Reinaldo Azevedo - Colunista da revista Veja-
É
uma pena. Como poderia dizer Ronaldinho Gorducho, aquele que perdeu o
pênalti nesta quarta, “quem não faz toma”. Comecei a escrever um texto
ontem afirmando que o anúncio feito pelo primeiro-ministro da Tunísia,
Hamdi Jebali — um gabinete de tecnocratas e dissolução do governo, com
novas eleições — não valia 10 centavos de um dinar tunisiano. E por suas
razões: a) um governo não político, formado de
tecnocratas, é coisa de ditaduras laicas. Como a Tunísia caminha para
ser uma ditadura (branda, moderada…) islâmica, isso seria logicamente
impossível; b) seria a primeira vez que um
primeiro-ministro dissolve o governo tendo maioria no Parlamento (e ele
tem; os islâmicos venceram a eleição), com o mimo adicional de que ele
não estava renunciando; c) sem a concordância do
Ennahda (que é a Irmandade Muçulmana na Tunísia, composta de um monte de
“Eugênios Bucci do Islã” — hehe…), ele não conseguiria realizar o seu
intento; d) uma nova eleição levaria, de novo, a Irmandade ao poder; e) como
a população mais pobre, principal clientela dos radicais, está
decepcionada com o governo, haveria a possibilidade evidente de os
extremistas religiosos ganharem ainda mais espaço.
Isso tudo
já estava elencado num texto iniciado e que acabei deixando no arquivo.
Aí alguém me telefonou, eu mesmo tive de fazer algumas ligações, me deu
vontade de tomar café, perdi-me aqui numa leitura lateral, e acabei
deixando a coisa pra lá. Bem feito! Os fatos acabaram vindo antes do meu
texto. Na mosca! O tal Ennahda não topou a dissolução do governo.
Simples assim. “O primeiro-ministro não perguntou a opinião de seu
partido. Nós, do Ennahda, acreditamos que a Tunísia precisa de um
governo político agora. Vamos continuar as discussões com outros
partidos sobre a formação de um governo de coalizão.” A afirmação é de
Abdelhamid Jelassi, vice-presidente da agremiação.
A imprensa
ocidental, árabe-primavarista de um jeito que deve fazer os próceres da
Irmandade rolar de rir, parece ter achado a solução realmente do
balacobaco. Nem se deu conta de que, embora ela parecesse encantadora,
era autoritária até para os padrões tunisianos de democracia, né? Um
primeiro-ministro não decide sozinho dissolver um governo. Ainda que
venha a fazê-lo, o que se seguirá? Essa história de governo de
tecnocratas é uma ilusão estúpida. Jebali é quem é por causa da
Irmandade; supor que possa ser Jebali sem ela afronta a lógica mais
elementar.
“Ah,
mas qual a solução então?” Sei lá que diabos os tunisianos farão de seu
futuro. Para ser franco, não me atrevo a repetir o procedimento de
muitos analistas, que decidiram se comportar como utopistas do Islã. Eu
não tenho utopias para o islamismo. Eu não tenho prefiguração nenhuma
para uma turma que acredita que o governo dos homens deva se dar segundo
as regras de Deus. “Você, um cristão?” Sim, eu, um cristão, defendo
valores, não que a hierarquia religiosa se meta a governar.
Se
critico, desde a primeira hora, essa tolice de “Primavera Árabe” — uma
invenção, reitero, do Ocidente, não lá deles —, é porque enxergava e
enxergo, SEGUNDO UMA VISÃO DE MUNDO QUE, DE FATO, NÃO É ARABISTA NEM
ISLAMITA (E QUE NEM PRETENDE SÊ-LO), a nova face da tirania, desta feita
empregando instrumentos consagrados pela democracia, como as eleições.
“Ah, então você é contra eleições nos países árabes?” Que burrice! Se
alguém tentasse impor o terror político utilizando métodos científicos,
eu me oporia — e nem por isso seria contra a ciência…
A questão
na Tunísia e nos países que passaram ou passarão pela tal “Primavera” é
de valores. Os grupos que lideram a “luta contra as ditaduras” querem
exatamente o quê? Eu acho que querem governos religiosos, ainda que
supostamente “moderados”. E, por essa razão, não contam com o meu apoio
simbólico ou intelectual (os únicos possíveis).
Desde a
origem, há uma má consciência no Ocidente a respeito desse movimento.
Nove em cada dez analisas começam a se acercar do caso indagando, de
partida, os “erros que cometemos” (as potências ocidentais) com os
árabes. Os EUA, por exemplo, teriam feito uma grande bobagem ao apoiar
ditaduras, impedindo o florescer da democracia… A análise não resiste a
cinco minutos de lógica. Não fossem os tais “ditadores”, compor com
quem? Não existiam nem mesmo esses “moderados” de agora. Eles só
apareceram depois que a Irmandade Muçulmana mudou a sua tática de luta,
não é?
Assim
que eu vir um governo da Irmandade Muçulmana meter na cadeia, para
valer, os radicais islâmicos; assim que eu vir um governo islâmico a
defender — e a reprimir quem se opõe — a liberdade de expressão; assim
que eu vir um governo islâmico garantir direitos iguais para homens,
mulheres, gays e outras minorias; assim que eu vir um governo islâmico
garantir liberdade religiosa; assim que eu vir um governo islâmico
submetido ao estado de direito laico (não religioso), então podem me
apresentar a Primavera! Por enquanto, eu vi Mohamed Mursi, no Egito,
empregando a seu favor violência dos extremistas e trocando beijos com
Mahmoud Ahmadinejad…
“Mas esse
Reinaldo é mesmo um cretino! Um governo assim não seria islâmico!” Ah,
eu sei. Eis a questão. Eu rechaço a delinquência intelectual a que
pertence uma suposta analista como Jocelyne Cesari, aboletada lá em
Harvard, segundo quem a “democracia islâmica” é diferente da nossa. Eu
não sei o que isso quer dizer porque, no fim das contas, as ditaduras
islâmicas também são diferentes das nossas. Cada coisa é o que é segundo
a sua natureza. Para que seja outra coisa, há que se mudar essa
natureza.
Enquanto o
islamismo não for apenas uma religião, sem a ambição de ser poder de
estado, não há solução que conte com a minha simpatia. “Isso é
impossível!” Então tá. O islamismo pode viver bem sem a minha simpatia.
Deixo o entusiasmo com a “Primavera Árabe” para os que acreditam que a
lógica é só uma bobagem de trapaceiros.
Quem não respeita a religião das pessoas não merece respeito.
ResponderExcluirPor onde anda o povo islâmico para pedir explicações a este cidadão (Reinaldo Azevedo) e a Revista Veja que autoriza a publicação de artigos anti-islâmicos
ResponderExcluirEsta figura que trabalha para a revista Veja não respeita a religião islâmica, isto é muito grave.
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