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12.30.2010

O povo como protagonista

Sempre espectadores da História, os brasileiros passam a ter um papel definidor para o futuro da nação

Luiza Villaméa/ Foto Ricardo Stuckert - PR
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RAÍZES
Lula procurou não se afastar das origens.
A mobilidade social se tornou uma marca
 
Luiz Inácio Lula da Silva jamais negou a origem humilde. Ao contrário, sempre procurou ressaltá-la. No poder, mais do que qualquer outro líder político brasileiro, ele governou de olho no povo, sempre buscando uma interlocução direta com seu eleitor. Único operário a subir a rampa do Palácio do Planalto na condição de presidente da República, começou o primeiro mandato com a promessa de garantir três refeições por dia a cada brasileiro. Em janeiro de 2003, diante de um horizonte de dúvidas e incertezas, ele avisou que primeiro faria o necessário, para depois fazer o que fosse possível. Oito anos depois, o País contabiliza o maior processo de mobilidade social de sua trajetória. Ao contingente de 20,5 milhões que deixou a linha da miséria soma-se a massa cuja ascensão social acabou popularizando uma expressão emblemática – a nova classe média. Ao deixar o terreno da desesperança, levantar sua autoestima e mostrar a cara nos mais diferentes cenários, essa parcela da população se tornou protagonista da própria história. Poucos dias antes de deixar o Planalto consagrado por um índice de aprovação pessoal de 87%, Lula, uma vez mais, tratou de definir o que entende como maior conquista: “Este povo, que passou a comer melhor, a ter acesso ao emprego e à dignidade, não se contentará mais com o prato raso da cidadania servido durante séculos neste país.”

A mobilidade na pirâmide social tem como sustentáculo uma série de indicadores econômicos positivos e faz parte de um processo de décadas, como lembra o sociólogo Otávio Soares Dulci, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. “No Brasil, a mudança na estratificação social vinha ocorrendo gradualmente desde o período Getúlio Vargas”, afirma Dulci, referindo-se ao presidente conhecido como “pai dos pobres” que, entre outras conquistas sociais, consolidou os direitos trabalhistas no País. Só que, enquanto as políticas do período Vargas beneficiaram sobretudo a população urbana, Lula atingiu também os grotões e parte dos excluídos do mercado de trabalho. Além disso, há uma grande diferença de ritmo, volume e impacto na sociedade. “O processo, que era gradual, se acelerou de forma intensa nos últimos anos, com repercussões na cidadania”, compara Dulci. “À medida que se emancipam de suas privações, as pessoas ficam mais propensas a atuar na sociedade.” Associado ao fortalecimento da cidadania, o círculo virtuoso da economia funciona como propagador de uma sensação positiva pelo Brasil. Até mesmo a projeção internacional alcançada pelo País ajuda a aumentar o sentimento de brasilidade.
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PRIMEIROS PASSOS
Conquistas do governo Getúlio Vargas
beneficiaram sobretudo os setores urbanos
 

Prosperidade incentiva a brasilidade
O Brasil já viveu outras fases de prosperidade que resultaram no aumento de sensação similar. No final da década de 1950, o fenômeno ocorreu em razão da política desenvolvimentista implementada pelo governo Juscelino Kubitschek (1956-1961). Vinte anos depois, foi a vez do chamado milagre econômico. Durante o governo Ernesto Geisel (1974-1979), havia uma recessão mundial por causa do segundo choque do petróleo, mas o governo usou a abundância de capital externo, os petrodólares, para financiar grandes investimentos. Não por acaso, Geisel costumava dizer que “o Brasil era uma ilha de prosperidade num mar turbulento”. Embora significativos, os dois períodos pouco afetaram a composição da pirâmide social brasileira. Tampouco mexeram em sua base, como aconteceu durante o governo Lula, com o inusitado movimento de pessoas cruzando a linha da miséria. Se a pobreza não tivesse caído 45,5% desde 2003, o Brasil abrigaria neste momento 50 milhões de miseráveis.

Identidade nacional em formação

Ainda há muito o que fazer, mas a guinada essencial para a mudança de rumo foi dada. Não é pouca coisa. Há menos de 200 anos, quando o Brasil nasceu como nação independente, não havia sequer a ideia de povo brasileiro. “Não tinha esse sentimento de identidade nacional”, lembra Laurentino Gomes, que tratou do tema em sua mais recente obra, “1822”. Logo após proclamar a independência, don Pedro I teve que montar às pressas umas forças armadas que defendessem o País da reação portuguesa e aplacassem os movimentos separatistas regionais que ameaçavam fragmentar o Brasil. Diante da escassez de braços e mentes nacionais, o imperador precisou contratar mercenários estrangeiros.

Naquela época, 90% da população era analfabeta. A elite, formada por senhores de engenho e pecuaristas, tinha muito a perder com o rompimento com Portugal. Além do risco de uma guerra civil entre as províncias, havia a ameaça de explosão de conflitos étnicos, como acontecera pouco antes na ilha de São Domingo, no Caribe. “O que existe no Brasil em 1822 é um passivo de muita pobreza, de muita ignorância, herdado do período colonial”, recorda Gomes. “A noção de povo brasileiro surge muito depois da Independência, com a integração nacional, com a Abolição da Escravatura.”
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TRADIÇÃO
Não havia a noção de povo brasileiro
quando Dom Pedro I  proclamou a Independência

A ausência de uma identidade nacional era tão evidente que em 1838, quando foi criado, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tinha como meta dar uma “origem comum” às várias partes do País. E, como observa a historiadora Mary Del Priore, a tentativa de unificação não era uma exclusividade nacional, já que boa parte dos países europeus também passava pelo mesmo processo. “O Romantismo ajudou”, ressalta a historiadora. “Misturando arqueologia com poesia, linguística com romances de folhetim, pintura com ópera, o movimento buscava explicar como o Brasil se tornou brasileiro.” Mary lembra ainda que há entre os historiadores aqueles que defendem que o objetivo só foi alcançado nos anos 1970, graças à televisão, às novelas e ao “Jornal Nacional”, formas contemporâneas de integração da brasilidade.

Tudo indica que o trabalho de construção da identidade nacional e de desfrute de suas potencialidades ainda não terminou. O detalhe fundamental é que o País está no momento ideal para zerar o passivo secular. Em 2000, o Brasil começou a viver o chamado bônus demográfico, uma situação singular na história de um país, durante a qual a população economicamente ativa é maior do que a inativa. “É o momento de dar o pulo do gato”, afirma o cientista político Aldo Fornazieri, diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Com a população altamente produtiva, o Brasil tem tudo para investir em capacitação, em pesquisa, em infraestrutura e resolver seus problemas.” De acordo com o cientista político, o ano ótimo será 2025. Depois, a partir de 2030, com o envelhecimento da população, os benefícios do bônus demográfico começam a declinar. Chegou, portanto, a vez do povo brasileiro. Agora é uma questão de não deixar passar a oportunidade.
 
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