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10.31.2012

Como Haddad quer governar São Paulo

Os planos do prefeito eleito para a maior cidade do Brasil – e o que ele diz ter aprendido na campanha em que começou como azarão

Sou Lula e Dilma de carteirinha

Vida Urbana - - 31/10/2012

RETOQUE O novo corte de cabelo, o figurino mais jovial e até o jeito de falar, menos empolado, foram sugestões do marqueteiro João Santana. Haddad seguiu a cartilha à risca

“Fui eleito pelo sentimento de mudança que domina a alma do povo de São Paulo”, afirmou Fernando Haddad em seu primeiro discurso após a vitória. “Ser eleito pela força da mudança significa não ter tempo a perder.”

Foi cantando, batendo palmas, e agradecendo aos eleitores, a Lula, a Dilma, aos aliados e aos adversários, que Fernando Haddad, de 49 anos, se apresentou como o escolhido dos paulistanos. Ele prometeu derrubar o “muro da vergonha” que torna São Paulo tão desigual. Eram pouco mais de 8 da noite do domingo e sua vitória nas urnas acabara de ser confirmada. Algo improvável poucos meses atrás.
Na primeira pesquisa de intenção de voto com os nomes de Haddad e José Serra, divulgada pelo Datafolha em 3 de março, ele aparecia com 3% das preferências, num desanimador sétimo lugar, atrás de Serra (30%), Celso Russomanno (19%), Netinho de Paula (10%), Paulinho da Força (8%), Gabriel Chalita (7%) e Soninha Francine (7%). “Parecia que o mundo ia acabar”, diz Haddad. No final de julho, com a campanha já em curso e após a saída de Netinho, cujo partido abriu mão da disputa para se aliar ao PT, o cenário era outro. Numa nova enquete do Datafolha, Haddad aparecia em terceiro, com 7% das intenções de voto, empatado com Soninha. Ainda assim, incapaz de ameaçar a vantagem de Serra e de Russomanno, com 30 e 26 pontos percentuais e favoritos a disputar o segundo turno.
COM OS ALIADOS O petista Fernando Haddad (com o microfone) comemora a vitória na Avenida Paulista. Ele dividiu o palanque com companheiros de partido, a mulher (Ana Estela, à dir.), e a vice Nádia Campeão, do PCdoB (à esq.)
Foi notável a transformação de Haddad no decorrer da campanha. Seu desconforto diante da experiência inédita de disputar uma eleição era evidente nas primeiras entrevistas. Foi com inegável acabrunhamento que ele conversou, em maio, com a repórter Fernanda Nascimento, de Época SÃO PAULO. Questionado sobre qual seria sua primeira atitude como prefeito, Haddad levou dois minutos – com sucessivas gaguejadas – para responder com um vago “formar a equipe”. Repetimos a pergunta no final de outubro, depois do primeiro turno. Dessa vez, a resposta estava na ponta da língua.
A desenvoltura foi moldada na prática. Desde que se lançou candidato, Haddad deu cerca de 50 entrevistas individuais e concedeu mais de 120 coletivas. Também participou de 20 programas de televisão e debates com outros candidatos – além, é claro, de gastar sola de sapato para se apresentar a milhares de eleitores. “A campanha me fez perder a timidez”, afirma. “A vida de ministro era muito diferente. Pouca gente me conhecia. E as pessoas que sabiam quem eu era dificilmente me abordavam na rua.”
Sua fala também mudou. Orientado pelo marqueteiro João Santana, Haddad se esforçou para deixar de lado o linguajar pomposo adquirido na Universidade de São Paulo, onde se graduou em Direito, fez mestrado em economia, doutorado em filosofia e deu aulas de ciências políticas. Vez ou outra, ele ainda solta expressões como “debate com clivagem partidária”. Santana incentivou-o também a perder peso (recuperado ao longo da campanha), a mudar o corte de cabelo e a usar roupas mais joviais.
Ungido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Haddad emerge da disputa como uma nova estrela do PT. Sua ascensão coincide com a derrocada de líderes históricos do partido, como José Dirceu e José Genoino, condenados por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal no caso do mensalão. Sobre o crime que levou seus companheiros à condenação, Haddad é lacônico: “Isso se refere a algo que aconteceu em 2005”. Outro tema que evita – e lhe tomará boa parte das próximas semanas – é a definição dos nomes de sua equipe de governo. Vitorioso nas urnas, Haddad precisará deles para administrar uma das maiores cidades do planeta. A seguir, Haddad fala de suas prioridades, faz promessas e tenta definir como pretende superar os desafios de São Paulo. Leia mais sobre os desafios que aguardam o prefeito eleito na nova edição de Época SÃO PAULO que chega às bancas na sexta-feira (02/11).

“Vou continuar a investir no metrô. Mas gostaria de participar do planejamento da rede e influir na definição dos trechos prioritários. O metrô é estratégico para a cidade” 
Haddad teve um encontro de 45 minutos com a presidente Dilma Rousseff no primeiro dia após o resultado da eleição: agenda de transição e parcerias
Quais serão suas primeiras medidas ao assumir o governo?
Determinar a localização e a desapropriação de terrenos para construir os três hospitais prometidos pela gestão atual e as 172 creches para as quais deixei dinheiro reservado quando era ministro da Educação. Essa verba não foi acionada pela prefeitura por capricho. Com isso, diminuirei o déficit de vagas em creches em um terço. Mas ainda será preciso investir recursos municipais e estabelecer parcerias com os governos estadual e federal e com a comunidade para acabar com o problema.

Um levantamento recente mostra que a violência é o segundo maior incômodo dos paulistanos. As polícias Civil e Militar são do governo estadual. De que forma a prefeitura pode atuar?
Empurrar a responsabilidade para os outros não é uma boa política. Quatro iniciativas podem fazer diferença. A primeira é garantir não só iluminação, mas calçamento e muramento. A cidade tem de estar em ordem, para que os cidadãos se sintam convidados a circular por ela dia e noite. A segunda medida é investir em polícia comunitária. Diferentemente da Civil e da Militar, ela permanece nos bairros e conhece os moradores. Isso garante outro tipo de abordagem. A Operação Delegada (que permite a PMs trabalhar para a prefeitura nas horas vagas) pode assumir esse papel. Outra estratégia é integrar os sistemas de vigilância para criar um painel de controle permanente do que acontece na cidade, sobretudo em regiões violentas. Por fim, é preciso criar novas políticas sociais, voltadas sobretudo para a juventude, como educação profissional, tratamento adequado aos usuários de drogas e geração de empregos. Tudo isso complementa as ações das polícias Civil e Militar.

Que nota o senhor dá à gestão atual?
Dou 3,6. Porque, segundo o próprio prefeito Gilberto Kassab, só 36% de suas promessas, listadas no plano de metas, foram cumpridas [o índice atualizado é 42%]. E olha que estou sendo condescendente. Do meu ponto de vista, muitas metas que ele diz ter cumprido nem começaram a ser postas em prática.

O senhor critica a gestão Kassab, mas sua campanha cogitou o apoio dele…
Foi o Kassab quem cogitou uma aliança conosco. O aceno a essa possibilidade foi muito ruim. O PT teria dificuldade em firmar essa aliança, pois nossa plataforma é de mudança.

Fernando Haddad: a mesma base de partidos aliados do governo federal deve se replicar em São Paulo
A cidade não melhorou em nada nos últimos anos?
O Brasil progrediu. Quando digo que a evolução em São Paulo é notável da porta para dentro das casas, é porque o governo federal produziu um crescimento robusto de geração de empregos nos últimos dez anos. Não há mais desemprego crônico no município. Mas não dá para dizer que a prefeitura foi bem administrada. Fui a todos os bairros e asseguro: o povo está sofrendo, em grande medida desnecessariamente. Na área de urbanização de favelas, alguns projetos positivos saíram do papel.

Que exemplos podem ser citados?
O Programa Manancial (voltado à proteção das nascentes das represas Billings e Guarapiranga, na Zona Sul), os projetos de urbanização das favelas Heliópolis e Paraisópolis (as maiores da cidade)… Alguma coisa aconteceu. São projetos que provam que parcerias com o governo federal são bem-vindas. Infelizmente, muitas oportunidades em outras áreas, como a saúde, foram perdidas.

A Lei Cidade Limpa, premiada internacionalmente, foi um avanço?
Foi importante, mas se esgotou. Foi um rompante que repercutiu bem, mas sem desdobramentos. Ninguém olha hoje para São Paulo com orgulho das calçadas, da iluminação, do asfalto, do estado das praças e dos parques. O layout da cidade poderia ser repensado. Os grandes centros comerciais, como Brás, Bom Retiro e Santa Ifigênia, que recebem visitantes do Brasil inteiro, poderiam ter sido repaginados. Embora muito importante, o turismo de negócios aqui é pouco acolhedor. Ele não existiria sem o esforço do empresariado, porque a prefeitura não ajuda muito.

Haddad, ao lado da família 

Hadd considera a Marta a melhor prefeita que São Paulo já teve.

Seu programa prevê 150 quilômetros de corredores de ônibus e um Bilhete Único mensal. Bastará para convencer os paulistanos a deixar o carro na garagem e aderir ao transporte público?
Também investirei no metrô. Mas gostaria de participar do planejamento da rede e de influir na definição dos trechos prioritários, para os quais irá o dinheiro. O metrô é estratégico para a cidade. Para fortalecer nossa candidatura a sede da Exposição Mundial de 2020, é importante construir as estações Lapa, Cerro Corá e Pirituba. Quero saber se o governo estadual concorda com essas prioridades e com a antecipação de cronograma que estou sugerindo.

Arco do futuro é o nome de um projeto previsto no seu plano de governo para estimular o desenvolvimento, em longo prazo, de regiões periféricas. Como garantir que saia do papel mesmo que seu sucessor seja de outro partido? 
O jeito é incluir o arco do futuro no Plano Diretor, com novas leis tributárias e de zoneamento, que favoreçam a instalação de empresas em bairros que, hoje, só servem como dormitórios. Não dá para aceitar que haja poucas oportunidades de trabalho ao longo de uma avenida como a Cupecê, na Zona Sul, com quatro faixas de cada lado e um corredor de ônibus intermunicipal. A ocupação territorial precisa ser reorganizada. Tudo se move em direção às seis subprefeituras do centro expandido. É um modelo insustentável. Com o arco do futuro, pretendo aproximar o emprego da moradia da população e reduzir os deslocamentos.

No que esse projeto difere das operações urbanas, criadas com o intuito de adensar e desenvolver certas regiões, boa parte na periferia?
O grande problema delas é fazer da cidade uma colcha de retalhos. Na falta de um plano que coordene essas operações, acabamos reforçando um modelo de expansão imobiliária que está próximo do caos. Não vamos mais nos locomoverem São Paulo se algo não for feito para impedir que tudo se concentre em poucos bairros.

Os eleitores paulistanos trocaram 40% dos vereadores da cidade. Foi uma renovação bem maior do que a de quatro anos atrás. Mas a caneta do prefeito pode alterar esse quadro. Algum deles  comporá seu secretariado?
Ainda não me detive sobre essa questão. Só posso afirmar que meu governo será de coalizão, e não petista. É o modelo que o presidente Lula adotou em seu segundo mandato. Preza a divisão de responsabilidades e faz com que todo mundo participe da administração. O que não se pode é abrir mão da competência técnica. Num município com o porte de São Paulo, não dá para aprender durante o trabalho. Precisa vir com alguma bagagem e traquejo com a máquina pública. O trabalho não é fácil.

O PT já governou a cidade duas vezes. Marta, a última prefeita petista, teve grande rejeição e não se reelegeu. O que ela fez de errado?
A Marta assumiu a prefeitura em um momento pós-Pitta. Atuei na Secretaria de Finanças, e a primeira semana de trabalho foi inesquecível. O recurso disponível em caixa na posse era o equivalente a 1% do atual. Não se sabia nem como trabalharíamos até o final da semana. Apesar disso, muita coisa foi feita, como os CEUs e o Bilhete Único. Eu considero a Marta a melhor prefeita que São Paulo já teve.

Seu eleitorado cresceu no período em que líderes históricos do PT foram condenados pelo STF por envolvimento no mensalão. Qual sua posição sobre o caso?
O que está acontecendo agora é o desdobramento de algo que ocorreu em 2005. O presidente Lula reorganizou o governo a partir daquele momento e passou a contar com novos colaboradores. Teve êxito, porque o rearranjo promoveu um segundo mandato com praticamente o dobro de aprovação.

O senhor acha que o julgamento poderá levar o partido para outro caminho? Qual o futuro do PT?
Tomei a decisão de disputar esta eleição. Vi oportunidade de contribuir com um projeto político que está dando certo no Brasil. É sincero da minha parte dizer que São Paulo pode viver dias melhores. Tenho a convicção plena de que isso é possível. E minha experiência acumulada fará diferença. O desdobramento político disso…

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