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1.14.2013

"O que pensar de um pai que bebe todo dia e de uma mãe que usa calmantes?"

Onde queremos chegar com esta divisão entre as drogas “aceitáveis” e as “de bandido”? 

Jornal do BrasilVerônica Barrozo do Amaral*
Quinze por cento da população mundial é formada por dependentes químicos. De acordo com as possibilidades da região o que muda é a oferta do tipo de droga. Seja em países frios ou quentes, ricos ou pobres, industriais ou agrícolas, desenvolvidos ou não, a percentagem de dependentes varia pouco.
Hoje em dia, nos centros urbanos, pequenos ou grandes, em qualquer país do mundo, é muito difícil que um jovem não seja exposto às drogas, cada vez mais variadas e baratas. A curiosidade, o desejo de se igualar a todos, a desinibição que a maioria das drogas causa, a facilidade cada vez maior em conseguir essas substâncias e, principalmente, o prazer inicial que a droga oferece, fazem pensar que muito em breve essa população de dependentes ultrapassará o percentual de 15%.
A população, em geral, aceita o uso, mas não consegue  conviver com quem abusa dos aditivos. A maioria olha para estes dependentes como se eles fossem alienígenas, seres de um outro planeta. Como se eles, ao se drogarem, estivessem fazendo uma coisa muito diferente da maioria.
A sociedade geralmente faz uma grande diferença moral entre o alcoolismo, a dependência à drogas legais como os calmantes e analgésicos e as drogas ilegais; então temos alguns estereótipos como : álcool para os mais velhos, maconha para os bem jovens, crack para os pobres, ecstasy para meninos ricos, calmantes para mulheres e por aí vai. Mas estes estereótipos não correspondem à realidade; muitos usam várias drogas, quase o tempo todo. Enquanto a dependência não aparece é como se o uso que se faz nada tivesse a ver com o abuso que freqüentemente se segue.
Dada a qualidade e poder de intoxicação cada vez maior das novas drogas, o tempo decorrido entre o uso recreativo e o aparecimento de problemas, cada vez diminui mais. Na década de 1960, quando o alcoolismo foi reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde, estimava-se em cerca 20 anos o tempo de progressão do uso de álcool ao abuso e ao colapso da funcionalidade de quem bebia. Havia tempo para que, ou as responsabilidades mudassem, ou a vida melhorasse, ou qualquer outra razão que fizesse o uso diminuir ou até mesmo cessar.
Já nos anos 1970 e 1980 havia uma estimativa para a cocaína de 6 anos de uso até que a vida do usuário entrasse em colapso. Ainda havia tempo útil para que os acontecimentos da vida fizessem essa pessoa mudar e parar de usar. Hoje em dia, com as drogas sintéticas, com o uso simultâneo de substâncias diferentes e principalmente com a idade cada vez menor em que o uso de drogas se inicia, não há mais esse tempo para que as coisas mudem. Em pouco tempo quem usa fica irremediavelmente dependente.
Faz-se necessária uma reflexão. Onde queremos chegar com esta divisão entre as drogas “aceitáveis” e as “de bandido” ? O que pensar de um pai que bebe diariamente ou uma mãe que usa calmantes, laxantes e diuréticos e se preocupam com o que os amigos do filho ensinarão para ele? Ou de uma esposa que passa três horas por dia fazendo exercícios na academia, toma moderadores de apetite e não suporta que o marido fume maconha? Quando veremos que adicção é muito mais do que um adolescente drogado ou um homem embriagado? Quando entenderemos que quando se diz que estão todos no mesmo barco este “todos” é muita gente?
A qualidade e poder das drogas vem se intensificando muito rapidamente e não há mais espaço nem tempo para sermos condescendentes ou para jogarmos areia em nossos próprios olhos.

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