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9.16.2012

Educação: estudo reforça a ideia de que a repetência prejudica o aluno

A taxa de repetência no Brasil está mais próxima da realidade da África Subsaariana que de qualquer outra região do planeta

ANGELA PINHO
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RECOMEÇO COM ATRASO Paulo Eduardo de Oliveira  na ONG onde trabalha.  Ele voltou a estudar no Rio. Adolescente, foi reprovado duas vezes e abandonou a escola  (Foto: Guillermo Giansanti/ÉPOCA)
Quando o assunto é educação, há um ranking internacional em que o Brasil fica no topo. Não é o de matemática, leitura ou ciências. Nessas disciplinas, os alunos brasileiros estão no 53o lugar entre 65 países avaliados. Na lista da repetência, de quem mais reprova, o país sobe para a quarta posição. A taxa de repetência no Brasil está mais próxima da realidade da África Subsaariana que de qualquer outra região do planeta. No ensino fundamental, dez em cada 100 alunos são barrados a cada ano, principalmente nas escolas públicas. No médio, 13 em 100 foram reprovados em 2011, o maior nível desde que a estatística passou a ser divulgada, em 1999.
Se tudo continuar como está, o prognóstico para esses alunos é temerário, revela um novo estudo da organização Todos Pela Educação. O trabalho comprova com estatísticas abrangentes aquilo que os educadores já intuíam: a repetência compromete o aprendizado do estudante para o resto da trajetória escolar. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da entidade usaram dados da Prova Brasil, do Ministério da Educação, que avalia em português e matemática todos os alunos das escolas públicas de ensino fundamental.
Eternamente retardatários (Foto: reprodução)
Os estudantes foram separados em dois grupos. Um era composto dos que tinham a idade esperada para a série em que estavam. O outro, dos atrasados ou adiantados, caso de 24% dos alunos brasileiros. Ao comparar as notas dos dois conjuntos, os pesquisadores descobriram que quem repetira o ano não conseguia alcançar as notas dos colegas. Na 4a série, só 13% dos atrasados atingiram desempenho adequado em português. O índice entre os que tinham a idade correta (10 e 11 anos) ficou em 37% – resultado também insuficiente (leia o gráfico acima). Um descompasso semelhante entre repetentes e alunos em idade adequada foi verificado em matemática.
PARADOXO Aula do professor Antonio Amaral, em  Cocal dos Alves,  no Piauí. A cidade  é a melhor do país  nas Olimpíadas  de Matemática, mas  tem a segunda maior  taxa de repetência  (Foto: Efrém Ribeiro/JMN)
Outra conclusão da pesquisa foi que a dificuldade de aprendizagem do aluno reprovado aumenta ao longo do tempo. Isso ocorre porque a deficiência de conhecimento é cumulativa. Quem não sabe fazer multiplicação não entende raiz quadrada. Quem não decifra uma frase simples não é capaz, mais tarde, de compreender o sentido de uma metáfora. “Existe um mito de que escola boa é a que repete, mas os números mostram que isso não é verdade”, diz Priscilla Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação. O mito a que se refere Priscilla ainda é muito disseminado. Ele sustenta que o aluno repetente tem mais tempo para adquirir um conhecimento que não foi capaz de obter em apenas um ano. Mas não é o que ocorre na prática. “O repetente se sente desestimulado, perde os antigos amigos e torna-se estigmatizado. Sua nota jamais alcança a dos que passaram de ano, mesmo que a diferença inicial entre eles seja pequena”, diz o economista Naércio Menezes Filho, autor de pesquisas sobre o tema.
A repetência no Brasil (Foto: Fonte: OCDE, 2009)
A desmotivação provocada por sucessivas reprovações foi o que empurrou o carioca Paulo Eduardo de Oliveira, de 33 anos, para fora das salas de aula. Na infância, teve de trabalhar para ajudar a família. Perdia aulas e não ia bem nas provas. Depois de repetir duas vezes, acabou deixando o colégio. “Minha mãe brigou comigo, mas, se eu não fechasse a matrícula, ficaria repetindo toda hora.” Paulo voltou a estudar aos 23 anos por incentivo do tio e por causa das dificuldades em arrumar um emprego com carteira assinada. Conseguiu terminar o ginásio e o ensino médio num curso promovido pela organização Viva Rio, onde é funcionário. Ele diz saber fazer bem contas, mas ainda ter dificuldade em leitura.
>> O Brasil ainda não aprendeu 
Casos como Paulo são reflexos de uma cultura de repetência. Em 1982, segundo cálculo do matemático Ruben Klein, da Fundação Cesgranrio, o Brasil chegou ao absurdo de reprovar 60% dos alunos da 1a série. Na raiz das altas taxas de reprovação no Brasil está a visão de que a ameaça da repetência é um instrumento que o professor pode usar para controlar a disciplina em sala de aula. “O que faz um aluno que não quer estudar e sabe que não tem chance de ser reprovado? Nada”, diz Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente do sindicato dos professores de São Paulo. Não é por acaso que o sindicato é um dos principais críticos do sistema de progressão continuada implantado em 1997 em São Paulo para baixar as taxas de repetência e evasão escolar. A progressão continuada prevê que os alunos só sejam reprovados no 5o ou no 9o ano do ensino fundamental. Em 15 anos, o sistema obteve resultados controversos. Baixou as taxas de repetência, mas não melhorou significativamente as de aprendizagem. Por falta de estrutura adequada, como um sistema de aulas de recuperação para os alunos com desempenho inferior, parte deles não aprende, chega despreparada ao ensino médio e acaba reprovada mais tarde.

O desafio de São Paulo – conciliar baixas taxas de reprovação com bom rendimento escolar – é o mesmo enfrentado por cidades com redes de ensino infinitamente menores e consideradas modelos em educação. O município de Cocal dos Alves, no Piauí, simboliza um paradoxo educacional. Tem proporcionalmente o maior número de alunos campeões das Olimpíadas de Matemática do país. E ostenta a segunda maior taxa de repetência do Brasil: 32%. O professor de matemática Antonio Amaral, responsável pela preparação dos estudantes de Cocal dos Alves para as Olimpíadas, dá duas explicações para esse índice. A primeira é a falta de estrutura adequada, com profissionais qualificados, para dar apoio a alunos com dificuldades de visão e audição. A segunda explicação está relacionada à atitude dos alunos. Amaral ilustra seu argumento com um relato. No ano passado, deu aula para duas turmas do 6o ano. De manhã, os alunos eram interessados e faziam o dever de casa. De tarde, era o contrário. Poucos prestavam atenção às aulas, quase nenhum fazia a lição de casa, e as provas voltavam sempre com notas vermelhas. Em setembro, pouco mais de 60% do livro didático fora ensinado – enquanto a outra turma já terminara. Amaral diz que tentou de tudo, mas não adiantou. Boa parte da turma foi reprovada.
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Seu depoimento mostra como é difícil erradicar a cultura da repetência. Mas esse também não é um obstáculo intransponível. As melhores escolas particulares brasileiras já conseguiram vencê-lo. Elas não reprovam praticamente ninguém. Para isso, contam com a vantagem de receber alunos com uma boa base prévia. O mesmo pode ser feito no ensino público, com investimento em creches e pré-escolas de qualidade. As pesquisas mostram que é da infância que vêm a motivação para aprender e as primeiras habilidades cognitivas.
Investir na pré-escola é uma medida de longo prazo. Mas há estudos e experiências que mostram o que fazer para quem já está atrasado: avaliação e reforço escolar. O professor deve diagnosticar rapidamente que alunos não estão aprendendo e fazê-los recuperar ao longo do ano o tempo perdido. E, principalmente, não deve repetir o que não funcionou. “Alguns alunos aprendem melhor com exercícios repetidos, outros com uma lousa organizada, outros trabalhando em grupo”, diz Priscilla, do Todos Pela Educação. “O que não adianta é fazer a criança passar de novo pelo mesmo processo que já não deu certo uma vez.”

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