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4.17.2011

A doença chamada homem - Leonardo BOF



















A doença chamada homem
Esta frase é de F. Nietzsche e quer dizer: o ser humano é um ser paradoxal, são
e doente: nele vivem o santo e o assassino. Bioantropólogos, cosmólogos e outros
afirmam: o ser humano é, ao mesmo tempo, sapiente e demente, anjo e demônio,
dia-bólico e sim-bólico. Freud dirá que nele vigoram dois instintos básicos: um
de vida que ama e enriquece a vida e outro de morte que busca a destruição e
deseja matar. Importa enfatizar: nele coexistem simultaneamente as duas forças.
Por isso, nossa existência não é simples mas complexa e  dramática. Ora
predomina a vontade de viver e então tudo irradia e cresce. Noutro momento,
ganha a partida a vontade de matar e então irrompem violências e crimes como
aquele que ocorreu recentemente.


Podemos superar esta dilaceração no humano? Foi a pergunta que A. Einstein
colocou numa carta de 30 de julho de 1932 a S. Freud:”Existe a possibilidade de
dirigir a evolução psíquica a ponto de tornar os seres humanos mais capazes de
resistir à psicose do ódio e da destruição”? Freud respondeu
realisticamente:”Não existe a esperança de suprimir de modo direto a
agressividade humana. O que podemos é percorrer vias indiretas, reforçando o
princípio de vida (Eros) contra o princípio de morte(Thanatos). E termina com
uma frase resignada:”esfaimados pensamos no moinho que tão lentamente mói que
poderemos morrer de fome antes de receber a farinha”. Será este o nosso destino?

Por que escrevo isso tudo? É em razão do tresloucado que no dia 5 abril numa
escola de um bairro do Rio de Janeiro matou à bala 12 inocentes estudantes entre
13-15 anos e deixou 12 feridos. Já se fizeram um sem número de análises, foram
sugeridas inúmeras medidas como a da  restrição da venda de armas, de montar
esquemas de segurança policial em cada escola e outras. Tudo isso tem seu
sentido. Mas não se vai ao fundo da questão. A dimensão assassina, sejamos
concretos e humildes, habita em cada um de nós. Temos instintos de agredir e de
matar. É da condição humana, pouco importam as interpretações que lhe dermos. A
sublimação e a negação desta anti-realidade não nos ajuda. Importa assumi-la e
buscar formas de mantê-la sob controle e impedir que inunde a consciência,
recalque o instinto de vida e assuma as rédeas da situação. Freud bem sugeria:
tudo o que faz criar laços emotivos entre os seres humanos, tudo o que civiliza,
 toda a educação, toda arte e toda competição pelo melhor, trabalha contra a
agressão e a morte.

O crime perpretado na escola é horripilante. Nós cristãos conhecemos a matança
dos inocentes ordenada por Herodes. De medo que Jesus, recém-nascido, mais tarde
iria lhe arrebatar o poder, mandou matar todas as crianças nas redondezas de
Belém. E os textos sagrados trazem expressões das mais comovedoras:”Em Ramá se
ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não quer ser
consolada porque os perdeu”(Mt 2,18). Algo pareceido ocorreu com os familiares
das vítimas.

Esse fato criminoso não está isolado de nossa sociedade. Esta não tem violência.
Pior. Está montada sobre estruturas permanentes de violênca. Aqui mais valem os
privilégios que os direitos. Marcio Pochmann em seu Atlas Social do Brasil nos
traz dados estarrecedores: 1% da população (cerca de 5 mil famílias) controlam
48% do PIB e 1% dos grandes proprietários detém 46% de todas as terras. Pode-se
construir uma sociedade de paz sobre semelhante violência social? Estes são
aqueles que abominam falar de reforma agrária e de modificações no Código
Florestal. Mais valem seus privilégios que os direitos da vida.

O fato é que em pessoas pertubadas psicologicamente, a dimensão de morte, por
mil razões subjacentes, pode aflorar e dominar a personalidade. Não perde a
razão. Usa-a a serviço de uma emoção distorcida. O fato mais trágico, estudado
minuciosamente por Erich Fromm (Anatomia da destrutividade humana, 1975) foi o
de Adolf Hittler. Desde jovem foi tomado pelo instinto de morte. No final da
guerra, ao constatar a derrota, pede ao povo que destrua tudo, envene as águas,
queime os solos,  liquide os animais, derrube os monumentos, se mate como raça e
destrua o mundo. Efetivamente ele se matou e todo os seus  seguidores próximos.
Era o império do princípio de morte.

Cabe a Deus julgar a subjetividade do assassino da escola de estudantes. A nós
cabe condenar o que é objetivo, o crime de gravíssima perversidade e saber
localizá-lo no âmbito da condição humana. E usar todas as estratégias positivas
para enfrentar o Trabalho do Negativo e compeender os mecanismos que nos podem
subjugar. Não conheço outra estratégia melhor que buscar uma sociedade justa, na
qual o direito, o respeito, a cooperação e a educacção e saúde para todos sejam
garantidos. E o método nos foi apontado por Francisco de Assis em sua famosa
oração: levar amor onde reinar o ódio, o perdão onde houver ofensa, a esperança
onde grassar o desespero e a luz onde dominar as trevas. A vida cura a vida e o
amor supera em nós o ódio que mata.


Contribuição
--Sonia Maria Coutinho Orquiza
Médica de Família e Comunidade
Londrina PR


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