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9.01.2011

Foi mal. Desculpa. Perdão.

Entrevista  com o psiquiatra e psicanalista Moises Groisman

 O uso de expressões que buscam a remissão para nossos próprios tropeços acaba por banalizar o pedido de desculpas. Embora muitas vezes o perdão seja dado de modo corriqueiro e até excessivo, ele exige reflexão e compreensão sobre o que levou o outro a cometer tal erro. Em tempos de homofobia, jovens saindo à noite apenas para bater em vítimas desconhecidas, pais que ajudam a mascarar os erros dos filhos, mulheres que decidem se vingar de uma traição na internet, o psiquiatra e psicanalista Moises Groisman prepara o curso "O perdão como ato libertador", no Polo de Pensamento Contemporâneo (POP), que começa no dia 29 de agosto. Especialista em terapia de família e autor do livro "Família é Deus", ele avisa que os atos são sempre imperdoáveis e explica por que desculpamos a pessoa que o cometeu. Numa entrevista em seu consultório, em Copacabana, ele fala sobre estas e outras questões.

 O que significa perdoar?
 É um ato que uma pessoa realiza em relação a outra, esteja ela interessada ou não na manutenção da convivência, para poder viver melhor consigo e com o outro. E este perdão, numa terapia, deve ser acompanhado de palavras e até de um ritual, que inclui a entrega de uma carta de arrependimento ou de um presente.

Por que devemos marcar um perdão com um objeto simbólico?
 É importante para dar um ponto final naquela questão, um "não se fala mais nisso". Mas até chegar a este estágio é preciso deixar tudo muito claro e conversar sobre o que aconteceu. Num caso de infidelidade, por exemplo, é preciso conversar e compreender as responsabilidades de cada um, para que aquele que foi traído possa se introduzir numa situação da qual havia sido excluído. Se o ponto final não for dado, a relação pode se inverter. E aquele que foi magoado passa de vítima a algoz por voltar sempre ao tema que não foi devidamente encerrado.

Existe alguma situação imperdoável ou temos capacidade ilimitada para conceder o perdão?
 Nós nunca perdoamos o ato. O abuso, a trapaça financeira, a infidelidade em si são imperdoáveis. O ato está marcado na nossa vida e não pode ser apagado. Perdoamos, sim, a pessoa que praticou o ato, caso queiramos manter a convivência com ela. Porque, senão, entraríamos numa perspectiva sublime e religiosa de que somos capazes de apagar tudo o que aconteceu, e isso não é possível. O ato é imperdoável. Aquele ato aconteceu. A partir disso, é preciso entender a história daquela pessoa e o que a levou a praticar aquilo e compreender de que modo você, que foi magoado, colaborou, mesmo sem perceber, para que aquilo acontecesse.

Tentar perdoar o ato em si seria varrer o problema para debaixo do tapete, sem enfrentar a questão de frente?
Se perdoamos o ato, estaríamos justificando aquilo que aconteceu de errado e colaborando para aquela pessoa repetir o ato que tanto nos magoou. Por isso, é preciso saber exatamente o que aconteceu e saber que você está perdoando a pessoa, e não o ato.

Guardar a mágoa e não perdoar pode levar alguém a adoecer? O perdão liberta?
O perdão que você não concede pode lhe levar a muitas doenças psicossomáticas, a um câncer, a uma crise de hipertensão, sobretudo nos casos em que você não pretende manter convivência com aquela pessoa. Nos meus cursos sobre o perdão, há uma parte vivencial chamada perdão familiar. Criei este exercício porque defendo que todo sintoma, toda patologia, todo problema emocional que você tenha é decorrente de uma ausência de perdão em relação a alguma figura parental.

O perdão parece ser mais benéfico para quem o concede, e não para quem é desculpado. Ele é essencial na superação de traumas?
O perdão faz parte das etapas de recuperação após uma traição no casamento, por exemplo. Já vi um caso de infidelidade em que a moça, que teve tuberculose, disse: "Eu estou perdoando por mim, não por ele, porque eu não quero adoecer novamente". Achei brilhante isso.

O perdão está sempre associado à emoção?
 Na mágoa, na raiva, sua emoção está presa. Por isso, a ausência de perdão produz a doença. Então, na hora em que você consegue desculpar alguém que te machucou, vem a emoção.


Existem pessoas que perdoam com mais facilidade?
De acordo com a história familiar de cada um, haverá uma capacidade maior ou menor de perdoar. Se a pessoa, por exemplo, teve uma rejeição ou um abandono mais forte na sua vida familiar vai ter maiores dificuldades para perdoar.

Qual a importância de pedir desculpas?
: Pedir perdão é um ato humano de humildade e arrependimento. Se o outro reconhece sua parcela de responsabilidade (Moises não usa a palavra culpa), é mais fácil perdoá-lo. Mas é preciso saber que não há garantias de que aquela traição ou trapaça ou erro não irá se repetir. O perdão é um investimento afetivo numa relação que se quer manter.

O perdão não está banalizado?
 Sim, e não se deve vulgarizar o perdão. Hoje em dia, tudo é perdoado porque dá trabalho parar, conversar, enfrentar, punir e manter a punição. Por exemplo, quanto mais um pai passa a mão na cabeça de um filho, pior será o resultado 15 ou 20 anos depois. Digo isso porque recebo este resultado aqui no meu consultório. Vejo adolescentes que são verdadeiros bichos na forma como se dirigem aos pais, com palavrões e um discurso desordenado. O ser humano precisa ser domesticado, como um animal.

Os grandes líderes podem pedir desculpas a seus seguidores?
Eles não pedem perdão. Isso seria desconstruir a figura do líder impoluto que conduz o povo. Eles não dizem: "Eu errei". O Clinton fez isso em público para a mulher dele porque foi pego, se não, não teria admitido.

Qual é a necessidade de uma vítima de violência ou de uma família que perdeu um parente num crime perdoar um criminoso?
 É preciso retomar sua vida de alguma maneira. É claro que devemos nos dedicar e contratar advogados para que o culpado seja punido pela Justiça, mas se esta punição virar um objetivo de vida, esta pessoa pode adoecer porque aquilo passa a ser sua razão de viver, ou seja, ela viverá em função de um crime.

Os pais estão perdoando com muita facilidade?
Demais. A desculpa passa a ser tão fácil que os filhos têm sempre essa expectativa, gerando uma visão deformada. O que vemos nesses rapazes que dão porrada em boates é isso. E mesmo no caso do rapaz que atropelou o filho da Cissa Guimarães e contou com a ajuda do pai para tentar disfarçar o ato. Se os olharmos no seio familiar, veremos, possivelmente, que esses garotos são perdoados sempre e acolhidos incondicionalmente. É comum ouvir dos pais esta frase: "Eu amo meus filhos incondicionalmente". Estão errados. Não se pode amar ninguém, nem mesmo os filhos, incondicionalmente. Se ele enfia a faca em alguém ou em você, você continuará amando acima de toda e qualquer condição? Não pode. Isso é criar pequenos monstros, acima do bem e do mal. Esses meninos saem de casa e acham que tudo será perdoado, que para eles não há limites.

Perdoar é mais fácil que punir?
Sim, porque dá menos trabalho. Perdoando, os pais não precisam entrar em contato com os perdões que eles não concederam a seus pais. Trata-se de uma compensação: darei ao meu filho tudo o que eu não tive. Cria-se, assim, um filho tirano, que acaba por massacrar os pais, porque em vez de o filho pedir perdão, são os pais que estarão sempre se desculpando por não poder comprar isso ou não poder fazer aquilo.

Além de criar crianças e adolescentes sem limites, o excesso de perdão termina por escravizar os pais?
Exatamente. Já ouvi de uma mãe: "Para minha filha, eu dou tudo". Está errado. A primeira doação que uma mãe deve fazer é para ela mesma. Depois, para seu casamento. E, em terceiro lugar, para seus filhos. Ao se doar completamente para a filha, esta mãe está dando à menina uma imagem deformada da vida, e isso é um abuso emocional. Uma mãe que se doa por inteiro tem a expectativa de que seu filho também se doe a ela, e isso pode criar uma relação simbiótica que poderá prendê-los numa escravidão.
O Globo

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