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3.17.2012

Doença com hora marcada

Novas pesquisas demonstram como o momento do dia pode melhorar ou agravar sintomas e ajudam a criar estratégias de tratamento mais eficazes

Mônica Tarantino

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As investigações sobre as relações entre os ritmos biológicos humanos e o agravamento ou melhora dos sintomas de doenças estão ganhando terreno na pesquisa médica. A razão é que as conclusões que vêm sendo obtidas – descobertas como as horas mais propícias para haver morte súbita ou para a intensificação da dor – começam a contribuir para o acompanhamento mais apropriado dos pacientes, ajudando na prevenção de possíveis complicações e também no alívio do sofrimento causado pelas enfermidades. A área da ciência responsável pelas pesquisas é a cronobiologia, ramo que estuda o ritmo biológico do organismo.

O agente por trás da associação entre as horas do dia e as doenças é o relógio biológico. Ele está localizado em uma estrutura do cérebro chamada hipotálamo, situada na base do crânio. Sua função é regular os processos biológicos e mudanças hormonais que ocorrem em intervalos de cerca de 24 horas. Funciona como um cronômetro. “Alterações nesse sistema podem facilitar o adoecimento”, diz o médico John Araújo, diretor do Laboratório de Neurociência e Ritmicidade Biológica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Uma das áreas nas quais há mais avanços na compreensão do vínculo relógio biológico-sintomas é a cardiologia. Recentemente, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Case Western Reserve (EUA) constataram a maior incidência de morte súbita entre duas e seis da manhã, com um outro pico ocorrendo no início da noite. Os horários coincidem com variações na presença da proteína Klf15, envolvida nos mecanismos de controle do relógio biológico e também na regulação da atividade elétrica do coração (problemas nesse circuito podem levar a batimentos cardíacos anormais). “Nosso trabalho é o primeiro a identificar um mecanismo desconhecido da instabilidade elétrica no coração e a fornecer informações sobre as variações diurnas e noturnas associadas à arritmia”, explicou à ISTOÉ o cientista Mukesh Jain, um dos autores do estudo. “Agora estamos testando compostos naturais que equilibram os níveis dessa proteína ao longo do dia”, contou o pesquisador.
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No Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, parte dos pesquisadores volta sua atenção para descobrir a relação entre ritmo biológico, sono e doenças cardíacas. “Distúrbios do sono têm sério impacto no sistema cardiovascular”, atesta o pneumologista Geraldo Lorenzi Filho, diretor do Laboratório do Sono do instituto. Um estudo feito por seu grupo revelou que apenas cinco noites de privação de sono (média de quatro horas e meia de sono por noite) são suficientes para prejudicar o funcionamento dos vasos sanguíneos e alterar a saúde cardíaca. “Jovens são os mais atingidos, pois a divisão entre trabalho, estudo e lazer não deixa muito espaço para o descanso”, diz o pneumologista.

Em outro departamento do instituto, o foco é levantar informações que ajudem na prevenção e no tratamento da hipertensão. “Estamos avaliando a pressão alta e sua associação com as mudanças no organismo que ocorrem quando o corpo está se preparando para acordar”, conta o cardiologista Luiz Bortolotto, diretor da Unidade Clínica de Hipertensão e pós-doutorado em cronobiologia na França. “Uma delas é a elevação da atividade do sistema nervoso central. Uma das consequências é o aumento da contração dos vasos sanguíneos”, diz. Nas pessoas em risco, isso aumenta as chances de um ataque cardíaco. Não é à toa, portanto, que os estudos indicam que a partir das 6 até por volta das 11 horas há cerca de 40% mais chances de ocorrência de um ataque cardíaco e 49% mais de risco de acontecer um acidente vascular cerebral do que nos outros momentos do dia.

Mais uma porta aberta pela medicina é a constatação de que a hora do dia influencia na gravidade dos sintomas de infecções e no desempenho do sistema imunológico. Pesquisadores da Universidade de Yale (EUA) conseguiram mapear, em cobaias, o sobe e desce de uma substância chamada TLR9, que atua no processo de detecção de vírus e bactérias. Depois, correlacionaram essas mudanças aos momentos em que os sintomas de infecção se mostraram mais intensos. “Descobrimos que, quanto mais alta a TLR9 estiver, o que ocorre por volta das 2 horas, piores são as manifestações da infecção”,  Adam Silver, autor do trabalho e cientista do Departamento de Medicina Interna, seção de doenças infecciosas. “Encontramos um link molecular direto entre os ritmos circadianos e o sistema imunológico que poderá ter implicações importantes para a prevenção e o tratamento de doenças infecciosas”, complementou o outro pesquisador, Erol Fikrig.

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A tolerância ao desconforto provocado pelas vacinas infantis foi outro ponto observado. Linda Franck, uma enfermeira pediátrica da Universidade da Califórnia (EUA), avaliou as reações de 70 crianças com cerca de dois meses de idade ao receberem sua primeira série de imunizantes. O trabalho revelou que os bebês que os tomaram após as 13 horas dormiram, em média, 70 minutos a mais no primeiro dia, independentemente de terem recebido ou não analgésicos. Isso significa que, depois das 13 horas, o sistema de alívio da dor das crianças funcionou melhor.

Um dos motivos para esse fenômeno é o fato de que, após esse horário, o corpo apresenta temperatura levemente mais quente do que pela manhã, segundo atestou um trabalho feito na Universidade de Washington (EUA). Isso ajuda a relaxar os músculos, diminuindo a tensão, e vasos sanguíneos, permitindo que substâncias fabricadas para atenuar a dor circulem com mais facilidade pelo organismo. Seria, portanto, a hora ideal para se submeter aos tratamentos contra a dor, como fisioterapia e massagem.

Nessa área, há também achados que podem ajudar na prevenção de crises. Pesquisadores da Cleveland Clinic (EUA), por exemplo, verificaram que ataques de enxaqueca são mais frequentes entre 8 e 10 horas e à noite. A informação possibilita que os pacientes se previnam melhor – nesses momentos do dia podem evitar a exposição a gatilhos tradicionais, como a ingestão de determinados alimentos ou ficar em ambientes com cheiros que despertem a dor.

Além das contribuições para mudanças como essa, de natureza comportamental, espera-se que as descobertas da cronobiologia resultem na fabricação de novos remédios, desenhados especialmente para respeitar as oscilações do relógio biológico e suas relações com a manifestação de doenças e sintomas. “A tendência é de que sejam desenvolvidos medicamentos a serem dados em diferentes momentos do dia porque isso os tornará mais eficazes”, disse à ISTOÉ Akhilesh Reddy, especialista em cronobiologia da Universidade de Cambridge.

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