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6.06.2013

Foto entregue à Comissão da Verdade revela ‘Herzog gaúcho’: Estrangulamento e não enforcamento

Segundo versão do regime militar, militante Ângelo Cardoso da Silva se enforcou.

Além de covardes são burros 

Evandro Éboli



Foto inédita do ex-taxista e militante político do M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara) Ângelo Cardoso da Silva
Foto: Reprodução


Foto inédita do ex-taxista e militante político do M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara) Ângelo Cardoso da Silva Reprodução

BRASÍLIA - Documentos encontrados nos arquivos da Justiça do Rio Grande do Sul, entregues agora à Comissão Nacional de Verdade, poderão derrubar mais uma versão oficial de suicídio cometido por militante de esquerda durante a ditadura. O ex-taxista e militante do grupo M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara) Ângelo Cardoso da Silva morreu em 22 de abril de 1970. Ele foi encontrado enforcado com um lençol no basculante da janela do banheiro de sua cela, cuja altura é de apenas 1,30 metro do chão, no Presídio Central de Porto Alegre (RS). A versão oficial diz que se matou, mas fotos inéditas de Ângelo morto apontam para homicídio.
Em 2011, dois estagiários de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado — Graziane Righi e Davi Santos — localizaram o inquérito da época, com as fotos, numa seleção de papelada que seguiria para o lixo. Aprofundaram-se no caso, apresentado depois na faculdade como “o Herzog gaúcho”, dada a similaridade das circunstâncias da morte de Ângelo com a do jornalista Vladimir Herzog, que na História contada pela ditadura enforcou-se.
Estrangulamento, não enforcamento
No trabalho, os dois consultaram o legista Hélio Antonio Rossi de Castro, que concluiu que Ângelo morreu asfixiado, sim, mas não se matou. Morreu estrangulado, e não enforcado. Com base nas fotos e na necropsia realizada em 1970, o legista percebeu que não havia nós entre as extremidades do lençol, que seria necessário para a vítima ter se matado. Para Castro, a morte de Ângelo não decorreu por força da gravidade. “Apenas uma força externa contínua e adequadamente aplicada sobre ambas as porções do lençol, que estavam entrelaçadas e firmemente apertadas, seria capaz de mantê-las suficientemente comprimidas para que transmitissem tal força de compressão para a constrição do pescoço da vítima causando a morte”, disse o laudo de Castro.
“Não havia altura suficiente para a suspensão do corpo. Não restam dúvidas de que a morte não ocorreu por enforcamento (suicídio), mas por estrangulamento (homicídio)”, concluiu o legista. Castro ainda usou um dado da necropsia para firmar sua convicção: o estômago de Ângelo continha alimentos em fase inicial de digestão. “Por que alguém prestes a cometer um suicídio se alimentaria? Habitualmente há um estado depressivo tão importante antecedendo a decisão e o ato de se matar, que há perda do apetite alimentar. É um dado semiobjetivo que questiona a hipótese do suicídio”.
O inquérito começou viciado. Na capa, diz que trata-se de suicídio, antes de investigar. Os dois agentes que localizaram o corpo só testemunharam três anos depois, em 1973. Ângelo era um motorista de táxi que iniciou seus estudos primários aos 24 anos, quando passou a se interessar por questões políticas. Ingressou no M3G, um grupo de luta armada que assaltava bancos. Ângelo participou de algumas dessas ações. O M3G era um grupo que atuou no Rio Grande do Sul.
“Não sabemos o quanto pode estar escondido”
O deputado Nilmário Miranda (PT-MG) conseguiu em 1996, quando integrava a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, demonstrar que Ângelo morreu nas dependências do Estado e sob responsabilidade das autoridades públicas. Ele disse que não tinha dúvida de que o militante foi assassinado. O GLOBO apresentou na terça-feira as fotos a Nilmário.
— Essas fotografias dizem tudo. Estava claro que não se tratou de um suicídio. A verdade aos poucos vem à tona — disse Nilmário Miranda.
O dossiê foi apresentado a integrantes da Comissão da Verdade em março deste ano por Suzana Lisbôa, militante dos direitos humanos, numa audiência em Porto Alegre. Para ela, a localização do inquérito demonstra a necessidade de preservação dos arquivos e de adoção do ensino sobre ditadura militar nos currículos escolares.
— Nunca teríamos tido acesso a isso se Graziela e Davi não tivessem consciência da importância desse tema. A ditadura mentiu até quando imaginávamos que dizia a verdade sobre as circunstâncias das mortes — disse Suzana Lisbôa.
Em entrevista conjunta, Graziane e Davi falaram sobre o achado deles e como localizaram o inquérito de Ângelo. “Nessa caixa havia outros outros processos de inquéritos policiais de Justiça comum, ou seja, o documento não foi encontrado num arquivo específico da repressão. É importante destacar o que está acontecendo no arquivo, pois as eliminações de documentos ainda estão sendo realizadas e não sabemos o quanto mais pode estar escondido nessas caixas, seja do período militar ou de outras etapas da História”, disseram Graziane e Davi.

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