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4.14.2012

Propaganda Enganosa - A maior aliada do uso incorreto dos medicamentos

CASO ZYPREXA®, DA ELI LILLY


Por Lúcia Beatriz Torres

O escândalo criminal bilionário envolvendo a propaganda indevida do antipsicótico Zyprexa®, da Eli Lilly, para uso não aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration), reacende a discussão sobre a veracidade e a transparência das informações contidas nas ferramentas de marketing da indústria farmacêutica. Atribuiu-se à companhia a responsabilidade de colocar milhões de pacientes em risco.

A Eli Lilly declarou-se culpada pela propaganda ilegal do Zyprexa®, que incentivou médicos a receitar o medicamento para o tratamento de pessoas idosas com demência. O fármaco, também conhecido como olanzapina, é comumente usado no tratamento da esquizofrenia e transtorno bipolar, entretanto, na terceira idade, aumenta a probabilidade de AVC (acidente vascular cerebral ou derrame cerebral) por ser um antipsicótico atípico.

A empresa que, só em 2007, registrou US$4,76 bilhões em vendas do medicamento – o que equivale a 25% de toda a sua receita - terá que desembolsar US$ 1,42 bilhão para cobrir o custo do acordo referente às alegações falsas divulgadas, desde 1999. Esse foi o prejuízo pela Eli Lilly ter transgredido a lei de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos e promovido o Zyprexa® para usos não previstos em bula.

A ação civil e criminal foi iniciada, em 2003, pelos próprios representantes de vendas da empresa que apresentaram queixas nos termos da lei federal de alegações falsas do EUA, acusando a Lilly de promover o marketing ilegal do medicamento. Os denunciantes receberão 18% da participação federal no acordo civil, o equivalente a mais de US$ 70 milhões, além da participação nas multas previstas em acordos estaduais.

Comercializado no Brasil desde 2005, o antipsicótico Zyprexa®é líder de vendas do laboratório Eli Lilly, com faturamento de R$ 100 milhões por ano, superando o Cialis® contra impotência sexual. Segundo o banco de dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS), estima-se que 80 a 90 mil pacientes tomem o Zyprexa®, que a partir de 2002 passou a fazer parte da lista dos medicamentos de alto custo do Governo Federal. Uma caixa de 10mg com 28 comprimidos não sai por menos de R$ 560,00.
Propaganda estimula uso incorreto
Nos EUA, a propaganda de qualquer tipo de medicamento pode ser feita diretamente ao consumidor. Já no Brasil, o anúncio das substâncias que requerem prescrição é permitido apenas aos profissionais de saúde, em veículos especializados. Entretanto, devido à importância do médico na cadeia de venda do medicamento, tanto nos EUA como no Brasil, a maior parte dos esforços de marketing é direcionada aos doutores, detentores “formais” do conhecimento científico.

A propaganda, além de conseguir alterar o padrão de prescrição dos médicos, é considerada por eles com a sua principal fonte de atualização terapêutica. O que pode ser um perigo para a saúde dos pacientes se divulgada de forma leviana, como aconteceu no caso do Zyprexa®. Estudos já demonstraram que nem sempre as referências científicas apresentadas nas peças publicitárias são fidedignas.

Pelas novas normas para a propaganda médica aprovadas no fim de 2008, pela RDC 96/08 da Anvisa, as ações dos propagandistas com os médicos devem "limitar-se às informações científicas e características do medicamento registradas na Anvisa”. Segundo o diretor de vendas e de marketing da Eli Lilly, Antonio Alas, o laboratório no Brasil não fez promoção do Zyprexa® para pacientes com demência, entretanto, declarou que se questionado pelo médico, o representante de venda poderia dizer que existem estudos científicos independentes falando sobre o assunto. O que contraria as normas da Anvisa.
A sedução dos propagandistas
Por n ão poderem fazer parte da mídia de massa, os medicamentos éticos, ou seja, aqueles que requerem prescrição médica, encontram outras formas de serem divulgados. Através de notícia, como a descoberta científica e, principalmente, em congressos, onde os médicos são convidados e a indústria farmacêutica, normalmente é a grande patrocinadora.
Mas a maior mídia de comunicação dos laboratórios farmacêuticos é o propagandista, o profissional responsável pela divulgação e venda dos medicamentos. Munidos de catálogos, peças promocionais, material científico, amostras grátis e brindes, eles percorrem uma média de 15 médicos por dia, gastando cerca de 5 a 10 minutos por visita para convencer o médico sobre as vantagens do seu “produto”.

Conforme publicado, em 16 de janeiro de 2009, no jornal Valor Econômico, a partir de 1999 e prosseguindo pelo menos até novembro de 2003, a gerência da Lilly treinou sua equipe para desconsiderar a legislação e orientou o seu pessoal de vendas, os propagandistas, a promover o Zyprexa® para usos não previstos em bula. Além dos US$ 1,42 bilhão em multas, a empresa se submeterá à monitoração governamental americana, durante 5 anos, para prevenir futuras transgressões da lei.

No polêmico livro “A verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos /The Truth About the Drug Companies”, a médica Márcia Angell, ex-editora-chefe do New England Journal of Medicine, desconstrói mitos criados pelas grandes indústrias farmacêuticas para manipular o governo, profissionais de saúde e a opinião pública. É um convite à reflexão. Uma resenha crítica do livro foi publicada no site do Instituto Virtual de Fármacos.

A sedução das grandes reportagens

Apesar da Anvisa proibir a propaganda de medicamentos sob prescrição, nos meios de comunicação de massa, é comum encontrarmos reportagens e matérias nas principais revistas semanais do país, destacando medicamentos de tarjas vermelha e preta, portanto controlados, como novos produtos no mercado. Uma forma indireta de propaganda que pode possuir um poder maior de persuasão do que as ferramentas de marketing tradicionais da indústria farmacêutica.

Com a chancela de renomados jornalistas e respeitáveis periódicos de circulação nacional, medicamentos controlados são divulgados na mídia como “pop stars”, com seus poderes de ação “supervalorizados”. Dessa forma, o marketing disfarçado de reportagem jornalística consegue atingir não só os médicos, como os pacientes ou candidatos a pacientes, que por identificarem em si certos sintomas descritos na matéria, acreditam estar com a doença que somente pode ser curada com o medicamento apresentado, recém-lançado no mercado.  

Para acabar com escândalos como o da propaganda ilegal do Zyprexa®, para usos não recomendados em bula, entidades civis organizadas sugerem que o Ministério da Saúde produza um decreto que permita apenas a propaganda de material impresso mediante prévio exame de uma comissão de especialistas. A razão da proibição (ou de uma fiscalização eficaz) é simples: medicamento não é mercadoria comum, necessita de intermediação técnica (médicos), para ser dispensado (farmacêuticos) e consumido (pacientes).

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