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9.24.2012

Excesso de exames: Tormento em vez de alívio


Cresce o número de especialistas e entidades que defendem menos exames e procedimentos para câncer


Diagnóstico e opções de combate aos tumores malignos, apesar dos avanços tecnológicos, ainda estão aquém da necessidade dos pacientes
Foto: Simone Marinho
Diagnóstico e opções de combate aos tumores malignos, apesar dos avanços tecnológicos, ainda estão aquém da necessidade dos pacientes Simone Marinho
São mais de 200 tipos de câncer e um número também enorme de tratamentos contra a doença, que causa temor em dez entre dez pacientes e em seus familiares. Mas o diagnóstico e as opções de combate aos tumores malignos, apesar dos avanços tecnológicos, ainda estão aquém da necessidade, e por isso, geram polêmica entre cientistas e médicos. Não há consenso, mas um grupo crescente de especialistas e entidades critica a confusão entre diagnóstico precoce e excesso de exames, cirurgias e quimioterapia — procedimentos que podem ser tão prejudiciais quanto a própria enfermidade, cuja incidência aumenta no Brasil a cada ano.
Recomendações da U.S. Preventive Services Task Force — força-tarefa independente de especialistas dos EUA — sobre o rastreamento de alguns tipos de câncer suscitam controvérsias. Ela já se posicionou contra a realização do PSA (um dos indicadores do câncer de próstata) e da mamografia para mulheres antes dos 50 anos, exames geralmente prescritos para a população saudável, como forma de redução de mortalidade. Na última semana, ela também criticou o rastreamento com CA-125 e ultrassonografia transvaginal para detecção do câncer de ovário. Segundo o grupo, a prática não tem cumprido o papel de reduzir mortes e ainda tem trazido mais danos que benefícios a pessoas que passam pela triagem mesmo sem sintomas.
O argumento é seguido por outras associações e estudos de universidades, como a de Harvard. Foi uma equipe desta última que publicou estudo na “Annals of Internal Medicine” sugerindo que a mamografia como exame de rotina pode levar de 15% a 20% de casos diagnóstico errado. Já a revista “International Journal of Gynecologicam Cancer” criticou a prescrição abusiva de quimioterapia para câncer de mama, em casos que poderiam ser tratados apenas com medicamentos menos agressivos.
Quimioterapia pode ser desnecessária
Este foi o caso de Ana Viana, que passou por uma mastectomia (retirada da mama) e seguiu o tratamento quimioterápico para evitar a reincidência do tumor maligno.
— Minha esposa teve o seio direito retirado, junto com toda a sua vaidade — relata o marido, João Viana, que, inconformado, investigou a doença e chegou a um teste (oncotypedx), só realizado nos EUA, que concluiu pela interrupção da quimioterapia em razão da baixa agressividade do tumor.
— Hoje ela se trata aqui, com pílulas hormonais, sem efeito colateral. Perdeu o seio, mas não a razão. Razão que faltou a mulheres que conheci ou soube que perderam o cabelo, o marido, a família, o emprego e até a vontade de viver — diz Viana, que reivindicou a introdução do teste na rede pública.
No caso do câncer de próstata, a American Society of Clinical Oncology recentemente orientou médicos a discutir a necessidade do PSA com seus pacientes, aconselhando o exame àqueles com expectativa de vida de pelo menos dez anos. Periódicos científicos, como o “Journal of American Medical Association” (Jama), o “New England Journal of Medicine” e o “Journal of National Cancer Institute” também ressaltam a necessidade de se estudar melhor cada caso.
A principal alegação é o diagnóstico falso-positivo, já que os altos níveis de PSA podem estar atrelados a outros fatores, como aumento da próstata, idade avançada, ejaculação precoce, medicamentos (como testosterona), entre outros. Além disso, ele pode levar a biópsias e cirurgias desnecessárias, inclusive porque alguns tipos de câncer de próstata não são agressivos ao ponto de precisarem ser removidos. Além dos riscos de complicações cirúrgicas, a retirada do tumor pode levar à incontinência urinária (2%) e à impotência (de 20% a 50% dos casos).
Avaliar caso a caso, defende Inca
Diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Luiz Antonio Santini ressalta que o rastreamento de tumores malignos não tem levado à redução de mortes. Com base no Datasus, ele aponta que a mortalidade do câncer de próstata no Brasil aumentou 70% na última década, passando de 7.490 para 12.778 casos entre 2000 e 2010. Enquanto isto, a realização do exame de PSA também cresceu: de 2.611.259, em 2008, para 3.994.201, em 2011. Já a realização de mamografias saltou de 1.062.702, em 2009, para 3.560.007, em 2011, mas a mortalidade por câncer de mama foi de 8.393 casos, em 2000, para 12.853, em 2010 (aumento de 53%).
— O câncer é uma doença que, para a maioria dos tipos, dado o tempo que leva para se desenvolver, oferece uma oportunidade de ser detectado precocemente, e isto é ótimo. Só que a maioria dos meios até agora existentes não são capazes de fazer isso — avalia Santini.
O diretor-geral do Inca defende o rastreamento do câncer de mama a partir dos 50 anos (e não dos 40, como algumas entidades preconizam) e que os pacientes homens sejam avaliados individualmente:
— Não existe uma forma universal, é caso a caso. Todos nós gostaríamos muito que tivesse esta possibilidade (de padronizar as diretrizes), só que a ciência ainda não oferece isso — diz Santini, que cobrou diagnóstico antecipado por parte dos médicos. — Hoje, nossos dados mostram que os pacientes ainda chegam ao sistema de saúde em fase muito avançada de câncer, então, o diagnóstico não é satisfatório.
Sociedades cobram rastreamento
Já as sociedades brasileiras de Urologia e de Mastologia são enfaticamente a favor a triagem dos cânceres de mama e de próstata.
— Com rastreamento, há redução da mortalidade de 25%. Um em cada seis homens terá câncer de próstata, é uma doença caso de saúde pública, um número muito alto para simplesmente falar que não se deve fazer o rastreio — afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Aguinaldo Nardi. — O tratamento desnecessário acontece, mas aí o paciente vai morrer do câncer? Como não se sabe exatamente (como a doença se desenvolve), a gente recomenda o rastreamento.
Presidente da sociedade de mastologia, Carlos Alberto Ruiz defende o rastreamento do câncer da mama a partir dos 40 anos.
— Hoje sabemos que um terço dos cânceres de mama acontece aos 50 anos. Se a proposta é diagnosticar precocemente, tem que se adequar à realidade. O questionamento que se faz é acabar tendo que fazer mais biópsias, operar mulheres que não precisariam, porque não haveria evolução no câncer. Mas quando se fala em impacto, o rastreamento reduz em 35% a mortalidade. Não há nada em termos de tratamento mais eficiente que o diagnóstico precoce, a possibilidade de cura chega a 95% — assegura Ruiz.
O Globo

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