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4.06.2011

"OU DÁ OU DESCE...".

A beleza é boa, mas às vezes cobra um preço
Beleza é uma espécie de patrimônio. Tem gente que nasce com dinheiro, outros têm uma família bacana, alguns são excepcionalmente inteligentes ou carismáticos. Todos usam seus atributos em benefício próprio. Há pessoas que nascem com um rosto e um corpo bonitos – e elas também utilizam essa vantagem ao longo da vida, embora circule por aí a ideia difícil de sustentar de que a aparência é uma herança menos digna do que as demais e que beneficiar-se dela seria de alguma forma antiético.

Desde a antiguidade a beleza abre portas, cria boa vontade, atrai atenção e simpatia. Gente bonita, quando tem uma personalidade agradável, tende a ter a vida mais fácil. Se você duvida da influência da beleza, faça o teste de memória que eu fiz meia hora atrás: tente se lembrar das pessoas bonitas que você já viu pedindo no farol. Eu me lembrei de duas ou três. Mas elas não estavam mais lá no dia seguinte. Uma alma caridosa havia passado. A beleza é uma força social tão poderosa que parece capaz de impedir as pessoas de ficar na miséria – ao menos enquanto são bonitas. Depois, são outros quinhentos.

Antes que se imagine que eu estou falando apenas de mulheres, aviso que não é o caso. Homens bonitos também levam vantagem, de uma maneira que nem sempre é óbvia: a beleza provoca empatia e bem-estar. Ela funciona na hora da entrevista de emprego. Ajuda a vender carros importados ou apartamentos caros. Produz vontade de agradar nos porteiros e até certa condescendência da polícia. É muito humano imaginar que a nobreza está associada à boa aparência – enquanto a baixeza teria traços grosseiros. Não é isso que nos ensinam os contos de fadas e os filmes românticos?

Ontem eu perguntei a uma amiga jovem e bonita (que é também talentosa e determinada) se a beleza de alguma forma a tem atrapalhado. A resposta veio sem hesitação: ajuda muito mais do que atrapalha. Ela diz que já lidou com chefes babões, mas garante que nunca foi prejudicada no trabalho, pelo contrário.

Durante a conversa, me lembrei de uma conhecida – linda como o quê – que magnetizava as atenções do principal executivo da companhia dela. O sujeito facilitou a carreira da moça, que era bastante competente, sem pedir nada em troca. Isso existe. Nem todo mundo está querendo receber em espécie. O prazer de ajudar uma mulher bonita pode ser recompensa suficiente, embora algumas vezes não seja.

Com isso termina a introdução e começa o que eu realmente queria comentar: o que acontece quando as mulheres bonitas se deparam com chefes ou patrões que tentam cobrar em sexo por permitir que elas trabalhem.

Eu já vi isso acontecer algumas vezes.

Lembro do sujeito que teve de ir ao escritório onde a filha trabalhava para conversar com o patrão dela. O próprio patrão assediava e a moça, que era linda. Ela precisava do emprego e não podia pedir demissão. Quando a situação ficou intolerável, o pai foi lá. Fingiu-se de bobo e perguntou ao patrão quem poderia estar atormentando a garota. Disse que queria dar queixa à polícia, resolver o caso da maneira que fosse, mas, por medo de perder a vaga, a filha se recusava a dizer o nome do sujeito. “O senhor poderia me ajudar a descobrir quem é esse desgraçado?”, ele perguntou. Essa farsa preservou o emprego da moça e fez com que o patrão, constrangido, parasse de incomodá-la.

Às vezes as mulheres perdem oportunidades e são prejudicadas por causa desse tipo de canalhice.

Uma moça que eu conheço estava desempregada e começou a fazer pequenos trabalhos para um escritório de arquitetura. O dinheiro era pouco, mas vital para ela, que trabalhava bem e recebia elogios entusiasmados do dono do negócio. Até o dia em que o sujeito, casado, veio com a conversa de “relação em crise” e a convidou para sair. Quando ela disse não, tudo mudou. Os elogios terminaram, os pedidos de trabalham cessaram e até o pagamento que ela tinha a receber demorou a sair.

Um último exemplo:

Tenho um amigo que, tempos atrás, se sentiu obrigado a chamar para uma conversa o chefe da bela namorada dele, que se queixava de assédio sistemático. Revelou-se que o Don Juan não era um sociopata. Ele se desculpou pela situação, disse que não voltaria a acontecer, mas, se bem me lembro, deu um jeito de dizer que a atitude dela, de alguma forma, havia dado margem àquela confusão. É um clássico, não? O sujeito pratica abuso de poder, insiste a ponto de fazer a mulher sentir vergonha de ir ao trabalho e depois alega que, bem, ela parecia estar gostando...

As vítimas desse tipo de “confusão” quase sempre são mulheres tímidas e atraentes. Esses sedutores oportunistas não se metem com quem sabe se defender. Mas para isso existem a civilização e as leis, não? Para proteger as pessoas que não conseguem lidar sozinhas com malfeitores.

O que eu queria dizer, enfim, é que a beleza, essencialmente boa na vida das pessoas, às vezes pode conduzir a armadilhas. Não se sabe o que há por trás de uma porta aberta pela beleza. Pode haver uma chance real de mostrar talento, competência e dedicação. Ou pode estar apenas um convite para transar. Ou pior, uma exigência.

Na Penha, quando eu era garoto, os babacas de carro se gabavam de dizer para as meninas pobres: ou dá, ou desce. O que faz uma garota que está num lugar deserto, longe de casa, tarde da noite, chantageada por um estranho? Eu não sei. Mas acho que às vezes a vida das mulheres bonitas pode parecer o interior de um Maverick parado numa esquina escura da periferia. Um lugar que amedronta, envergonha e parece não ter saída.
IVAN MARTINS

REVISTA  ÉPOCA

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