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5.28.2012

Abuso sexual: O longo caminho da superação

Aumentam as denúncias de violência contra crianças e adolescentes, mas ainda é preciso avançar no atendimento às vítimas e na punição dos culpados

Natália Martino

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"Eu sabia que era errado porque ele me pedia que não contasse a
ninguém e porque nenhum outro adulto fazia aquilo comigo"

L., que foi abusada pelo avô
Ao o romper o silêncio e contar, na tevê, ter sido vítima de abuso sexual na infância, a apresentadora Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, jogou luz sobre um tema que somente agora a sociedade começa a encarar de frente. O resultado mais imediato do depoimento foi o aumento de ligações para o Disque Direitos Humanos, o Disque 100. Nos dois dias seguintes ao seu desabafo, no domingo 20, o principal canal de denúncias de violência contra crianças e adolescentes recebeu 285 mil ligações, 30% a mais do que nos mesmos dias da semana anterior. Um pico como esse é raro, mas o histórico do Disque 100 mostra um crescimento do número de ligações ano a ano (leia quadro), reflexo do maior conhecimento das pessoas sobre o tema. O primeiro passo para resolver o problema é saber suas proporções, mas o caminho até a superação do trauma por parte da vítima e a punição de seu algoz é longo. E nisso o Brasil está apenas engatinhando.

As denúncias chegam, em geral, por conhecidos das vítimas, raramente pelas pessoas abusadas. “Por um misto de medo e culpa, muitas delas passam décadas sem compartilhar a dor com ninguém”, explica a psicóloga Elizabeth Vieira Gomes, do Comitê Nacional de Enfrentamento de Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Xuxa levou mais de 30 anos para assumir publicamente os abusos. O silêncio de L. durou 12 anos. “Eu tinha medo de ninguém acreditar em mim, ele era uma pessoa em quem todos confiavam”, conta. Ela não tinha mais de 4 anos quando o avô lhe disse “olha o que eu tenho aqui, é diferente do que você tem”, e lhe mostrou seu órgão sexual. A carioca de 31 anos não se lembra de detalhes desse dia, mas tem recordações claras das carícias sexuais que ele lhe fez aos dez anos. “Eu sabia que era errado porque ele me pedia que não contasse a ninguém e porque nenhum outro adulto fazia aquilo comigo”, diz. Só aos 16 anos ela confessou o ocorrido à mãe. “Passei esse tempo nutrindo ódio pelo meu avô sem nunca revelar a razão”, diz ela.

As reações de descrença em Xuxa manifestadas nas redes sociais também acontecem com anônimos. Muitas vezes, por parte de quem deveria ajudar a vítima. “É comum os médicos e os policiais dizerem que tudo não passou de ‘sem-vergonhice’ da pessoa que sofreu o abuso”, afirma Waldemar Oliveira, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan da Bahia (Cedeca). Em alguns hospitais do País, porém, a situação é diferente. No Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, funciona há dez anos o Núcleo de Assistência à Vítima de Violência Sexual (Navis). Trata-se de um grupo formado por enfermeiros, assistentes sociais e médicos de várias especialidades que se empenham em prestar atendimento rápido e eficiente a quem precisa. “Os casos de violência sexual exigem muita sensibilidade”, diz a médica Ivete Boulos, coordenadora do Núcleo. As vítimas, e, às vezes, alguns familiares, também recebem acompanhamento psicológico por, no mínimo, seis meses.

“O médico precisa estar preparado para fazer o primeiro acolhimento, pois os remédios que podem prevenir Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) só são eficientes nas 72 horas posteriores à agressão”, diz Ivete. Segundo ela, há pessoas que chegam anos depois de terem sofrido a violência e são diagnosticadas com doenças como sífilis e vários problemas psicológicos. Em outros casos, pais levam os filhos para tratar problemas de saúde e os médicos detectam a existência de DSTs. Serviços desse tipo também existem em cidades como Ribeirão Preto, Campinas, Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia, mas ainda não estão presentes na maior parte do País.

Nas esferas legislativa e jurídica também são necessárias adaptações. O avanço mais recente foi a sanção da lei que define que o tempo de prescrição do crime de abuso sexual conta a partir dos 18 anos da vítima. No campo jurídico, as mudanças começaram na década de 1990 com a criação de varas especializadas em infância e juventude. “Nas varas comuns, o objetivo é prender o suspeito, nas especializadas a prioridade é acolher as vítimas”, explica Lélio Ferraz de Siqueira Neto, promotor de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo. Para isso, os membros recebem treinamentos especiais e até alguns dos processos são revistos. Em São Paulo, a criança presta depoimento uma única vez e não precisa repetir a história para o delegado, depois para o promotor e assim por diante.

Essas varas especializadas agilizam o julgamento dos casos. De acordo com levantamento realizado pelo Cedeca da Bahia, antes da criação da primeira vara especial do Estado, em 1997, a maioria dos processos de abusos sexuais demorava tanto tempo para ser julgada que prescrevia. Com as varas especializadas, o problema praticamente acabou e o tempo de tramitação, que antes variava entre seis e dez anos, passou a ser, no máximo, de dois anos. No entanto, ainda existem pouquíssimas dessas varas no País. A média é de um juiz especializado para atender quase 400 mil pessoas. Essa deficiência, aliada à dificuldade em se conseguir provas de uma agressão que acontece, na maioria das vezes, dentro da casa das vítimas, resulta em um enorme número de casos sem solução. É preciso mudar essa realidade.



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