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11.04.2011

'Homens falam mais do que fazem'


SÃO PAULO - Em tempos de superabundância de informação e hiperexposição pessoal em mídias que vão da boa e velha televisão a blogs e redes sociais, falar sobre sexo parece algo trivial e batido, um fenômeno incapaz de levantar uma sobrancelha, correto? Errado. Pelo menos se quem está falando de sexo é uma mulher que decidiu contar num blog na internet a decisão de transar com a maior quantidade de homens possível em um ano (eram cem, inicialmente, mas a blogueira decidiu reduzir a meta lá pelos 50 quando percebeu que não iria completá-la).
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Reprodução do blog 'Cem homens' Estamos falando do blog "Cem Homens", ou melhor, de Letícia Fernandez, o pseudônimo da jornalista de 30 anos que, por morar no Rio de Janeiro durante 11, acabou ganhando um indisfarçável sotaque carioca - ao vivo e no texto. Letícia decidiu escrever um blog sobre sexo quando se mudou para São Paulo em fevereiro passado e sua vida sexual, que até então caminhava bem devagar, ganhou mais ritmo com as novidades da mudança. Com a ajuda de amigos mais íntimos - que acompanham suas aventuras online -, escolheu o pseudônimo e começou a escrever, como diz, "para não esquecer".
- Sempre achei as pessoas mal-resolvidas em relação a sexo. Os homens falam invariavelmente muito mais do que fazem. E quando fazem, querem gozar e não se preocupam com as parceiras. E as mulheres fingem orgasmos e têm muita dificuldade de se assumir sexualmente, como se gostar de sexo fosse o mesmo que ser prostituta - diz ela, num vestido de poá amarelo, sentada no café de um shopping paulistano, desmentindo a tese de muita gente de que Letícia seria, na verdade, um personagem de ficção. - Decidi verbalizar minhas histórias sem culpa.
Ela só dá entrevistas com a garantia de que determinadas informações serão mantidas em segredo, como o lugar onde nasceu ou sua aparência física. Não, Letícia não é o monstro que muitos a acusam de ser na rede. Tampouco uma top model. Está acima do peso como muitas mulheres, como ela mesma diz no blog. Uma mulher como muitas outras. Sua conversa é inteligente e bem-humorada como no blog. E sim, ela adora sexo.
- As pessoas não querem fazer sexo. Querem gozar e falar sobre sexo - diz. - Fazer bem é diferente. Sexo é uma delícia mas dá trabalho: rala o joelho, dói o pulso e suja tudo. Tem que se empenhar.
O texto de "Cem Homens" é claro, direto e inclui relatos que a maioria das pessoas não tem coragem de contar nem para os amigos mais íntimos. Dia 21 de junho ela escreveu: "No início da noite, achei que a relação estivesse mais selvagem por conta de tudo o que falamos. Que ilusão a minha! O negócio dele era ser mais hardcore, mesmo, com muito puxão de cabelo, tapa e até (juro) cuspe na cara. Só que eu não gosto dessas coisas. Para falar a verdade, detesto. Quer me xingar? Adoro. Um puxãozinho de cabelo, o.k. Um tapinha também não dói, já diria a música. Mas qualquer coisa além disso me corta o tesão completamente. Odeio sentir dor, não é a minha mesmo."
Inicialmente hospedado no portal da revista "Nova", o blog "Cem homens em um ano" ganhou independência um mês depois, quando Letícia percebeu que os editores da revista queriam interferir nos relatos. Em junho, foi para o Twitter. Os textos chamaram a atenção de outros blogueiros e veículos (uma mulher que dizia ser Letícia chegou a dar entrevista em rádio).
Hoje, "Cem Homens" recebe cerca de 15 mil acessos únicos por dia e tem mais de 3.700 seguidores no Twitter. A reação é apaixonada, para o bem e para o mal. Há os leitores - a maioria mulheres de todas as idades - que apoiam o blog e se identificam com as histórias, ali buscando respostas para suas próprias inibições ou problemas. Outros acham que Letícia quer mesmo é aparecer e ficam tão indignados com o que leem que desejam que a blogueira morra ou contraia uma doença (ela só transa de camisinha). A agressividade excessiva a fez passar a moderar os comentários publicados.
E montou um espaço em separado, chamado "Cem homens sem noção". Ali, coleciona os comentários irados e as propostas dos que acham que o blog serve para arrumar sexo. Diz um: "Não sei se tô certo, mas vou chutar! Vc deve ser feia, gorda ou tem Aids! rsrs. Se não for nada disso, foi mal! E só uma coisa: esse grande feito, que vc vai realizar, vai apenas mostrar q vc não tem valor ou seja não vale nada, e só presta pra ser mais uma da noite!". E outro: "Nossa, eu gostaria que me escolhesse para transar. Que tal, topas? Sou mineiro de Lagoa da Prata."
- Já recebi até foto de vasectomia. O que há é um tremendo preconceito, porque se fosse um blog sobre as aventuras sexuais de um homem, não teria problema. Como é de mulher, então só pode ser uma prostituta - diz Letícia, que já foi chamada de "a nova Bruna Surfistinha", uma definição que ela destrói com um argumento bem simples. - Eu não cobro para transar.
Ela já foi para cama com leitores, sim: três vezes.
- O que me seduz é uma boa conversa e aquela sintonia de duas pessoas que se desejam e estão a fim de transar.
Muitos argumentam que, ao estabelecer uma meta e glamourizar o sexo desenfreado, Letícia perde o ponto do que seria, afinal, uma vida sexual plena. E envereda na coleção de conquistas de cama típica dos homens mais idiotas. Ela diz que cada pessoa tem expectativas diferentes em relação a sexo e prazer. Tanto que o blog ganhou uma importância maior até mesmo para ela, que vem mudando sua opinião sobre assuntos sexuais desde que começou a escrevê-lo. Quando pode, entope-se de livros sobre sexualidade escritos por psicanalistas como José Angelo Gaiarsa ou Regina Navarro Lins. E fala deles no blog.
- Eu consigo entender hoje o que leva um cara a gostar de travestis, por exemplo - diz ela.
Há pouco mais de um mês, Letícia passou a namorar um cara que não vê maiores problemas em seu blog. Diverte-se, até. Os dois têm o que ela chama de "relacionamento aberto". Ainda está se adaptando à ideia, parecendo realmente confusa, mas feliz. Diz que não se deixa abater por comentários raivosos, mas as críticas são respondidas à altura, às vezes acompanhadas de sonoros palavrões. Observa com lupa o movimento de seguidores da blogosfera, a qual dá enorme importância. O caráter anônimo e público do blog é seu céu e seu inferno. É popular, mas ninguém sabe quem ela é de verdade. Pensa em reunir em livro as discussões do blog, mas não poderá divulgá-lo. Um dilema e tanto para alguém que pratica o jornalismo, uma profissão que mexe tanto com a verdade quanto com o ego dos que falam dela. Imagina sobre sexo.
Gilberto Scofield (gils@oglobo.com.br)

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