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9.04.2012

Exames desnecessários: médicos despreparados


Exames demais: o risco de pecar pelo excesso

Número de exames e cirurgias aumenta progressivamente e levanta debate sobre prescrições desnecessárias

RIO - Em tempo de rápidos avanços tecnológicos, para tudo parece haver um novo exame, uma nova droga ou um nova cirurgia que resolva qualquer doença. A tendência é pensar que pecar pelo excesso é ter a certeza de que todas as chances de sucesso foram testadas. Mas este comportamento, que tem aumentado o número de prescrições, pode trazer riscos ao paciente, exposto a exames e procedimentos invasivos e, muitas vezes, desnecessários.Para se ter ideia, o Instituto do Coração da UFRJ compilou dados do Datasus 2011 referentes a exames e procedimentos cardíacos, e os números são alarmantes. Em dez anos, houve aumento de 500% das coronariografias (exame das artérias coronárias), chegando a 120 mil em 2010. No estado do Rio, a situação é mais preocupante: o crescimento foi de 800% em sete anos, atingindo 9 mil prescrições. Já a angioplastia (cirurgia de desobstrução da artéria) cresceu 55% em cinco anos no Brasil, e chegou a 56 mil em 2010. O aumento no estado foi de 100%, e agora registra 3,8 mil.
Enquanto isto, a taxa de coronariografias normais no Brasil é de 60%. Segundo o diretor do Instituto do Coração da UFRJ, o professor de cardiologia Nelson Souza Silva, o índice aceitável seria de 15%. Ou seja, estão sendo prescritos mais exames do que o adequado.
— Há 20 anos, o índice era de 15%, porque o médico era mais cuidadoso. Hoje, os exames e os procedimentos estão muito mais à mão, mas seu uso abusivo é maléfico. Exercício físico e dieta ainda são as melhores prescrições — afirma Souza Silva, que citou o exemplo do stent cardíaco. — A última revisão sistemática apontou não haver redução de mortalidade e, mesmo assim, foram feitas mais de 1 milhão de aplicações nos Estados Unidos. O procedimento tem risco de morte de 1,5%.
'Overtreatment' preocupa outros países
A tendência é mundial. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabeleceu um ranking de seus 35 países membros sobre o índice de realização de angioplastias por 100 mil habitantes em 2011. A Alemanha está em primeiro, com 582; seguido por Bélgica (427) e Estados Unidos (377). Na comparação com o ano 2000, dos 35 membros, apenas dois tiveram diminuição de cirurgias (de apenas 1,2%), os demais chegaram a quase 15% de acréscimo.
Esses números têm assustado entidades de saúde de alguns países, e o chamado “overtreatment” já é um assunto preocupante. Em junho, um chamamento público da Universidade Bond, da Austrália, divulgado no “British Medical Journal”, convocou especialistas de todo o mundo para uma conferência sobre o problema, que deverá ser realizada no ano que vem nos Estados Unidos. Em abril, um grupo de sociedades médicas americanas publicou uma lista questionando a prescrição excessiva de alguns exames, como tomografia computadorizada cerebral, raio-X e ressonância magnética, que expõe o paciente à radiação.
Além disso, no início deste mês, a gigante rede particular HCA foi denunciada nos EUA porque alguns de seus médicos tinham um esquema para realizar, sem necessidade, cirurgias cardíacas em pacientes.
No Brasil, a discussão ainda engatinha. O professor Souza Silva, por exemplo, criticou a falta de dados referentes ao tema em órgãos de saúde, e diz que a própria UFRJ levantou as informações. A Agência Nacional de Saúde (ANS) diz ter um “rol de procedimentos”, uma espécie de boas práticas de médicos e operadoras; quando recebe reclamações relativas à questão, as encaminha aos conselhos de medicina. O Conselho Federal diz que pune seus associados (em última instância) com base no código de ética, mas não sabe informar o número de autuações.
— Há a instalação de sindicância para investigar os indícios. As penas previstas em lei vão desde uma advertência confidencial até a cassação do exercício profissional — explicou o vice-presidente, Carlos Vital Corrêa Lima.
Os casos mais graves podem ser levados à Justiça comum, e geralmente recaem em “erro médico”. Numa pesquisa no Tribunal de Justiça do Rio, O GLOBO encontrou cinco processos relativos à prescrição de procedimentos cirúrgicos injustificados desde 2006. No mais recente, deste mês, uma paciente da Casa de Caridade de Araruama, no Estado do Rio, recebeu indenização de R$ 25 mil por ter sido diagnosticada com gravidez tubária e submetida a intervenção cirúrgica, enquanto, na verdade, tinha endometriose, o que poderia ter sido tratado com medicamento.
Para o diretor da Clínica São Vicente, Luiz Roberto Londres, o excesso de exames e procedimentos está relacionado à má qualidade do ensino:
— A formação do médico está caindo. Uma consulta tem três partes: conversa, exame físico e prescrição de exames. Uma simples conversa de um médico bem preparado leva a 90% dos diagnósticos. Depois, há alguns exames, mas que são complementares.
Desde 2007, o Ministério da Educação informou ter retirado 1.100 vagas dos cursos de medicina de 31 instituições, por estas não terem preenchido os requisitos mínimos.
Também coordenador do Núcleo de Avaliação Tecnológica em Saúde, Nelson Souza e Silva diz que o cerco da indústria farmacêutica é outro fator que leva às práticas abusivas.
— A tecnologia aumenta a qualidade de vida. Mas muitos produtos vêm sem embasamento, e pior, há estudos manipulados. Fora o assédio aos médicos, que recebem vantagens pelas prescrições. Isto é corrupção — alerta.

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