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10.05.2011

Falha na distribuição de remédio contra Mal de Chagas prejudica tratamento

RIO e RECIFE - A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) alerta que milhares de vítimas da doença de Chagas ficarão sem tratamento nos próximos meses devido à falta do remédio benzonidazol, droga receitada no controle da doença extremamente grave. Segundo o MSF, o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe), único fabricante do remédio no mundo, suspendeu a sua produção por falta do princípio ativo da substância. Mas o laboratório nega problemas na fabricação e distribuição. O Mal de Chagas é uma infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida por insetos, conhecidos no Brasil como barbeiros, e causa danos graves ao coração e ao sistema digestivo, sendo na maioria das vezes fatal.

A resolução do problema depende do Ministério da Saúde brasileiro, diz o MSF em nota. Isso porque a responsabilidade pela produção do princípio ativo da droga foi transferida para uma única empresa privada, a Nortec Química e agora não há substância suficiente para a fabricação dos comprimidos necessários. A Nortec ainda precisa validar a sua produção, afirma o MSF.
- O Lafepe quebrou a sua promessa de publicar e respeitar um calendário oficial de produção que possa garantir a disponibilidade do medicamento - afirma Carolina Batista, coordenadora da unidade médica de Médicos Sem Fronteiras-Brasil.
Ainda de acordo com a coordenadora, por conta da falta de abastecimento do benzonidazol, diversos programas de tratamento contra Chagas na América Latina estão com dificuldades de atender à demanda de novos casos. O estoque, segundo Carolina, deve acabar nos próximos meses, piorando a situação.
-Esta situação é inaceitável. Em Boquerón, a região com maior incidência da doença de Chagas no Paraguai, fomos obrigados a parar de diagnosticar os pacientes, simplesmente porque não temos medicamentos para tratá-los - explica Henry Rodriguez, coordenador de projeto de MSF na Bolívia e no Paraguai. - Durante décadas, Chagas foi uma doença completamente negligenciada, e justo agora que o diagnóstico e o tratamento estão sendo vistos como prioridades em alguns países, estamos sem medicamentos para os pacientes. Não podemos permitir que isso continue e precisamos encontrar uma solução urgente.
A procura pelo tratamento aumentou muito porque o tratamento, antes oferecido somente para crianças, passou a ser receitado para adultos, diz o MSF. Além disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Panamericana de Saúde (OPAS) têm investido na oferta de diagnóstico e tratamento da doença.
- Apesar de sabermos que o tratamento atual é o mais eficiente e que o paciente está menos sujeito a complicações se recebê-lo o quanto antes, nós seremos forçados a retardar a oferta de cuidados - diz Unni Karunakara, presidente internacional de MSF.
Já o Lafepe - o único fornecedor no mundo de comprimidos para tratamento da Doença de Chagas - diz que está com 200 mil unidades do benzonidazol em estoque, à espera de orientação do Ministério da Saúde e de organismos internacionais para escoar a produção do remédio no Brasil e no exterior. De com a instituição, por enquanto, não há perigo de desabastecimento, até porque a indústria conta, ainda, com um estoque estratégico de 73 mil comprimidos para atender a qualquer situação de emergência. O Lafepe garante ainda que o cronograma de produção até o momento não sofreu atraso.
- Não há desabastecimento. Temos um contrato com a Farmoquímica Nortec, assinado em 10 de maio no Rio de Janeiro, e a primeira entrega da matéria-prima está prevista para o dia 10 de outubro. Portanto ainda no prazo estipulado - diz o diretor comercial do Lafepe, Oséas Morais.
Ele acrescenta que o Nortec vai enviar a Recife 320 quilos da matéria-prima, o que renderá 3 milhões 200 mil comprimidos.
- Temos condições de produzir essa quantidade em até 20 dias após a entrega. Em janeiro, receberemos outra remessa de 600 quilos do princípio ativo - explica o executivo, acrescentando que hoje o Lafepe receberá do Ministério da Saúde hoje o mapa dos destinos do remédio no país.
Segundo Morais, a Opas está devendo ao Lafepe a grade com os endereços das encomendas. Ele diz que 100 mil unidades são do Ministério da Saúde e que 100 mil outras foram solicitadas pela OPAS.
- A Lafepe está aparecendo como vilão nessa história, mas estamos mais para vítimas - afirma o diretor.
O princípio ativo do remédio contra a Doença de Chagas era fabricado pelo laboratório Roche, mas como a infecção está entre aquelas chamadas de negligenciadas, a empresa não teve mais interesse em fabricar a droga e doou a patente para o governo brasileiro, que escolheu a Nortec para fornecer a matéria-prima, diz Morais.
- O Lafepe fornece os comprimidos que são distribuídos para toda a América Latina e até para a Europa, onde a doença chegou com os imigrantes principalmente com os bolivianos. Hoje a Federação Mundial de Associações de Portadores de Doença de Chagas é presidida inclusive por um boliviano, residente em Barcelona.
De acordo com o vice-presidente da Federação Mundial de Associações de Portadores da Doença de Chagas, Wilson Oliveira, essa não é a primeira vez que ocorrem problemas com a distribuição do medicamento. Coordenador do Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca do Hospital Osvaldo Cruz (HOC) há 24 anos, ele diz que ainda não há falta do remédio em Pernambuco.
- Como a Doença de Chagas só atinge basicamente a população pobre e está entre as chamadas negligenciadas, o único remédio que dispomos foi desenvolvido há quatro décadas, e desde então não mais evoluiu. Caso se insistisse em pesquisas para essa área, poderíamos ter drogas com efeitos colaterais menores - afirma.
Oliveira comenta que o benzonidazol provoca problemas de pele e no sistema nervoso. E as crianças reagem melhor ao tratamento do que os adultos. Recentemente, entidades como a OMS, a organização Médicos sem Fronteiras e ainda as associações de portadores da doença se reuniram em Campinas, onde começaram a elaborar uma carta de apelo às autoridades para que não falte o medicamento, inclusive na Bolívia, onde a doença é endêmica e apresenta a maior prevalência. A droga é usada durante 60 dias consecutivos e o percentual de cura nas crianças chega a 80%, segundo Oliveira. Nos adultos essa percentagem é menor, principalmente na fase crônica da doença. No HOC - hospital universitário e referência em Chagas - há 1.500 doentes.
O Globo
Letícia Lins (leticia.lins@oglobo.com.br)

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