O jovem fiel que receberá o papa no
Brasil não se dedica mais só à espiritualidade. Ele defende uma agenda
social, quer acabar com a pobreza e discute tabus
Rodrigo Cardoso e João Loes
ISTOÉ Online conversou com alguns jovens que irão participar da jornada: Na próxima semana, o papa Francisco irá desembarcar no Brasil e dirá,
em Aparecida e no Rio de Janeiro, o que o catolicismo espera dos
jovens. O pontífice encontrará no País, durante a Jornada Mundial da
Juventude (JMJ), que acontece entre os dias 22 e 29 deste mês, fiéis
diferentes dos encontrados pelos dois últimos papas. Após um longo
período de preponderância da experiência religiosa individual, ganha
impulso agora o engajamento social. Com suas bandeiras e expectativas de
transformações nas áreas de saúde e educação, respeito às diferenças,
diminuição da violência e fortalecimento de uma economia mais solidária,
a nova juventude católica brasileira busca eco na palavra do papa que
prega a humildade e o amor ao próximo.
UNIÃO
A chegada da Cruz Peregrina ao Rio para a Jornada Mundial da
Juventude, que vai reunir 2,5 milhões de pessoas: a formação
humanística do papa casa com os anseios dos jovens
“O jovem, agora, quer saber mais da sua Igreja, procura uma que o
escute e o ajude na formação religiosa e humana dele”, diz o paulista
Leonardo Cavalcante, 23 anos, que estará na Jornada. O papa Francisco
está informado sobre a juventude brasileira. Na Semana Santa,
autoridades religiosas do País estiveram em Roma e entregaram a ele uma
edição especial da revista “Jovens Conectados”. ISTOÉ teve acesso ao
trabalho. Por meio dela, o pontífice pôde conhecer o funcionamento da
maioria das cerca de 60 comunidades de evangelização da juventude de
expressão nacional. As manifestações organizadas por estudantes em junho
também ressoaram no Vaticano. A cúpula da Igreja modificou trechos dos
discursos de Francisco para o evento no Brasil. Aqui, o pontífice deverá
dialogar e apontar caminhos para a juventude que quer se alimentar na
palavra de Deus não apenas para cuidar da espiritualidade, mas para
ajudar a mudar o mundo, exatamente como faz Cavalcante. Aluno do curso
de engenharia de gestão em uma faculdade pública do ABC paulista, ele,
hoje, segue a linha jesuíta de reflexão e ação – a mesma do papa –
depois de também ter frequentando grupos de oração da Renovação
Carismática, denominação de cunho mais festivo, que esbanja alegria,
canta e agita os braços em celebrações. A atuação do universitário agora
é voltada para a denúncia do que está errado e para a luta por uma
sociedade mais justa e igualitária.
TRANSFORMAÇÃO
Fiéis de todo o Brasil irão para a Jornada: jovens querem agenda mais social
O jovem estudante, que pertence à pastoral universitária, viajou para
a Argentina (três vezes) e para o Chile, para promover o bem e a
igualdade em comunidades carentes por meio de um projeto chamado Mãos à
Obra. Fez o mesmo aqui no Brasil. O trabalho funciona da seguinte forma:
um grupo de universitários desembarca em um local onde a pobreza impera
e ali eles colocam suas habilidades profissionais em prática,
construindo e reformando bibliotecas e paróquias, ministrando palestras
sobre saúde e direitos humanos ou realizando consultas odontológicas. “A
juventude quer colocar mais a mão na massa, mostrar que pode
transformar o mundo”, diz ele, que é colaborador voluntário do setor
universidades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
EXPECTATIVA
No Santuário de Aparecida, visitantes já
encontram imagens do papa nas lojas de suvenir
Atualmente, o jovem católico que quer transformar a sociedade está
ligado à Pastoral da Juventude (PJ), majoritariamente, e também às
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). As CEBs eram o único espaço viável
para quem tinha uma ação política e social entre os anos 1960 e 1980,
mas perderam importância nos dois últimos pontificados e com a
redemocratização do País. Agora, à luz dessas novas demandas dos fiéis,
elas ganham impulso. Segundo a CNBB, em 1995 havia 70,5 mil comunidades
eclesiais em funcionamento no País. Com o crescimento do número de
paróquias, o número de CEBs saltou para 107 mil. Os irmãos paulistanos
Pedro Romero, 16 anos, e Taynah Romero, 20, são exemplo disso. A mãe
deles teve sua formação religiosa dentro da CEB do bairro do Belém, na
zona leste de São Paulo, onde havia grande envolvimento de leigos e uma
ampla agenda social. Hoje, eles também participam da CEB, mas dão vazão
aos desejos de engajamento, sobretudo a partir do que propõe a PJ. Nos
encontros dos quais participam, eles discutem assuntos como família,
educação e segurança e traçam estratégias para que suas demandas sejam
ouvidas e colocadas em prática. “Fomos às manifestações do Movimento
Passe Livre (MPL) e apresentamos uma de nossas bandeiras – a rejeição
aos projetos de redução da maioridade penal”, explica Taynah. “Vamos
além da espiritualidade.” Priscila Naves, 21 anos, articuladora nacional da PJ Estudantil,
explica que essa vontade de ir além e atuar no campo social tendo a fé
como balizador moral é um dos desejos da Pastoral para todos os seus
membros. “É o resultado do que chamamos de educação libertadora”, diz.
Essa formação começa aos dez anos, com discussões que ajudam na
construção do caráter e da identidade da criança. Com o tempo e o
acompanhamento da PJ, o adolescente começa a se perceber no contexto de
sua família, escola, bairro, cidade e país. “Trabalhamos para que o
jovem tenha uma visão crítica do mundo e que, a partir disso, proponha
mudanças”, explica.
ENGAJADO "A juventude quer colocar mais a mão na massa,
mostrar que pode transformar o mundo", diz Cavalcante
O fato de o papa atual ter um forte discurso social – diferentemente
de seus antecessores João Paulo II e Bento XVI, época em que a Igreja
concentrou forças no Vaticano e retirou poder de bispos que faziam a
opção pelos pobres – casa com os anseios do jovem católico de hoje. A
pesquisa “Religião e Sociedade” publicada em 2011, na qual foram ouvidos
700 brasileiros entre 15 e 24 anos religiosamente ativos, revelou que
65,9% dos fiéis da Igreja de Roma acabariam com a miséria e a pobreza
(leia quadro ao lado) se, num passe de mágica, pudessem mudar algo no
País. Eles também destacaram a solidariedade como o valor mais
importante para a sociedade. Na opinião da socióloga Silvia Fernandes, coordenadora da pesquisa,
atualmente a juventude busca novos caminhos de participação social que
não passam necessariamente por instituições. “Mas ela pode considerá-la
se estas se configuram em espaço de aceitação e realização do jovem que
deseja se perceber ativo socialmente”, diz ela, que é professora da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Está aí uma grande
oportunidade para a Santa Sé recuperar prestígio e tentar conter a
sangria do grupo de fiéis que representa o futuro da religião. Entre
2000 e 2010, segundo o IBGE, a população católica entre 15 e 29 anos
diminuiu 7,1%.
PREPARATIVOS
Enquanto em Copacabana (acima) o palco que receberá o papa está quase pronto,
em São Paulo os irmãos Pedro e Taynah (abaixo) ensaiam a participação na JMJ
O carioca Rodolfo Viana, 28 anos, crismado na catedral metropolitana
do Rio de Janeiro, afastou-se do catolicismo por dois anos depois de ser
praticamente expulso da Renovação Carismática, um dos 61 movimentos de
evangelização da juventude computados pela CNBB. Motivo: um de seus
coordenadores descobriu que Viana tinha um namorado. “Como não conseguia
ser ex-gay, me tornei ex-católico”, diz. Ele só retornou à religião ao
conhecer o Diversidade Católica, um grupo de gays católicos que se reúne
a cada 15 dias – e que conta com a colaboração de padres e teólogos –
para conciliar as identidades religiosa e sexual, numa demonstração de
que tabus, como a homossexualidade, agora encontram espaço para
discussão entre os fiéis. “Hoje, não sou mais vítima da Igreja, que faz
parte da minha cultura e formação moral. Bater o pé e não sair do banco
do catolicismo é fazer política. Do contrário, estaria me amputando”,
diz Viana. O jesuíta Francisco é um papa que critica a corrupção, o
neoliberalismo e defende o direito dos pobres. Adota um posicionamento
de esquerda nas questões sociais. Ele sabe que ao não aceitar o livre
arbítrio da juventude a Igreja deixa de evangelizar muitos fiéis.
Durante a Jornada, o Diversidade Católica irá promover, na UNIRio, um
encontro para que jovens católicos homossexuais contem como vivem a sua
identidade religiosa. Há uma expectativa em torno do que o pontífice
dirá aos jovens sobre os assuntos doutrinários, como o segundo
casamento, a ordenação feminina e, principalmente, sexo. Desde o
Concílio de Trento, no século XV, onde se reforçou, só para dar um
exemplo, o celibato de padres, a Igreja não muda o discurso sobre a
sexualidade. Conservador em temas morais, Bergoglio não deverá ousar
nessa seara, segundo estudiosos.
Mas o argentino costuma quebrar protocolos. Já disse, inclusive, que o
cristão tem de ser revolucionário, ir contra a corrente. Foi ele quem
fez as pessoas voltarem novamente os olhos para o catolicismo, que se
encontrava desacreditado e manchado pelos escândalos de pedofilia. Tem,
portanto, grande capacidade de atrair a juventude, inquieta por natureza
e, atualmente, com anseio de viver sua fé com justiça social.
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