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10.20.2011

Obesidade: sua cabeça está pronta para a redução de estômago?

Cerca de 30 mil brasileiros a cada ano são submetidos a cirurgias de redução de estômago. Depois de inúmeras tentativas frustradas de emagrecimento, encaram um recurso radical: entram numa sala de cirurgia e saem com o estômago mutilado. A restrição os obriga a comer pouco. Aprendem a fazer escolhas menos calóricas e emagrecem. O número de candidatos à cirurgia cresce a cada ano. Há no Brasil cerca de 3,5 milhões de obesos mórbidos. A fila de espera por uma cirurgia gratuita é enorme. Até o final deste ano, algo em torno de 3 mil pessoas conseguirão ser operadas pelo SUS.

É pouco.A cirurgia de redução de estômago salva vidas quando é indicada com critério e o paciente é acompanhado adequadamente. Nem sempre isso ocorre. Muitos pacientes de classe média alta procuram a cirurgia mesmo sem apresentar graus severos de obesidade. Acham que pode ser uma forma fácil e rápida de emagrecer. “Um dia desses dispensei uma paciente que tinha uns 10 quilos de sobrepeso e disse que queria emagrecer até o Natal”, afirma o cirurgião Ricardo Cohen, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

Essa banalização é fruto da falta de conhecimento sobre as mudanças provocadas pela redução de estômago. Nem todos conseguem se adaptar ao novo corpo. Para aceitar a transformação é preciso passar por um cuidadoso acompanhamento psicológico antes e depois da cirurgia. E ter uma expectativa realista sobre os resultados.

“A cirurgia de redução de estômago não vai mudar a sua vida”, diz o cirurgião americano Garth Davis, do Hospital Metodista em Houston, no Texas. “Mas se você quer mudar a sua vida, a cirurgia pode ajudá-lo”.

Davis lançou neste ano um guia bastante didático para pessoas que pretendem passar pela cirurgia. Em inglês, o nome do livro é The Expert´s Guide to Weight-Loss Surgery (Hudson Street Press). Selecionei alguns alertas importantes reunidos no livro:

1) Não será fácil
É muito tentador achar que a cirurgia será uma cura mágica. Na verdade, o sucesso depende de muita determinação do paciente para seguir as recomendações alimentares e se adaptar aos novos hábitos

2) Os resultados não serão imediatos
Em geral, só depois de um ano e meio o paciente alcança o peso esperado após a cirurgia mais utilizada para redução de peso (chamada de derivação gástrica ou bypass grástico)

3) A cirurgia não vai mudar sua relação com a comida
A operação é apenas uma ferramenta. Com um estômago menor e menos fome, o paciente pode aprender a lidar melhor com seus sentimentos em relação à comida. Quem tem compulsão alimentar não deixará de tê-la simplesmente porque seu estômago foi reduzido.

É fundamental diagnosticar o problema antes da cirurgia e tratá-la com acompanhamento psicológico ou psiquiátrico. Sem esse cuidado, é quase certo que a pessoa enfrentará graves consequências: depressão ou transferência da compulsão alimentar para outro tipo de comportamento compulsivo: compras, sexo, drogas, álcool.

4) Você não vai virar uma supermodelo
Os corpos perfeitos enaltecidos pela mídia colocam uma enorme pressão sobre as pessoas comuns que, por mais que tentem, nunca chegarão perto desse padrão inatingível. Mesmo depois de uma perda de peso importante produzida pela cirurgia, você poderá continuar desapontada se tiver a intenção de conquistar um corpo perfeito.


Essas observações não saíram da minha cabeça nas últimas duas semanas. Fui à Goiânia entrevistar a advogada Daliana Kristel Gonçalves Camargo, 31 anos. A triste história de Daliana serve de alerta para quem ainda acha que a redução de estômago é uma solução fácil. Daliana pesava 76 quilos quando decidiu se submeter a procedimentos cirúrgicos para emagrecer.

“Queria ficar bonitona. Sempre quis ser magrinha. Queria ser maravilhosa no verão”, me disse Daliana, com um ar infantil, no seu quarto em Goiânia.

Daliana se internou em 2005 para fazer o que pensava ser uma cirurgia convencional de redução de estômago. Acabou sendo submetida a uma cirurgia experimental.

Daliana sofreu várias complicações. Hoje não pode comer nada. Nem beber água. É alimentada apenas por uma preparação proteica que ela recebe por meio de uma sonda colocada no nariz. O tubo de plástico desce pela garganta, pelo esôfago e leva o líquido especial diretamente até o intestino.

Quando conheci Daliana de perto fiquei me perguntando o que poderia ter sido diferente. Várias coisas poderiam ter sido diferentes: Daliana poderia não ter sido influenciada pela sociedade e pela mídia a buscar um corpo perfeito. Poderia ter sido aconselhada a persistir em outras formas de emagrecimento. Poderia não ter sido submetida a uma cirurgia experimental.

Poderia, também, ter recebido um acompanhamento psicológico adequado antes e depois da cirurgia. Será que isso foi feito como se deve? Será que ela era uma boa candidata à cirurgia? Tenho minhas dúvidas. Selecionar quem tem condições emocionais de fazer a cirurgia e quem não tem não é uma tarefa trivial. Acompanhar esses pacientes corretamente depois da operação também é um passo importante para o sucesso.

Para tentar entender algumas dessas questões, procurei a psicóloga Aída Marcondes Franques, do Instituto Garrido de Cirurgia da Obesidade, em São Paulo. Além de conhecimento teórico, Aída tem uma grande experiência prática no atendimento de pessoas submetidas à redução de estômago. Desde 1996, Aída acompanha esses pacientes.


Segundo a Sociedade Americana de Cirurgia Metabólica e Bariátrica, 30% dos pacientes que procuram a cirurgia tem compulsão alimentar. Você observa o mesmo no consultório? O transtorno de compulsão alimentar periódica, também chamado de “binge eating”, é caracterizado por episódios de consumo de grandes quantidades de comida em curtos intervalos de tempo. A pessoa perde o controle sobre seu comportamento alimentar. Em seguida, sente culpa, desprezo por si mesma ou remorso.

O que provoca isso?
Não se sabe ainda se essa é uma nova doença alimentar emocional ou apenas um sintoma que pode estar associado a algum outro transtorno alimentar. Ou a outras patologias emocionais, como depressão atípica, ansiedade, transtorno do controle dos impulsos ou algum dos transtornos do espectro impulsivo-compulsivo. Na nossa prática, (e inúmeros trabalhos científicos comprovam) observamos que 50% dos pacientes candidatos à cirurgia bariátrica apresentam o transtorno do comer compulsivo. É importante destacar que, diferentemente do que muitos imaginam, nem todo obeso é um comedor compulsivo. Mas todo comedor compulsivo é obeso.

O paciente que tem compulsão alimentar pode ser operado?
Sim. Ser um comedor compulsivo não impede um paciente obeso de se submeter à redução de estômago. Contudo ele deverá ser bem orientado e estar consciente de que precisará de maiores cuidados e acompanhamento psicológico adequado. Algumas vezes é preciso usar medicamentos psiquiátricos. O paciente estava acostumado a ingerir uma grande quantidade de comida. De repente não consegue mais fazer isso porque o novo estômago é muito pequeno. Alguns pacientes começam a ingerir pequenas porições, inúmeras vezes ao dia. O tratamento é importante para evitar que essa transformação ocorra.

 Muitos obesos são extremamente simpáticos, vivem cercados de amigos e inventam inúmeros eventos sociais em torno da mesa. As reuniões frequentes costumam ser um pretexto para comer. O que acontece com as pessoas que têm esse comportamento e são operadas? Esse é um dos aspectos trabalhados no preparo psicológico pré-operatório. Normalmente, se a opção pela cirurgia foi uma decisão própria, se a pessoa está bem motivada, informada e devidamente preparada, é difícil que entre “em crise” por não comer tanto quanto antes. Afinal a cirurgia foi procurada justamente para exercer a função de limitar a ingestão alimentar. Além disso, a grande vantagem que a cirurgia oferece é que a pessoa comerá pouco e se sentirá saciada, satisfeita. Detalhe: os operados não comem tão pouco como a maioria das pessoas imagina, mas passam a comer muito menos do que comiam antes. Dois pedaços de pizza, por exemplo.

Muitos obesos passam a maior parte da vida sendo ridicularizados e discriminados. Que marcas essa experiência acarreta?
Aída:
O sofrimento pelo qual as pessoas obesas passam é muito grande. Principalmente aqueles que desenvolveram a obesidade desde a infância ou adolescência. No mundo de hoje, tão voltado a padrões rígidos de beleza, onde o corpo magro e esbelto é super valorizado, ser obeso é estar à parte, exposto a julgamentos sociais negativos. Isso é ainda mais forte nas mulheres. O preconceito social sofrido pelo obeso, os atributos negativos a ele atribuídos, podem ser internalizados e se transformarem em fatores desencadeantes de problemas emocionais.

ÉPOCA: Mesmo depois de operadas essas pessoas vão continuar carregando esses traumas?
Aída:
Não diria que para sempre essas pessoas levarão esses “traumas”. Todas essas questões poderão ser elaboradas e não mais significarem motivo de sofrimento. Mas deixam marcas. Afinal, elas aconteceram.

ÉPOCA: Quem passa pela cirurgia corre o risco de ter uma crise emocional ou um episódio psiquiátrico depois da cirurgia? 
 Não é frequente o aparecimento de sintomas psiquiátricos no pós-operatório. Em geral, eles são observados antes da cirurgia. Uma pessoa que teve episódios depressivos antes da cirurgia poderá apresentá-los novamente depois da cirurgia. Para que um episódio psiquiátrico aconteça, a predisposição da pessoa tem que estar presente.


Qual é a parcela dos pacientes que sofrem de crise de identidade depois da cirurgia? É comum encontrar pacientes que não se reconhecem no próprio corpo?
Pode acontecer “crise de identidade”, mas não é comum. O paciente operado que continua sendo acompanhado pela equipe multiprofissional (conforme indicação feita no pré-operatório) adapta-se com mais facilidade e evita complicações desse tipo. O transtorno de imagem corporal, muito presente no paciente obeso, deve ser tratado pelo psicólogo desde o pré e principalmente no pós-operatório. Sem esse acompanhamento, o paciente emagrecido pode não se ver magro e continuar na busca incessante de um emagrecimento que já aconteceu. Acaba se tornando magro demais e pode adoecer.
CRISTIANE SEGATTO 
Revista Época

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