Toda vez que vejo uma mulher muito bonita, eu me
lembro da criança que eu fui, sempre atenta às qualidades dos outros,
sem ver grandes atributos em mim. Eu precisava de um cirurgião plástico.
De um ortodontista. Ou de um milagre. Ou precisava fazer a única coisa
que dependia apenas de mim: aprender a gostar de mim do jeito que vim ao
mundo. Escolhi esse segundo caminho, o único sobre o qual eu tinha
certo controle.
E a moda, generosa, deu um jeito de ocupar um lugar em minha vida
como grande aliada, mesmo que por muito tempo eu apenas me culpasse por
isso. Eu podia ter uma tremenda sensação de bem estar dentro de uma
roupa bonita, mas logo isso se transformava em culpa, porque assim me
ensinaram. (Apesar de sermos obrigados a cobrir o nosso corpo com alguma
coisa todos os dias, insistimos em dizer que vestir-se é assunto sem
importância. E durma com um barulho desses.) O raciocínio ainda é piorado pela forma como a moda é tratada pelas
mídias em geral, inclusive pela maior parte dos blogs de moda: os
discursos são rasos a tal ponto, que nos esquecemos que o vestir é uma
manifestação cultural.
Como se não bastassem seus inimigos particulares, que atacam sua
segurança a todo momento, você ainda tem que conviver com a culpa: já
que roupa não traz felicidade, o que você está fazendo de novo dentro do
provador? Hoje, falo sobre moda e autoestima por experiência própria. O vestir
foi parte da construção de um ser humano mais confortável em si mesmo e
esse aprendizado merece ser passado para frente. Mas, como todo discurso
reduzido a poucas palavras, a mensagem pode soar duvidosa. A
desconfiança é compreensível. Vivemos num mundo em que os comerciais de
TV nos sorriem soluções de vida, como se um eletrodoméstico pudesse de
fato nos fazer mais felizes ou melhores. Não, uma peça de roupa não tem o
poder de aumentar nossa felicidade. Mas tem o poder de nos oferecer um
outro ponto de vista a respeito de nós mesmos.
Se a nudez é crua, o vestir é uma construção. Não podemos escolher
ter as pernas grossas ou finas, mas podemos decidir o que nos vai cobrir
(ou não) as pernas e, assim, construir com nossas preferências a nossa
forma de estar no mundo. Um strip-tease pode revelar muito sobre o nosso corpo. Mas o ato de vestir pode falar muito mais sobre as nossas escolhas e a nossa alma. Fotos Cris: Fernando Martins e Vanessa Kohler.
Já reparou que existem algumas peças da moda que são exaustivamente usadas por um tempo e depois caem no ostracismo? É isso que diferencia os clássicos. Eles não são usados até cansar.
Mas são usados sempre. É como um namoro intenso que dura alguns meses e
depois termina de repente, comparado a uma relação mais calma e
duradoura que acaba em casamento. Um é paixão, o outro é amor de
verdade.
Repare bem: existem roupas pra casar e roupas só para uma breve aventura.
Tive um rápido relacionamento com uma calça saruel. Hoje, olho para trás
e não me reconheço. Tenho boas lembranças de um tempo lado a lado com
uma sandália gladiador. Terminamos amigavelmente. Tentei namorar uma
calça de cintura alta. Não durou nem um jantar.
Com algumas peças, sou casada no papel. Na verdade, sou adepta da
poligamia. Vive no meu quarto o amado vestido acinturado de comprimento
abaixo do joelho. E acho que vamos fazer Bodas de Ouro. Amo a
sapatilha desde o tempo em que ela nem era famosa. Dedico o mesmo amor a
uma calça sequinha e, confesso, adoro sair com as duas para passear.
Amo apaixonadamente o meu trench coat. Sei que vai ser pra sempre. E
como o meu coração é grande, amo também a saia lápis, o tubinho, a
camisa branca, o vestido vermelho. E de vez em quando saio com uns
lenços agarrados ao meu pescoço, curtindo uma amizade colorida. Há
algumas primaveras circulo por aí com a estampa de oncinha. Sei que ela é
meio perua, mas não consigo viver sem.
Na moda, também vale se divertir com as erradas até encontrar a roupa
ideal. Mas cuidado. A vida é muito curta para se casar com um look
qualquer.
Faz dois dias que entramos oficialmente no Outono, tempo de céu bonito e folhas que caem – pelo menos teoricamente!Nada mais apropriado para falar de novas coleções, pois é
oficialmente no dia 21 de março que têm permissão para entrar no nosso
armário as novas cores e formas da estação. O fenômeno parece estranho e pouco original, mas o fato é que as
passarelas do mundo inteiro se comunicam e o mundo vai se pintando dos
mesmos tons. Se o céu muda de cor e assume um azul como em nenhuma outra
época do ano, se as árvores perdem flores e ganham tons de bege como
grandes damas da elegância, é justo que mudemos de roupa também.
E se o outono inverno fala de um frio cinzento, nossas folhagens vão
assumir tons terrosos e avermelhados, como uma fogueira acesa pra
esquentar os nossos pés. Como se não bastassem os tons, virão os brilhos
e metalizados para nos deixar exuberantes, mesmo que as folhas caiam. E
se no outono algumas folhas se tornam transparentes e até mesmo
rendadas, nossas roupas também vão entrar no clima. Transparências e
rendas vão falar de delicadeza, mais do que de adeus. De transformação,
mais do que de fins.
É divertido observar, na virada de estação, os movimentos das pessoas
como quem observa os pássaros. E se surpreender com as mudanças de tons
de suas penugens, que nessa estação vão começar sutis, passar pelos
vinhos e bordôs e acabar num grande e intenso vermelho invadindo as
vidas e os guarda-roupas. Depois alguém me diz que a moda não é um assunto apaixonante. (fotos roubadas do excelente 2 be fashion)
Gente, eu acho que meu HD anda cheio demais e de vez em quando eu não raciocino. Lembram deste post? Ele falava sobre um convite que recebi do Ministério das Relações Exteriores para escrever especialmente para uma publicação chamada Textos do Brasil.
Na ocasião, postei a imagem do tal texto, mas muita gente não conseguiu
ler. E eu não tive a ideia de publicar o texto na íntegra, em vez do
arquivo visual. Dã. E aí, dois meses depois, tive a ideia! Palmas pra minha cabecinha que não conseguiu pensar no dia!
Segue o texto que escrevi sobre a relação entre moda e internet, que
será editado em várias línguas para ser lido pelo mundo afora. Moda brasileira ponto com.
Na
página inteira da revista, a imagem perfeita. A pele, os cabelos, a
boca, os olhos. As curvas. É instantâneo desejar o vestido da modelo,
talvez porque ele me desperte o desejo pacote-completo: quero ser
a modelo. Fecho a revista e abro o laptop. Na tela do computador, uma
pessoa real. Já até a vi na rua. O vestido que ela usa é o mesmo da
modelo da revista. Não parece tão glamuroso, mas continua bonito. Ela é
real e eu também. Começo a pensar seriamente no vestido.Por algumas décadas, a moda foi assunto distante. Nem forma de
expressão, nem manifestação cultural. A moda era algo fora de nós. Feita
para as passarelas, manequins, tapetes vermelhos e corpos esguios. Não
nos reconhecíamos nela. Moda era sonho e o sonho era distante. “Ela mexe com moda”, costumávamos dizer. Como se o simples ato de vestir alguma coisa para ir ao trabalho não fosse em si uma atitude de moda. Mas nem só no vestir moravam os nossos sonhos. Famoso por suas
mulheres de Ipanema, o Brasil vendia a sua imagem dourada para o resto
do mundo. Sabíamos nos despir como nenhum outro país. Mais uma vez a distância. O que fazer com os nossos corpos se eles
não estivessem bronzeados? Como caminhar até o mar se não nos acompanha o
Photoshop? Acelera o filme. Estamos nos anos 90. A internet já faz parte das
nossas vidas. E aos poucos vamos descobrindo que ela é muito mais que
uma forma fazer as cartas partirem num segundo e chegarem no outro. Mágica como o nosso sonho do “teletransporte”, a web virtualiza a informação. A enciclopédia Barsa migra para o computador. Os jornais não sujam mais os dedos. A notícia chega mais rápido que o pensamento. Em 1997, a coisa começa a esquentar. Um garoto cria o blog – o diário
pessoal que pode ser dividido com o mundo, sem constrangimentos.
Pensou, escreveu, publicou: ao alcance de leitores de qualquer lugar do
planeta. (Pause no filme. Presta atenção e anota, porque nessa parte muita coisa acontece.) Acontece, por exemplo, o fim das fronteiras geográficas e o encontro
entre as mentes de pessoas de todas as latitudes, que passam a
compartilhar suas dúvidas, crenças, sonhos e causas – sem que o
fuso-horário seja um problema. 2004. Nascem o Orkut e o Facebook. Os sites de relacionamento são
capazes de casar pessoas de pontos opostos do planeta. Nasce uma nova
geografia: a das afinidades. Nela, o americano e o japonês são vizinhos
de muro. Em 2005, a criação do Youtube comprova: a vida real nunca foi tão interessante. Mais uma fresta para observar vidas de gente de todo tipo. Enquanto isso, blogs sobre todos os assuntos continuam a surgir. Mais
que conteúdo formal, as pessoas buscam conselhos, relatos sinceros. As
empresas são grandes demais para que se confie nelas. A web é
ampla demais para que eu comece do nada a minha procura. O tempo é curto
demais para que eu cometa erros ao longo da estrada. Melhor consultar
as pessoas ao redor do mundo. E da angústia diante das infinitas possibilidades, passamos à alegria
de encontrar quem nos indique o melhor caminho. Para fazer minha viagem
mais segura, converso com quem conhece a estrada. Revolução na troca de informações. O que era uma imposição de cima
para baixo – manda quem pode, obedece quem tem juízo – agora é
democracia. O monólogo vira diálogo – ou seminário, com gente de todo
canto. Relatos, reclamações e opiniões vão e vêm em todas as direções. O
computador torna-se arma de um movimento coletivo. Se o site informa, o blog aconselha. É pessoal. E um mau conselho
pode acabar com uma grande amizade. É alguém que está dizendo, não é o
discurso do porta-voz de uma multinacional. E cada pessoa passa a eleger
o seu blogueiro de confiança. Em 2006, uma revolução em apenas 140 caracteres: com o Twitter,
passamos a acompanhar os pensamentos de cada um. Nunca mais estaremos
sós. 2008. A internet elege um presidente negro para os Estados Unidos. De clique em clique, mudam-se até atitudes. (Muita história para muito pouco tempo. E o mundo de cabeça pra baixo.) O particular torna-se coletivo. O coletivo chega bem perto de cada
um. Não temos apenas dois olhos, mas muitos. Não temos só uma opinião:
temos várias. Em seu pequeno quarto em Pequim, a chinesinha se veste colorido – e
fotografa. Longe dali, uma espanhola espia. E compartilha a foto. Um
brasileiro elogia de cá. A indiana palpita de lá. E a conversa não tem
mais fim. A moda do dia a dia ganha corpo. E voz. Em Nova York, um fotógrafo de moda clica os looks dos
transeuntes. No Brasil, uma mulher resolve registrar as roupas que usa
para ir trabalhar. As fotos ganham legendas, como num editorial de moda.
E o mundo acompanha. O blog vira moda. O blog de moda vira tendência. Leitoras vorazes são
também blogueiras que não passam um dia sem postar. Meninas de 12 anos
falam sobre o que vestem, com a mesma tranquilidade com que criticam os
modelos que passam pelos tapetes vermelhos. E os estilistas acompanham. As ruas, que antes refletiam a criação dos estilistas, passam a ser também inspiração. A internet ganha milhares de blogs de moda a cada dia. Estima-se que
existam 13 milhões de blogs no mundo sobre o assunto – cerca de 100 mil
deles podem ser brasileiros. Do jeans ao vestido de festa, dos sapatos
às bijuterias, da maquiagem ao esmalte, não há assunto esquecido pelos
blogueiros, não há pergunta que não possa ser respondida. São os
consultores informais de moda. Amigos que temos espalhados pelo mundo
para nos ajudar a colocar lá no alto a nossa autoestima. A moda, antes tão distante, agora se confunde com o nosso dia a dia. Como escovar os dentes. Um dia, no blog da moça que vai trabalhar, uma mulher comenta: “Você se veste como as francesas: para mostrar a roupa, e não o corpo”. É a mulher brasileira aprendendo a se vestir, com a mesma arte com que se despe. Nem o corpo, nem a roupa. Democrática, a moda brasileira vê nascer o que faz sentido: vestir-se para revelar a alma.
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