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8.27.2011

Bomba Relógio: Anabolizantes


A promessa de resultados rápidos vem estimulando no Brasil o consumo de anabolizantes. Mas, por trás dos benefícios aparentes, essas substâncias escondem riscos que podem detonar seu corpo. E até matar.
Por: Tarso Araújo e Infográfico Cassio Bittencourt

A CONVERSA ACONTECEU NA SALA DE MUSCULAÇÃO DE UMA ACADEMIA EM SÃO PAULO. Faltavam três semanas para o Carnaval e o aluno dizia ao professor que queria tomar logo. "Eu não cresço!", protestava. Tinha pouco mais de 20 anos e não era pequeno. O peso que puxava na rosca direta tinha 18 quilos. O professor tentava convencê-lo a não começar naquele momento, porque o jovem avisava que beberia muita cerveja no Carnaval. "Nem pensar. Se você for tomar não pode beber álcool", explicava. O aluno retrucou com uma pergunta: "Mas de que adianta chegar lá no meio das meninas todo grandão e não poder beber?". A pergunta fi cou sem resposta do professor, que precisou atender uma aluna com dificuldades na série.
A palavra não foi dita nenhuma vez, mas não era preciso muita imaginação para saber que o "tomar" se referia ao consumo de anabolizantes. Afinal, que outra coisa poderia ser usada para ficar "grandão" em apenas três semanas? As "bombas", como se diz popularmente, são versões sintéticas dos hormônios esteróides anabólico- androgênicos, criadas com finalidades médicas específicas, que fazem artificialmente o que os hormônios masculinos fazem de maneira natural e fisiológica em nosso corpo: aumentam a síntese protéica, a oxigenação e a produção de energia. O efeito global é um aumento na capacidade e na velocidade do organismo de produzir músculos, que atrai uma legião de pessoas saudáveis, com preocupações esportivas ou, principalmente, estéticas. Para essa gente, anabolizantes são uma fórmula mágica, capaz de trazer resultados notáveis em pouco tempo.
Mas a "mágica" tem seu preço. Da mesma forma que a explosão de uma bomba de verdade tem um efeito indiscriminado, atingindo inimigos e civis indefesos, os anabolizantes também não agem apenas sobre os músculos. "Eles causam alterações no metabolismo que podem trazer conseqüências sérias para a saúde", explica Paulo Zogaib, fisiologista da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas sobre o tema no Brasil. São essas alterações que muitos ignoram, especialmente os iniciantes.
Ansiosos por desempenho e um corpo idealizado, muitos atletas, fisiculturistas e praticantes de musculação aderem a essas drogas sem noção do perigo ou subestimando riscos. É por isso que a Men's Health decidiu investigar o assunto. Porque, como você verá até o final desta reportagem, existem muito mais coelhos do que se imagina dentro dessa cartola. E poucos são bonitinhos como os de shows de mágica.


QUEM USA

Conversas como a que relatamos na página anterior não são comuns. Geralmente, usuários de anabolizantes são discretos como os de remédios para impotência. Ninguém quer admitir que existe uma droga por trás da sua força. Embora bastante gente recorra ao atalho. Ano passado, pesquisadores na Universidade Federal da Bahia realizaram o maior estudo feito no país para quanti( car esse consumo. Foram 1 200 questionários com freqüentadores de academias, de 15 a 35 anos, de todas as classes sociais e bairros da região metropolitana de Salvador. Men's Health teve acesso exclusivo a dados preliminares da pesquisa, que será publicada este ano. "15% relataram já ter usado anabolizantes pelo menos uma vez na vida. Entre os homens, esse número cresce para 21%", revela o antropólogo Jorge Alberto Iriart, um dos autores. É alarmante: de cada cinco homens malhando em academias, pelo menos um já usou a droga.
Embora não se possa comprovar cientificamente que o consumo está aumentando, quem freqüenta o meio garante que sim. "Há uns 15 anos, eu via as pessoas tomarem, mas era coisa de quem malhava havia muito tempo e praticava ( siculturismo. Eu mesmo comecei a usar depois de mais de oito anos de treino. Hoje a molecada já chega na academia querendo tomar", diz Dico, que usa anabolizantes há dez anos e trabalha como segurança e professor de musculação em academias na região de Itaquera, Zona Leste de São Paulo.
Segundo a pesquisa de Iriart, o consumoé mais acentuado em pessoas com menor escolaridade e renda, mas está disseminado em todas as classes sociais. Para o personal trainer e ex-fisiculturista Fábio Veras, de Brasília, o perfil mais comum é o de jovens de 18 a 25 anos, com dificuldades para ganhar peso e massa muscular. "É o magrinho, que quer ficar forte e não tem paciência." Entre os fisiculturistas profissionais, o consumo é regra, pois os campeonatos não punem doping. "Se fizer teste, ninguém participa", diz Veras.
Nos Estados Unidos, onde o assuntoé pesquisado há anos, estima-se que mais de 1 milhão de pessoas já usaram anabolizantes alguma vez na vida. O hábito começa cedo. Segundo pesquisa de 2006, 2,7% dos jovens americanos tomaram anabolizantes entre 17 e 20 anos. Não é à toa que lá o consumo dessas drogas é tratado com o mesmo rigor que a cocaína e o ecstasy pelo Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas, patrocinador da pesquisa e orientador de políticas públicas contra uso de drogas. Outro estudo de 2006 apontou que 78% dos usuários de anabolizantes não participam de nenhuma atividade esportiva competitiva. Ou seja, a maioria toma com ( ns estéticos. No Brasil não é diferente.


POR QUE SE USA

"A motivação é quase sempre estética. As pessoas desejam ter um corpo perfeito, como se isso existisse", explica Iriart, que também realizou 40 entrevistas qualitativas para entender melhor as características do consumo. A preocupação com a beleza também explica a sazonalidade do consumo, semelhante à dos regimes de emagrecimento entre as mulheres. "Com a chegada das festas de verão e o Carnaval, o consumo dispara", diz o antropólogo, mostrando que o interesse revelado na conversa lá do início não é um caso isolado. Alguns dos exemplos de uso de anabolizantes vêm de atores de Hollywood. Com 23 anos, o ator Arnold Schwarzenegger tornou-se o mais jovem campeão mundial de ( siculturismo. Depois de ganhar o título seis vezes, começou no cinema. Compensava a falta de dotes artísticos com sua montanha de músculos. Numa cena de Conan, o Bárbaro, um camelo cuspia em seu peito, e ele não conseguia se limpar porque o tamanho do bíceps não deixava. Depois de eleito governador da Califórnia, admitiu ter usado anabolizantes por muitos anos, quando o uso não era controlado (veja box).

LEGAL E FISIOLÓGICO

Anabolizantes têm aplicações na medicina, mas só em baixas doses
Antes de se tornarem um atalho para o ganho de massa muscular, os anabolizantes foram descobertos e desenvolvidos com fi nalidades médicas, e até hoje são indicados para alguns pacientes. Neste caso, no entanto, as doses são baixas para garantir o mínimo de efeitos colaterais. Veja as principais indicações.
>> Aumentar a massa muscular de pacientes com perda de peso crônica em tratamentos especialmente de aids ou câncer.
>> Induzir a puberdade em adolescentes com retardo no processo de amadurecimento sexual.
>> Reduzir os efeitos negativos da queda natural de hormônios masculinos em homens de meiaidade e idosos, como perda excessiva de massa muscular e redução da libido.
>> Estimular o crescimento em crianças com problemas hormonais ou neuromusculares congênitos.

Mesmo nas academias, a comparação com professores e colegas bombados estimula o uso. "O cara vê alguém que começou a malhar na mesma época crescer mais que ele e resolve tomar", explica Dico, revelando que o uso de anabolizantes aumentou, sim, sua facilidade para conseguir emprego como professor de academia ou como segurança. "O pessoal respeita muito mais", diz ele, que hoje tem 35 anos, 1,75 metro, 106 quilos e 52 centímetros de braço. A experiência pessoal de Dico também foi percebida na pesquisa de Iriart. "Para muitas pessoas, o uso de anabolizantes representa ascensão social ou profissional. Uns buscam empregos onde força e aparência física são importantes; outros, a admiração das mulheres e a satisfação de ter um corpo que representa o sucesso", diz.


DE SOLUÇÃO A PROBLEMAUso de anabolizantes esteróides começou entre médicos e seguiu para as competições olímpicas
>> A testosterona foi sintetizada pela primeira vez em 1936, pelo químico suíço Leopold Ruzicka, em colaboração com o laboratório Ciba. O objetivo era ter uma substância pura para a pesquisa da fi siologia humana e suas possíveis aplicações médicas. Investigações desse tipo foram feitas também em campos de concentração alemães.
>> No meio esportivo, a droga apareceu no Mundial de Levantamento de Peso de 1954, em Viena. O campeão geral foi um americano, mas os soviéticos mostraram larga vantagem no resultado geral, despertando a curiosidade do médico da delegação americana John Ziegler. De volta aos Estados Unidos, ele passou a pesquisar uma substância para seus atletas. A droga, primeiro anabolizante esteróide sintético, foi lançada em 1958, em parceria com o Ciba, com o nome de Dianabol.
>> Nos anos 60, como seu uso não sofria restrições, ele se disseminou no esporte. Em 1967, o Comitê Olímpico Internacional começou a proibir o uso de determinadas substâncias, mas só em 1976 os anabolizantes esteróides entraram na lista negra.

O princípio de todas as substâncias que você conhece como anabolizantes ou "bombas" é imitar a ação da boa e velha testosterona, o famoso hormônio masculino. Ela é um hormônio que produzimos naturalmente, nos testículos (ou ovários, nas mulheres) e nas glândulas supra-renais, classifi cado como esteróide anabolizante androgênico. Esteróide porque deriva do colesterol, anabolizante porque aumenta a atividade celular e androgênico porque acentua características masculinas, como a força e a agressividade. Veja neste infográfi co como ela funciona e o que as drogas que a imitam fazem no seu corpo.

1- O CRESCIMENTO DO MÚSCULO
O componente de nossos músculos são fibras de proteínas. Quando eles trabalham, essas proteínas se quebram. No repouso, o corpo trabalha para reconstruí-las. A cada ciclo de "quebra e reforma" do treinamento, a grossura das fi bras aumenta e, com elas, o volume geral do músculo também cresce.

2- O ANABOLISMO NATURAL
A fabricação de proteínas no músculo é naturalmente estimulada pela testosterona, quando ela se encaixa em receptores androgênicos na membrana da célula muscular. Essa ligação é específi ca, como uma chave em sua fechadura, e emite um sinal para a célula produzir mais proteína, acelerando a fabricação de músculo.

3- O ANABOLISMO ARTIFICIAL
Os anabolizantes sintéticos são substâncias parecidas com a testosterona, o sufi ciente para se encaixarem na fechadura da testosterona e dispararem o mesmo processo nas células. Para a célula muscular, o efeito é o mesmo.

4- SUPRIMENTOS
Para trabalhar mais, as células precisam de mais oxigênio, energia e estímulo. Isso é garantido por um efeito secundário da testosterona em outros tecidos, também "anabolizados". A medula óssea produz mais hemácias (mais oxigênio), as células musculares, mais mitocôndrias (mais energia) e as nervosas mais mielina ao redor dos axônios (impulso nervoso mais rápido).

5- DESEQUILÍBRIO HORMONAL
Quando se injeta um hormônio anabolizante no corpo, o organismo percebe o excedente e diminui a produção interna. Sem trabalhar, as glândulas do testículo atrofi am e diminuem, levando à esterilidade. Dependendo do hormônio usado, o excesso também pode virar estrogênio, o hormônio feminino, e aumentar o tamanho das mamas.

6- LIMPEZA CARA
Os hormônios esteróides, naturais ou sintéticos, são metabolizados pelo fígado para serem eliminados do organismo. As doses extras de hormônio sobrecarregam o fígado e aumentam a incidência de problemas hepáticos, inclusive de câncer.


Confira o resto dessa reportagem no site:

http://menshealth.abril.com.br/saude/conteudo_297326.shtml

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