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2.24.2013

Em busca do DNA perfeito

Avanços científicos são mais rápidos que discussão sobre a ética na genética



Advogada mãe de criança com atrofia muscular espinhal fez exame para assegurar que gêmeas não tivessem a anomalia
Foto: Fábio Rossi
Advogada mãe de criança com atrofia muscular espinhal fez exame para assegurar que gêmeas não tivessem a anomalia Fábio Rossi
RIO - "Daqui a 10 ou 15 anos, quando a técnica avançar e se popularizar, ninguém mais vai querer ter filho transando", prevê o médico Márcio Coslovsky, especialista em reprodução humana que faz um exame capaz de detectar anomalias genéticas em um embrião antes da implantação no útero. Não fosse a tecnologia, uma advogada da Zona Sul entrevistada pelo GLOBO teria 25% de chances de ter novamente um filho com diagnóstico de atrofia medular espinhal — doença que impede os movimentos do bebê e, na forma mais grave, dá dois anos de expectativa de vida. Ela deu à luz gêmeas sadias este mês. Mas se a visão do médico já fosse verdade uma ou duas gerações atrás, talvez nunca tivéssemos Ariel Goldemberg, o protagonista de “Colegas”, filme vencedor do Festival de Gramado, estrelado por portadores de Síndrome de Down.
Protesto europeu contra exame
O dilema ético do diagnóstico precoce de doenças impressas no DNA ganhou um novo ingrediente este mês. Se a manipulação de embriões in vitro é vista com ressalvas, o que dizer sobre o teste recém-chegado ao Brasil para detectar, a partir do sangue da mãe, pequenos rastros do DNA do feto já no útero, com nove semanas e resultado com 99% de segurança? A Federação Internacional das Organizações de Síndrome de Down, que reúne 30 associações de 16 países, entrou com uma representação na Corte Europeia de Direitos Humanos para proibir o exame. No julgamento da federação, o exame pode motivar o aborto de crianças com doenças que não são uma sentença de morte, como o Down.
No caso da biópsia de embrião, a estatística estima que em cada quatro embriões de pais com o defeito genético causador da atrofia muscular espinhal, um deve ser descartado com a biópsia. Não foi diferente com a advogada que, para preservar as filhas, preferiu não se identificar.
— Decidimos ter mais um filho para que a responsabilidade de cuidar da mais velha, que tem a doença, não ficasse apenas com a irmã mais nova na ausência dos pais. E recebemos agora uma surpresa, com outras duas filhas — diz a mãe de quatro meninas, que depende de enfermeira 24 horas por dia e suprimento de oxigênio para manter a filha de seis anos, que superou, e muito, a expectativa de vida prevista para o diagnóstico.
Para quem pode pagar entre R$ 5 mil e R$ 6 mil, a biópsia embrionária começa com a fecundação in vitro do óvulo pelo espermatozoide do pai. O zigoto então é cultivado por cinco dias, até que se torne um aglomerado microscópico de células humanas. Algumas delas então são removidas e mandadas para os EUA, onde o DNA é rastreado. Só com o aval de lá é que o embrião daqui ganha o ventre da mãe. O embrião reprovado, a depender do caso, é descartado ou congelado.
— Na lei brasileira, o que não está proibido é permitido. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre os casos de fetos com anencefalia, com permissão de aborto nesses casos — conclui Sandra Franco, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde. — Nossa Lei de Biossegurança é abrangente, mas não é taxativa em relação ao descarte de embriões com anomalias que não levam à morte.
A Lei de Biossegurança é de 2005, quando não havia o exame de sangue que detecta DNA do feto nem biópsias embrionárias capazes de identificar o número de doenças que pode atualmente. Mas uma resolução do Conselho Federal de Medicina estabelece que embriões “excedentes viáveis” devem ser congelados.
— As leis nunca acompanham o desenvolvimento técnico. A lei de biossegurança levou 20 anos para ser aprovada. A biópsia não existe para fazer eugenia, mas se aplicarem um questionário entre as mães, nenhuma vai querer um embrião com anomalia — avalia Coslovski. — Até porque, naturalmente, óvulos com problemas genéticos são os que abortam espontaneamente.
Tanto a biópsia quanto o exame de sangue conseguem detectar anomalias em nossos 23 pares de cromossomos, forma como está disposto o material genético com as instruções químicas para o desenvolvimento da espécie. Não só a Síndrome de Down, quando o par 21 tem três em vez de dois cromossomos, como também a Síndrome de Edwards ou a de Patau, duas doenças que dão dias ou horas de sobrevida ao recém-nascido. A biópsia embrionária pode detectar uma gama ainda maior de doenças de caráter genético, como a hemofilia, a anemia falciforme e a fibrose cística, devido ao desenvolvimento de marcadores químicos — espécie de detectores de genes defeituosos, técnica com mais alcance que a simples análise de cromossomos. Só é indicada para mulheres com mais de 37 anos, histórico familiar de anomalias genéticas ou com sucessivos fracassos em engravidar com reprodução assistida.
Para estágios um pouco mais avançados da gravidez, há outras formas de checar os pares de cromossomos do feto. Com 12 semanas, é possível fazer a biópsia do vilo corial — nome da placenta neste estágio da gravidez — e, a partir da 15ª semana, a amniocentese, em que é retirado uma amostra do líquido amniótico em busca do DNA do feto. Nos dois casos, o exame é invasivo, pois precisa da introdução de uma agulha e oferece, mesmo que pouco, mais risco que as técnicas mais avançadas.
Roberto Sá, presidente da comissão de medicina fetal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, esclarece que os exames invasivos são indicados para mulheres com gravidez de alto risco. O médico conta que a partir da experiência de atendimento de mães que passaram por exames de vilo corial em programa da Universidade Federal Fluminense, a conclusão é que a orientação pós-exame tem poder de reverter uma possível tendência à procura pelo aborto ilegal, em caso de teste positivo para doenças que não são incompatíveis com a vida:
— Na maioria das vezes existe um momento inicial de “luto” que depois acaba evoluindo para o momento de luta, quando o casal busca entender e aceitar o resultado. É importante que o casal receba suporte especializado de uma equipe multidisciplinar.
Gecy Klauck, presidente da federação brasileira de Associações de Síndrome de Down, não tem a visão radical da federação internacional que quer proibir o exame de sangue da mãe com DNA do feto, mas alerta que embriões com doenças que não incapacitam para a vida têm direito de nascer:
— Não somos contra a ciência, mas o exame tem que levar ao melhor tratamento do bebê, o contrário é crime.

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