Marco Feliciano, o homem que desafia o País
Apesar do clamor nacional pela renúncia
do presidente da Comissão de Direitos Humanos, o pastor-deputado e seu
partido, o PSC, ainda resistem, movidos pelo oportunismo político. Para
desistir, agora eles querem cargos no governo
Claudio Dantas Sequeira e Izabelle Torres
Los Angeles (EUA), 1905. Em uma pequena igreja do subúrbio, o
pastor evangélico William Seymor promove conversões em massa, iniciando
o fenômeno que passaria a ser conhecido como avivamento. Belém do
Pará, 1910. Desembarcam no País os pastores suecos Gunnar Vingren e
Daniel Berg com a missão de fundar a Assembleia de Deus, entidade que se
tornaria a maior denominação evangélica do Brasil. Um século depois, em
2010, o engraxate Marco Feliciano aluga uma sala comercial e registra
em cartório sua própria igreja: a “Assembleia de Deus – Catedral do
Avivamento”. Desde então, por meio dela, além de explorar economicamente
a fé alheia, professa o racismo, a homofobia e o machismo. Em suas
pregações, sejam elas no púlpito, sejam no Parlamento ou nas redes
sociais, Feliciano tenta impor o atraso a uma sociedade em inequívoca
evolução, na qual as vozes da intolerância são sufocadas cada vez mais
pelas dos defensores da igualdade entre os homens, independentemente de
cor, raça, gênero, credo e opção sexual. Para piorar, o pastor-deputado,
sem o menor constrangimento, em nome de ideias ultrapassadas com claro
viés autoritário e de conotação desagregadora, profana a memória dos
líderes religiosos que ele mesmo escolheu como patronos. Ao tachar um
negro de pessoa “amaldiçoada por Noé”, Feliciano desrespeita a todos,
incita o ódio e ainda omite de seus fiéis e eleitores que o pastor
Seymor, prócer do avivamento, era afrodescendente e já naquela época
defendia a liderança feminina nas igrejas. Ele também esconde debaixo do
tapete do preconceito e da intolerância que a Suécia, de Vingren e
Berg, mesmo sendo o berço do calvinismo protestante, não vacilou ao
reconhecer no início do século XXI o casamento homossexual e a adoção
por casais gays.
TOLERÂNCIA, JÁ
O deputado Jean Wyllys é uma das principais vozes pela saída de Feliciano
São fatos históricos, mas que o deputado Marco Feliciano
(PSC-SP) preferiu escamotear. Ele dá de ombros aos protestos
contundentes que pedem sua renúncia da presidência da Comissão de
Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Desde que foi indicado para o
posto há quatro semanas, o parlamentar passou a enfrentar protestos
diários que começaram na internet, se espalharam pelas ruas e invadiram o
Congresso Nacional. Um movimento inicialmente organizado por
representantes de grupos negros e homossexuais, mas que ganhou adeptos
por todo o País. Estudantes, intelectuais e artistas famosos, de todo
tipo e todo credo, mostram que a sociedade brasileira não tolera mais
comportamentos intransigentes com as diferenças. É incompreensível,
afinal, que um parlamentar com posições tão retrógradas e alvo de
investigações judiciais esteja à frente de uma Comissão de Direitos
Humanos. A aberração política não decorre só do oportunismo do PSC
(Partido Social Cristão). É fruto também da conivência e do jogo de
pequenos interesses das grandes legendas no órgão legislativo. Esses
partidos – e aí estão incluídos PT, PMDB, PSDB e outros – não podem ser
eximidos da equivocada ascensão de Feliciano ao posto e são
corresponsáveis pelo caos instalado ali.
Ante toda a comoção social, a lógica seria substituir
Feliciano por qualquer outro parlamentar. Mas o jogo político da Câmara é
movido por regras próprias e elas, normalmente, não seguem os
interesses dos eleitores. A tensa reunião de líderes na quarta-feira 27
escancarou esta situação. Ao pedir que o líder do PSC, André Moura (SE),
resolvesse o impasse, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN), ouviu uma resposta atravessada. Moura lembrou que o PSC tem o
direito regimental de indicar quem bem entender e que as outras
legendas, hoje opositoras à indicação de Feliciano, optaram por comandar
outras comissões. O líder do PSC não mentiu. Esta é uma das razões
pelas quais o pastor-deputado, a despeito de todas as pressões e
manifestações País afora, ainda não deixou o cargo de presidente da
Comissão de Direitos Humanos. Concorde-se ou não com a dinâmica – e o
caso Feliciano mostra que ela deveria ser revista para não produzir
novas aberrações –, historicamente, a divisão dos comandos das comissões
permanentes leva em conta a proporcionalidade dos partidos. A depender
do tamanho das bancadas, as legendas ganham a prioridade na escolha dos
colegiados que vão presidir. Dessa forma, os maiores partidos, como PT e
PMDB, saem na frente e comandam mais de uma comissão. Por anos, os
petistas optaram pela Comissão de Direitos Humanos, alegando afinidade
da legenda com as causas sociais. Este ano, porém, o PT preferiu a
Comissão de Seguridade Social e Família e as importantes comissões de
Constituição e Justiça e de Relações Exteriores. “O PT abriu mão da
comissão e ela nos foi oferecida. Nosso direito é indicar o presidente e
o dever dos outros partidos é nos respeitar”, resume o líder do PSC.
Pode soar como um absurdo, mas, pelas regras estabelecidas na Casa, nem
mesmo o presidente da Câmara tem poder para destituir Feliciano do
cargo. A Alves e aos demais líderes resta apenas a prerrogativa de
apelar ao PSC pelo bom-senso, que se expressaria na substituição de
Feliciano para permitir a retomada dos trabalhos pela comissão. Não tem
sido, no entanto, uma tarefa fácil. “O diálogo está cada dia mais
difícil. Regimentalmente, não há como solucionar o impasse
imediatamente. E nos parece que os integrantes do PSC não querem ouvir
os apelos”, lamenta o líder do PSOL, Ivan Valente (SP).
TUMULTO E PRISÃO
O manifestante Marcelo Régis invade a Comissão de Direitos Humanos
na quarta-feira 27 e é detido pela Polícia Legislativa
Por trás da manutenção de Feliciano também há o velho e
surrado oportunismo político orientado por uma lógica eleitoral.
Inegavelmente, o PSC – legenda de pequeno porte composta por apenas 16
deputados – foi alçado à ribalta política a partir da superexposição do
pastor-deputado. Os louros, seus dirigentes pretendem colher nas
eleições de 2014. Membro da bancada evangélica e comentarista político
da Rádio Melodia FM, no Rio de Janeiro, o deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) vaticina: “Ele não renunciará.”
O peemedebista, profundo conhecedor dos meandros da
política, explica: manter o pastor significa dividendos políticos. “Se
ele renunciar, não se reelege nunca mais. Se ficar, se reelege com 1
milhão de votos sem sair de casa”, sustenta Cunha. Antes mesmo das
eleições, no entanto, o PSC já pensa em faturar politicamente. Na última
semana, ao se despedir da bancada, o vice-presidente da legenda, pastor
Everaldo Pereira, disse sorridente: “Acho que agora vão nos convidar
para o banquete!”. Everaldo passou a reunião explicando que “nunca antes
o PSC tivera tamanha visibilidade” e que agora o governo sabia da sua
existência e importância. O banquete a que se referiu nada mais é do que
a divisão de cargos no governo. O pequeno partido compõe a base da
presidenta Dilma Rousseff, mas até agora não teve direito de indicar
ministros ou funcionários de primeiro e segundo escalões. Agora,
sente-se no direito de pleitear espaço no consórcio governista.
BEIJAÇO E MANIFESTAÇÃO NO RIO
Ato contra Feliciano reuniu artistas na sede da ABI. Em protesto contra o preconceito,
a atriz Fernanda Montenegro beijou a colega Camila Amado diante das câmeras
Na campanha eleitoral de 2010, argumentam os principais
líderes do PSC, o apoio da legenda ajudou Dilma a conseguir os votos
dos evangélicos, mesmo depois de suas declarações polêmicas sobre o
aborto. Apesar da alardeada fidelidade, a bancada tem se queixado da
dificuldade para ser recebida por ministros, por exemplo. “Apoiamos a
campanha e hoje somos um aliado fiel que não tem cargos. Somos maiores
do que outros partidos mais consolidados, como PCdoB e PV. Mas que nunca
teve direito a muita coisa”, disse o pastor Everaldo Pereira à ISTOÉ.
Não se sabe se as reivindicações serão atendidas, na esteira das
peripécias do seu mais ilustre parlamentar, o deputado-pastor Marco
Feliciano. Mas no PSC paira uma certeza. O espaço na mídia e no mundo
político conquistado pelo partido no último mês nunca mais será o mesmo.
Antes desconhecido e com tempo escasso de propaganda eleitoral, o
partido tem pregado seu fundamentalismo cristão e conservador nos
corredores do Congresso e nas reuniões. A avaliação do partido é que a
polêmica também beneficia o próprio Feliciano, que atrai a curiosidade
de mais fiéis – e potenciais eleitores – a seus templos. Hoje, a
“Catedral do Avivamento” possui 13 unidades espalhadas em São Paulo. O
número de downloads de CDs e DVDs, como “Caçadores de Jumenta”, quase
dobrou em março. Até pouco tempo atrás, Feliciano era um deputado
desconhecido, eleito com pouco mais de 200 mil votos e candidato a
permanecer no anonimato legislativo pelos próximos dois anos. Agora, ele
aproveita a onda de notoriedade e se movimenta em todas as frentes. De
olho na popularidade, resolveu até se apresentar como negociador da
liberdade dos torcedores do Corinthians presos na Bolívia.
Apesar de o PSC e Feliciano se ancorarem no regimento da
Câmara e na oportunidade político-eleitoral para não largar a Comissão
de Direitos Humanos, mesmo diante do clamor popular pela renúncia, a
batalha ainda não está encerrada. Depois da Páscoa, o presidente da
Câmara, Henrique Alves, pretende convocar Feliciano para uma reunião com
a presença de todos os líderes de partido. Assim, espera ampliar a
pressão pela renúncia. Em paralelo, ainda existe a ameaça de um processo
por quebra de decoro no Conselho de Ética. A assessoria jurídica do
PSOL está analisando as denúncias publicadas por ISTOÉ, indicando que o
deputado-pastor escondeu da Justiça Eleitoral que era dono de empresas,
entre elas um consórcio de imóveis que ele próprio induzia fiéis a
comprar durante sermões em seu programa de tevê. Marco Feliciano também é
acusado de contratar funcionários fantasmas e responde na Justiça por
estelionato e homofobia.
Montagem sobre foto: Adriano Machado/Ag.Istoé
Fotos: ED FERREIRA/ESTADãO; Levi Bianco/Brazil Photo Press/Folhapress;
Givaldo Barbosa/Ag. O Globo; FABIO MOTTA/ESTADãO CONTEúDO; Pedro Kirilos
/Agencia O Globo
É um ex-homofóbico. Acaba de sair do armário e pedir o pastor Malafaia em casamento, tendo como padrinho Jair Bolsonaro.
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