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2.08.2012

ERRAR É HUMANO. MAS OS MÉDICOS EXAGERAM


Errar é humano, mas o erro de alguns humanos é menos tolerado que o de outros. Com os médicos, é assim. Diante da preciosidade da matéria com a qual eles lidam, o mínimo equívoco pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Quase sempre os erros médicos são atribuídos à má qualidade da formação profissional, à carga de trabalho extenuante, à negligência ou ao excesso de confiança nas próprias habilidades. Existem, porém, outros fatores potencialmente fatais.
São falhas cometidas até mesmo pelos médicos mais bem formados, que trabalham nas melhores condições e que tem a clientela mais poderosa. Elas não são fruto apenas da má vontade, da pressa ou do descontentamento com as condições de trabalho.
Qualquer médico está sujeito a erros de julgamento. Nem os mais respeitados do mundo estão imunes a isso. Quem melhor abordou esse tema foi Jerome Groopman, professor de medicina da Universidade Harvard e brilhante escritor que contribui regularmente com veículos como The New Yorker, Washington Post and New York Times. 
No livro How Doctors Think (Como os médicos pensam), Groopman faz um relato sincero e propõe um debate construtivo. Como aperitivo, reproduzo alguns trechos da obra e os principais aspectos que ela propõe. Em um dos capítulos, ele descreve quatro pensamentos comuns que levam os médicos a produzir diagnósticos errados.
1) “Conheço este tipo de paciente”
O médico se baseia em estereótipos. Em geral, é influenciado pela aparência e pelo estado emocional do paciente
2) “Acabei de ver outro caso como este”
O médico é influenciado pela última experiência ou por um caso que o marcou muito
3) “Preciso fazer alguma coisa”
O médico decide agir rápido mesmo sem ter certeza da natureza do problema
4) “Adoro este paciente”
O médico tende a descartar a hipótese de uma doença grave quando gosta muito do paciente
Groopman conta o caso de Evan McKinley, um guarda-florestal forte e na faixa dos 40 anos, que certa noite foi atendido pelo médico Pat Croskerry. O paciente reclamou de dores no peito. Croskerry o examinou e pediu vários exames. Nenhum deles dava indícios de que o guarda florestal estava à beira de um infarto. O médico mandou o paciente para casa.
Na noite seguinte, quando chegou ao pronto-socorro para iniciar seu turno, um colega puxou conversa. "O caso do homem que você examinou ontem é muito interessante", disse o médico. "Ele deu entrada hoje de manhã com infarto agudo do miocárdio."
Croskerry ficou chocado. O colega tentou consolá-lo: "Se eu o tivesse examinado, não teria sido tão cuidadoso a ponto de pedir todos aqueles exames". Croskerry sabia que havia cometido um erro que poderia ter custado a vida do guarda-florestal. Por sorte, McKinley sobreviveu.
 "É claro que deixei passar", disse Croskerry sobre o infarto de McKinley. "Onde foi que errei? Não foi por conduta inadequada ou negligência. Num esforço de autocrítica, concluiu que seu raciocínio foi excessivamente influenciado pela aparência saudável do paciente e pela ausência de fatores de risco.
Groopman conta que Croskerry decidiu tomar uma atitude quando assumiu a chefia do departamento de emergência do Dartmouth General Hospital. Ficava impressionado com a quantidade de erros que os médicos sob sua supervisão cometiam. Fazia listas de equívocos e tentava agrupá-los em categorias.
Alguns anos depois, começou a publicar artigos em periódicos de medicina, tomando emprestadas ideias da psicologia para explicar como os médicos tomavam decisões clínicas - principalmente as erradas - nas condições estressantes do pronto-socorro.
Essas decisões médicas implicam necessariamente uma grande dose de incerteza. Na maior parte das vezes, os pacientes não são conhecidos, e suas doenças são analisadas apenas a partir de pequenos intervalos de tempo e observação.
Normalmente os médicos começam a diagnosticar o paciente logo que o vêem. Antes de começar o exame, interpretam a aparência dele: a coloração, a inclinação da cabeça, o movimento dos olhos e da boca, a forma como se senta ou fica em pé, o som da respiração.
As teorias dos médicos sobre o que há de errado continuam a evoluir quando ouvem o coração ou pressionam o fígado. As pesquisas mostram que a maioria dos médicos já tem em mente dois ou três diagnósticos possíveis poucos minutos depois de entrar em contato com o paciente e que tende a desenvolver seus palpites a partir de informações incompletas.
 Os médicos, especialmente no pronto-socorro, muitas vezes precisam fazer julgamentos rápidos sobre como tratar um paciente com base em poucos sintomas potencialmente muito sérios. Um médico é treinado para supor, por exemplo, que um paciente com febre alta e dores fortes no lado direito da parte inferior do abdome pode estar com apendicite.
Ele imediatamente encaminha o paciente ao serviço de raios-X e entra em contato com o cirurgião de plantão. Fazendo uma retrospectiva, Croskerry percebeu que, quando viu McKinley no pronto-socorro, o guarda-florestal tinha uma onda de dor no peito que pode anteceder um ataque do coração, a angina instável. "Ela não apareceu no eletrocardiograma porque, em 50% desses casos, não aparece", disse Croskerry.
"A angina instável dele não apareceu no exame de enzimas cardíacas porque ainda não havia dano ao músculo do coração. E não apareceu na radiografia do tórax porque o coração ainda não havia começado a falhar, então não havia líquido acumulado nos pulmões."
Segundo Groopman, o erro que Croskerry cometeu é chamado de erro de representatividade. Médicos cometem esse tipo de falha quando seu raciocínio é excessivamente influenciado pelo que acontece na maioria dos casos. Não consideram possibilidades que contradigam seus modelos mentais e atribuem os sintomas à causa errada.
Croskerry disse que havia observado de imediato a constituição física do guarda florestal: a maioria dos homens na faixa de 40 anos em boa forma tem pouca probabilidade de ter doença do coração. Mais ainda, a dor de McKinley não era característica de doença cardíaca e os resultados do exame físico e dos exames de sangue não indicavam um problema de coração.
Mas esse era exatamente o problema. A cabeça do médico precisa estar preparada para o que é atípico. Ele poderia ter deixado McKinley em observação e ter feito um segundo exame de enzimas cardíacas ou submetê-lo a um teste de esforço, o que talvez revelasse a origem da dor no peito.
“A formação dos médicos não mudou substancialmente depois que Pat Croskerry e eu nos formamos”, escreveu Jerome Groopman. Médicos jovens ainda aprendem muito por meio da observação dos profissionais experientes de sua área. "Veja, faça e ensine" continua a ser uma máxima em escolas de Medicina.
“O ideal que ela sugere - o médico como um ator frio e racional - é equivocado. Quando as pessoas se vêem diante da incerteza, situação em que todo médico ao tentar fazer o diagnóstico se vê, são suscetíveis a emoções inconscientes e parcialidades pessoais e têm mais chance de cometer erros”, afirma Groopman.
Croskerry resume a situação com muita lucidez. "Atualmente, na formação dos médicos, não reconhecemos a importância do pensamento crítico e do raciocínio crítico", diz Croskerry. "A noção implícita na medicina é que sabemos como pensar, mas não sabemos."
O livro de Groopman foi lançado nos Estados Unidos em 2007. As questões que ele levanta e as críticas construtivas que faz continuam atualíssimas.
(Cristiane Segatto)

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