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12.25.2012

A batalha de Hilma

Por que o desfecho da história da ex-jogadora de vôlei, que disputa a guarda do filho com o ex-marido americano, pode ser diferente do caso do menino Sean, obrigado, pela Justiça, a viver com o pai nos Estados Unidos Solange Azevedo DECEPÇÃO Birotte se hospedou na casa de amigos, no Rio, com a esperança de rever o filho. Não conseguiu Mineira de Diamantina, terra de Juscelino Kubitschek e Xica da Silva, Hilma Caldeira enfrentou uma porção de batalhas na vida. Tornou-se jogadora de vôlei aos 15 anos e logo cresceu no esporte. Em uma década e meia de carreira, se mostrou uma das melhores pontas de rede do País e acumulou duas dezenas de títulos no Brasil e no Exterior. Com a seleção de Bernardinho, conquistou o bronze olímpico em 1996. Mas os dias de atleta (e glória) ficaram para trás. A atual disputa de Hilma ocorre nos tribunais. Ela e o ex-marido, o chef de cozinha americano Kelvin Birotte, brigam pela guarda do filho – um menininho de 4 anos e oito meses, sorriso fácil, que adora jogar basquete e futebol. Na quinta-feira 29, Hilma obteve uma vitória importante no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A corte revogou uma decisão da Justiça Federal de Minas que determinava o retorno imediato da criança aos Estados Unidos. A peleja de Hilma, 38 anos, e Birotte, 43, tem episódios que lembram um embate que o mundo acompanhou recentemente e que se transformou num marco jurídico nacional: o caso do garoto Sean, 9 anos, filho do americano David Goldman e da brasileira Bruna Bianchi. Assim como Bruna, Hilma se casou com um estrangeiro e deu à luz nos Estados Unidos. Assim como Hilma, Bruna viajou para o Brasil com o filho e, por telefone, pediu a separação. Ao reter os filhos no País sem a autorização dos cônjuges, as mães violaram a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, assinada em Haia, na Holanda. Um acordo – do qual o Brasil, os Estados Unidos e outras cerca de 80 nações são signatários – que determina a “devolução” de menores nessas condições aos seus países de residência habitual e define que é a Justiça desses países o foro competente para decidir questões de guarda. As semelhanças entre as duas histórias param por aí. Bruna construiu outra família, teve uma filha e morreu em decorrência de complicações no parto. Seu novo marido, um advogado de linhagem influente, usou o argumento da paternidade afetiva e entrou na briga pela guarda do enteado junto com os avós maternos. Goldman só conseguiu levar o filho para os Estados Unidos em dezembro de 2009, depois de cinco anos e meio, quando a discussão alcançou a esfera política e até a secretária de Estado Hillary Clinton se envolveu na polêmica. Hilma está bem, viva, continua solteira e o seu único oponente é o ex-marido. “Amo o meu filho, meu único filho. Os meses que vivemos juntos foram muito felizes. Eu o segurava nos braços e cantava: ‘Você é o meu anjo, você é o meu anjo’”, disse Birotte à ISTOÉ. “Vou continuar lutando por ele.” A defesa de Hilma teme que, a exemplo do caso Sean, a ação ganhe contornos inesperados. “Vamos fazer de tudo para manter o processo apenas na esfera jurídica porque, na política, os Estados Unidos são mais fortes”, afirma Gilberto Guimarães, advogado da exatleta. No ano passado, o Senado americano ameaçou suspender um projeto de isenção tarifária a produtos brasileiros em retaliação à decisão do STF de manter Sean no País. Embora a disputa entre Hilma e Birotte se arraste desde 2006, quando ela saiu com o filho do Texas para visitar familiares no Brasil e nunca mais voltou, só eclodiu agora por causa do risco de repatriação do menino. Hilma vive com o filho num apartamento de classe média na capital mineira. Ele é uma criança aparentemente saudável, aluno de uma escola particular e pratica esportes com regularidade. Para o STJ, indícios de que está inserido “em ambiente que lhe assegura, com absoluta prioridade, nos termos do art. 4º do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a efetivação dos direitos referentes à vida plena, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, escreveu a ministra Nancy Aldrighi no veredicto. “Se o menino fosse mandado para os Estados Unidos, sofreria prejuízos psíquicos”, alega o advogado Guimarães. Nos últimos sete anos, a Autoridade Central Administrativa Federal – órgão ligado à Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) – atuou em 341 supostos sequestros internacionais de crianças e adolescentes. Em 72% dos casos, autoridades estrangeiras pediam a repatriação de menores. Nos outros 28% foi o Brasil quem pleiteou o retorno (leia quadro abaixo). Segundo a SDH, por força da Convenção de Haia, o Brasil já encaminhou 69 crianças ao exterior e recebeu 27 de volta desde 2003. Há cerca de 120 processos em andamento atualmente. Pelas estatísticas, um de cada três casos é resolvido. Os outros, em geral, são encerrados por motivos como desistência das partes ou por não se enquadrar na convenção. Como todo tratado, o de Haia tem exceções e abre brechas para interpretações divergentes. Enquanto um dos artigos prega o retorno imediato da criança ao país de residência habitual, outro anula essa regra se for provado que ela “já se encontra integrada no seu novo ambiente”. Num País como o Brasil, em que ações empoeiram nos escaninhos da Justiça, essa “integração” pode ocorrer com o simples passar do tempo. Por que, então, a guarda de Sean foi dada ao pai americano? O garoto viveu anos no Rio de Janeiro e parecia feliz com os avós e o padrasto. “Além da morte da mãe, um dos fatores decisivos foi a postura da família no Brasil”, diz Ricardo Cabezón, presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (Seção de São Paulo). “A Justiça entendeu que Sean foi vítima da síndrome da alienação parental (quando a criança é instada a odiar um dos genitores – no caso, Goldman) e decidiu dar uma chance ao pai”, acredita Cabezón. “A tendência do Judiciário, seja o brasileiro, seja o americano, é conceder a guarda a quem tem mais condições de atender aos interesses da criança – independentemente do local de nascimento dela”, afirma Suzana Cremasco, especialista em direito internacional de família e professora da Universidade Federal de Minas Gerais. Sean já começou a frequentar a escola nos Estados Unidos e a treinar o inglês. O garotinho de Hilma e Birotte, pelo menos por ora, conservará o sotaque mineiro.

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