscientes”, conta Bernik.

Outros preceitos da psicologia são úteis mesmo longe do divã, nas interações do dia a dia. Um deles é o eufemismo. “Trata-se da utilização de palavras com conotação suave, que não provoquem estresse no outro, especialmente em momentos de fragilidade”, esclarece Ricardo Monezi. “Se uma pessoa perdeu um parente querido, o ideal é evitar termos mais pesados, como morte.” A capacidade dos neurônios humanos de reproduzir comportamentos e estabelecer empatia é outro aspecto valioso a ser explorado. “Falar calmamente, de forma pausada, escolhendo frases acolhedoras, gera uma sensação de conforto e aplaca ansiedade, nervosismo e aflições mútuas, já que o interlocutor tende a imitar o comportamento do emissor e vice-versa”, garante Monezi.

Para exercer diferentes papéis na sociedade — o de profissional ou de amigo —, a adequação da linguagem também é fundamental. “Não pega bem, por exemplo, um advogado utilizar termos jurídicos, o tempo inteiro, em um evento descontraído com os amigos”, ensina o linguista Sérgio Freire, da Universidade Federal do Amazonas. “Discursos inapropriados levam à alienação, ao isolamento social, o que pode culminar em depressão”, avisa.

Finalmente, nesse mar de significados, é necessário aprendermos a nos blindar contra o efeito negativo das palavras. Sempre raciocine sobre o que escuta, analisando o contexto do discurso e a motivação de quem o profere. “O ideal é filtrar somente as informações que acrescentem algo positivo, sejam críticas, elogios ou conselhos, e abstrair conteúdos pejorativos, preconceituosos ou maliciosos”

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