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9.12.2012

Dos superatletas para você

Tratamentos, exames e diversas tecnologias desenvolvidas a partir dos estudos com os esportistas de elite chegam ao dia a dia das clínicas e hospitais e beneficiam milhares de pacientes

Mônica Tarantino e Monique Oliveira

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Quando um paciente com insuficiência cardíaca recebe um programa de exercícios físicos personalizado ou um praticante de tênis é submetido a uma cirurgia pouquíssimo agressiva para recuperar uma lesão no quadril, eles podem não saber, mas estão se benefíciando de técnicas avançadas usadas antes em atletas. Tratamentos como esses só foram possíveis graças às pesquisas da ciência do esporte, realizadas para entender do que são feitos os atletas de elite, esses seres de incrível capacidade física que, mais uma vez, encantaram o mundo na última Olimpíada. Gente do porte do jamaicano Usain Bolt, do americano Michael Phelps e da brasileira Yane Marques. Medalha de bronze no pentatlo moderno (esgrima, natação, hipismo, tiro esportivo e corrida), a pernambucana de 28 anos creditou parte de seu sucesso a esses estudos. “Nos últimos anos, temos trabalhado muito em relação à ciência do esporte: biomecânica, biomedicina, uma série de testes e exames”, disse ela logo após a vitória. “Isso pode fazer diferença de meio segundo numa prova. Foi o que garantiu meu melhor tempo na natação.” Cedo ou tarde, os ensinamentos extraídos dessas pesquisas migram do Olimpo do esporte para o dia a dia das clínicas e hospitais. E lá também são o diferencial: criam uma medicina sofisticada, eficaz. A medicina vinda dos superatletas.
A título de comparação, o que acontece com o esporte e a medicina é o mesmo observado com a Fórmula 1 e a indústria automobilística. Ou seja, a partir do excepcional, obtêm-se lições que servem de base para soluções que facilitam a vida de todos. Muito do design e da potência dos carros de hoje veio de conceitos criados para a Fórmula 1. No que diz respeito ao esporte e à saúde, a ciência aprendeu demais sobre o corpo humano estudando os superatletas. Uma das maiores contribuições foi no campo cardíaco. Em 1989, a observação de esquiadores de cross country (espécie de maratona com distâncias que chegam a 50 quilômetros) mostrou que o coração deles tinha dimensões diferentes. “Ele chega a ser 50% maior na espessura do ventrículo esquerdo, responsável por bombear o sangue”, afirma o médico Nabil Ghorayeb, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Esse aumento de tamanho se deve à necessidade imposta ao coração dos atletas de mandar mais sangue para o corpo, submetido a extrema demanda.
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A descoberta inaugurou um vasto campo de pesquisa para entender como funciona o coração do atleta. O objetivo era observar seus limites – e cuidar para não ultrapassá-los – e encontrar atalhos para melhorar a performance. Dessa busca brotaram informações preciosas, como a de que é preciso se exercitar dentro de uma frequência cardíaca individual. “Dados como esses ajudaram a criar planos de exercícios para pacientes com doenças cardíacas”, diz o médico Jomar de Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.
No Instituto do Coração, em São Paulo, o programa de reabilitação para portadores de insuficiência cardíaca (incapacidade de o coração bombear o sangue) foi montado com base nessas descobertas. “Aprendemos a dosar tanto os benefícios quanto os desgastes causados pelo exercício”, conta Carlos Eduardo Negrão, diretor da Unidade de Reabilitação Cardiovascular da instituição. Essas informações auxiliam ainda no tratamento da hipertensão. “Observando os atletas, vimos que a atividade física aumenta a rede de vasos sanguíneos nos músculos, o que diminui a pressão arterial”, diz Negrão. “Adaptamos esse conhecimento para os pacientes.”
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AVANÇO
A medalhista Yane Marques creditou parte
e seu sucesso à ciência do esporte
Há outros exemplos na área. Os testes de esforço, as esteiras, os aparelhos portáteis para medir a frequência cardíaca, tudo isso começou para avaliar os esportistas. Mais recentemente, tornou-se disponível o teste para medir a concentração da creatina kinase, enzima que tem sua quantidade elevada quando o músculo está em processo de fadiga durante o exercício. A medida dá ideia da carga de exercício que o indivíduo pode receber. Uma fração da enzima, específica do músculo cardíaco, hoje serve também como indicador de infarto.
A observação dos superatletas influencia a confecção dos treinos das pessoas comuns. A partir dela, sacramentou-se, por exemplo, o conceito de que é melhor fazer o exercício de forma moderada do que intensa. “A adesão é maior”, afirma Victor Matsudo, vice-presidente do Conselho Internacional de Ciências do Esporte. “E os benefícios para a saúde são efetivos.” E também se confirmou a importância da musculação. “Constatou-se que ela aumenta a proteção do aparelho locomotor”, diz o médico André Pedrinelli, do Hospital Santa Catarina, em São Paulo.
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Dada a recorrência de lesões em atletas, a medicina esportiva teve que encontrar saídas mais efetivas para evitá-las, e delas também se beneficiam todos. “Dependendo de como um atleta realiza o exercício, ele pode sobrecarregar o músculo, que fica vulnerável a lesões”, diz o ortopedista Paulo Barone, de São Paulo, diretor da clínica Sportslab. Para impedir que esse desgaste aconteça, um dos instrumentos usados – neles e nos outros – é a análise isocinética. Trata-se de um aparelho que, por meio da avaliação de variações de força, potência e resistência, detecta se um músculo está mais fraco do que outro. “Esse desequilíbrio é um dos fatores que mais geram lesões ou diminuição de performance”, diz Barone. “Com os dados fornecidos pelo aparelho, é possível trabalhar o músculo que está mais fraco, o que equilibra o corpo.”
Na prevenção de lesões no pescoço, as pessoas têm à disposição programas usados em pilotos de automobilismo, sujeitos a problemas nessa região do corpo. “Mas os exercícios se aplicam bem a executivos e a outros profissionais que lidam com a tensão e a quem anda de moto, por exemplo”, explica o fisiologista do esporte José Rubens D’Elia.
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Quando se vai para a área da ortopedia, os exemplos da medicina que vêm dos superatletas se multiplicam. Muito por conta do fato de que os competidores, quando se machucam, precisam de soluções eficazes, que permitam recuperação rápida. “Caso contrário, correm o risco de sacrificar a carreira”, diz o ortopedista Arnaldo Hernandez, da Universidade de São Paulo. Da procura por tratamentos eficientes e menos agressivos nasceram opções como a cirurgia artroscópica. Nessa modalidade, em vez de cortes enormes, utilizam-se incisões mínimas por onde são introduzidas cânulas. Por meio delas, o cirurgião promove os reparos necessários. “Hoje ela é usada de forma rotineira para operar joelhos, por exemplo”, diz Hernandez.
Outra opção é a injeção de plasma (parte líquida do sangue) rico em plaquetas, responsáveis pela coagulação sanguínea. No procedimento, sangue do paciente é extraído e centrifugado para que se possa retirá-las, adicioná-las novamente ao plasma e reinjetar a mistura no lugar da lesão. Acredita-se que o método acelere a regeneração de tecidos, contribuindo para tratar desde o rompimento do ligamento até tendinites. “Estudos comprovam que uma lesão musculoesquelética que levaria meses para ser tratada se recupera em seis semanas”, afirma o médico Rogério Teixeira, do Hospital Samaritano de São Paulo.
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RECURSO
Antes de se aposentar das piscinas, Phelps contou que dormiu
em câmara hiperbárica para se recuperar dos treinos
A contar o sucesso com que as terapias transpõem o universo dos superatletas, é de esperar muita coisa boa pela frente. Testes clínicos estão sendo feitos em esportistas de alto nível, por exemplo, para verificar a eficácia de células-tronco para regenerar tecidos. Um deles ocorreu na Universidade do Colorado (EUA). Os cientistas injetaram as células em 153 atletas com princípio de osteoartrite (desgaste crônico das articulações). Foram recrutados 24 pacientes para um grupo que recebeu placebo. Após um ano, os que foram tratados com as células-tronco apresentaram alívio da dor em 50%, contra 5% dos outros. No Brasil, as pesquisas vão no sentido de estimular células próximas aos músculos esqueléticos. “São células-satélites que podem ser ativadas para acelerar a regeneração muscular”, explica o médico Moises Cohen, da Universidade Federal de São Paulo.
Outras ideias interessantes foram testadas por atletas de elite. O nadador Michael Phelps, agora aposentado das piscinas, contou que chegou a trocar sua cama por uma câmara hiperbárica, aparelho que simula condições de altitudes elevadas. O atleta disse que se recuperava melhor dos treinos, uma vez que a máquina ajuda o corpo a absorver o oxigênio. A escolha de Phelps já pode ser usufruída em centros na Inglaterra, onde existem máquinas do gênero. Outro exemplo é a esteira Alter-G anti-gravidade, criada para auxiliar no treino de corredores sem expor as articulações à sobrecarga e para contribuir na recuperação de lesões. O aparelho está em pelo menos um local na Inglaterra, onde qualquer um pode usá-lo. O mesmo ocorre com a câmara de crioterapia. Nela, o corpo todo é exposto a frio extremo. O recurso é usado para reduzir inflamações, por exemplo.
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Ao assistir a feitos memoráveis, como a quebra de recordes por Usain Bolt, a ciência também se pergunta como funciona a mente desses indivíduos. Como suportam a dor? Como atingem tão alta concentração? Dessas indagações também estão surgindo respostas que ajudarão a todos. Em relação à dor, foi comprovado, em pesquisa recente, que eles a aguentam mais porque desenvolvem maior tolerância. “A observação pode levar à criação de métodos que ajudem no tratamento da dor crônica”, afirmou à ISTOÉ Jonas Tesarz, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, estudioso do tema. Mais acessível aos pacientes está o recurso dos tanques de flutuação (câmaras com água e sal onde o corpo flutua), usados por esportistas para alívio da dor. Em São Paulo, gente comum está usufruindo desse relaxamento na Clínica Inner Fit, mas com a finalidade de suportar a rotina puxada.
A garra para se superar a cada competição é mais uma boa lição dos atletas. “O esporte ensina como vencer as dificuldades”, disse à ISTOÉ David Yukelson, da Universidade da Pensilvânia (EUA). “Essa capacidade de transpor limites é um dos ensinamentos importantes que eles nos entregam”, concorda a psicóloga Katia Rubio, da Universidade de São Paulo. Os profissionais que os ajudam a desenvolver essas habilidades usam as mesmas estratégias para estimular qualquer um que necessite de treino para suportar estresse e cobrança por resultados. “Criamos um programa para atenuar momentos de pressão, de insegurança”, explica a coaching Bete D’Elia, de São Paulo. O método reúne técnicas de ioga, meditação, alongamento e exercícios, como falar com o espelho projetando valores positivos a seu próprio respeito. “Não é só no esporte que o corpo e a mente podem ser moldados para superar adversidades”, explica Yukelson, da Universidade da Pensilvânia. “Todos podem conseguir.”
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Foto: Kelsen Fernandes, Mark Baker/AP; João Castellano/Istoé; Gabriel Chiarastelli

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