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7.16.2013

Pesquisador que "curou" paralisia cerebral defende guardar células-tronco de filhos

Dois meses após início de tratamento, menino que sofreu paralisia cerebral já sorria e balbuciava algumas palavras Foto: Arne Jensen / Divulgação
Dois meses após início de tratamento, menino que sofreu paralisia cerebral já sorria e balbuciava algumas palavras
Foto: Arne Jensen / Divulgação
​Em 2009, um menino alemão, então com 2 anos e meio, teve uma parada cardíaca que o deixou em estado vegetativo. Os pais decidiram aceitar uma terapia experimental sugerida pelos pesquisadores. O tratamento, que usou células-tronco de sangue de cordão umbilical do próprio garoto, surpreendeu os pesquisafdores. Com uma lesão cerebral que poderia tê-lo deixado a vida inteira em uma cama, ele levou apenas uma semana para responder a estímulos sonoros. Após dois meses, conseguia comer biscoitos por conta própria, sorrir e até balbuciar algumas palavras. Os resultados foram divulgados em maio, em uma revista científica.

O tratamento experimental feito na Alemanha entra em uma discussão que envolve um grande volume de dinheiro e a vida de muita gente: o armazenamento de células-tronco para uso futuro no próprio paciente, chamadas de autólogas. O serviço, hoje feito apenas por empresas privadas, é visto por especialistas e entidades como propaganda enganosa, já que não haveria uso para esse material. As empresas, por outro lado, dizem que agem de maneira clara e informam aos familiares todos os possíveis usos das células.

Ao Terra, Arne Jensen, um dos pesquisadores  alemães que liderou o tratamento do menino, afirma que as células são, sim, úteis e defende: "espero que (os bancos) sejam financiados pelo sistema de saúde."

Espero que sejam financiados pelo sistema de saúde
Arne Jensen Pesquisador alemão ao comentar o armazenamento de células-tronco autólogas em bancos

Os bancos 
Eles não são novidade. O primeiro banco de células-tronco de sangue de cordão umbilical surgiu em 1992, em Nova York. Desde então, a prática de congelar esse material - que normalmente é descartado no parto - espalhou-se por diversos países. No Brasil, ela começou em 2001 e, em 2004, foi criada a BrasilCord - uma rede dessas instituições que atuam em diversas capitais do País. 

Mas guardá-las para quê? Há no sangue de cordão umbilical as mesmas células-tronco presentes na medula óssea e elas podem ser usadas no lugar destas no caso de necessidade de transplante - como em pacientes com leucemia. Além disso, elas têm uma grande vantagem: é mais fácil achar um doador compatível.

Bancos privados
Contudo, a coisa mudou de figura quando a iniciativa privada entrou no meio. Ao contrário do que ocorre nos bancos públicos, a família do doador mantém direitos sobre o material coletado. Isso fez com que, cientistas e entidades condenassem essa prática, pois afirmam que ela tem como objetivo apenas o lucro dos bancos privados e faz uso de propaganda enganosa.

Material tem que ser armazenado a temperaturas extremas Foto: Matheus Pessel / Terra
Material tem que ser armazenado a temperaturas extremas
Foto: Matheus Pessel / Terra
​​Segundo Patrícia Pranke, professora e coordenadora do Laboratório de Hematologia e Células-Tronco da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o problema é o uso que as células autólogas têm: nenhum.

"É uma bobagem. Todo mundo sabe que é uma propaganda enganosa, todo mundo sabe disso. Eles sabem disso. Você nunca vai precisar", diz a professora. O principal uso do sangue de cordão é o transplante para combater a leucemia. 

"Quando a gente usa as células-tronco de outra pessoa, mesmo que a gente faça de tudo para evitar essa rejeição do enxerto (transplante) contra o hospedeiro, sempre há uma diferença. Ocorre uma rejeição muito discreta, que não atrapalha a vida do paciente. Mas essa rejeição discreta é muito importante porque tem um efeito imunológico sobre a leucemia. O fato de as células-tronco serem de outra pessoa ajuda a controlar e combater células leucêmicas", explica o coordenador do banco do Hospital de Clínicas, Tor Onsten. Essa "rejeição discreta" resulta no ataque às células leucêmicas que ainda circulam no corpo.


celulas-tronco

A chance de alguém precisar algum dia de um transplante do próprio sangue de cordão umbilical é de uma em 20 mil, segundo o Comitê Francês Consultivo de Ética para Saúde e Ciências da Vida. 

A opinião da professora Patrícia é a mesma da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). A entidade também afirma que os bancos privados fazem propaganda enganosa, que a Comunidade Europeia é contra a prática e que ela chega a ser proibida em alguns países.

"Portanto, em vez de a família pagar a taxa para coletar as células durante o parto, seu congelamento e manutenção, ela pode, se precisar no futuro, acionar a rede pública para realizar o transplante com células de outro doador - já que a compatibilidade necessária para o transplante de células-tronco do sangue de cordão umbilical é menor do que a requerida pelo transplante de medula óssea", afirma nota da associação.

​Defesa
"O tratamento autólogo para uma leucemia pode não ser a primeira linha de tratamento. O médico vai levar em consideração isso sim. Aquele indivíduo é infantil e aquele tecido pode trazer, sim, uma carga genética e isso pode, digamos, ser 'chover no molhado'. Mas, existe um artigo publicado, como esse que foi publicado na Alemanha, da pesquisadora que se chama Eliane Gluckman que tratou um paciente com leucemia e fez um transplante autólogo porque ela não tinha alternativa. Ela não tinha doador compatível, e já passaram os cinco anos de doença recidiva, de possibilidade de retornar", argumenta Daniel Marinowic, coordenador do laboratório de criopreservação do Hemocord, banco privado que fica em Porto Alegre.

É uma bobagem. Todo mundo sabe que é uma propaganda enganosa, todo mundo sabe disso. Eles sabem disso. Você nunca vai precisar
Patrícia Pranke Professora da UFRGS sobre os bancos que armazenam as células para uso no próprio paciente

"Vou falar pelo Hemocord: a gente sempre tem uma conduta bem transparente para tratar com os pais. Nós nunca vamos vender uma falsa esperança, um falso tratamento, ou a aplicação desse material para algo que realmente não está fundamentado ou que ainda não seja uma prescrição médica. Por exemplo, o caso desse artigo que tu trouxeste, da Alemanha. De maneira alguma nós vamos utilizá-lo como um argumento de propaganda", diz Marinowic, destacando que o caso alemão é apenas uma descrição de um caso, que ainda é necessária muita pesquisa antes de ser comprovado o uso no caso de paralisia cerebral.

Nós nunca vamos vender uma falsa esperança, um falso tratamento, ou, assim, a aplicação desse material para algo que realmente não está fundamentado ou que ainda não seja uma prescrição médica
Daniel Marinowic Coordenador do laboratório de criopreservação do Hemocord, banco privado que fica em Porto Alegre

Marinowic explica que, no banco gaúcho, a família paga, em média, R$ 3 mil para coletar o material e pela primeira anuidade de armazenamento. Depois disso, são cerca de R$ 600 por ano. O sangue de aproximadamente 3,5 mil pessoas está guardado no Hemocord. Além disso, ele afirma que familiares também podem usar o material em caso de necessidade.

​Questionado se lembrava de casos de pacientes que usaram as células armazenadas, Marinowic diz: "O Hemocord ainda não disponibilizou nenhum material para utilização. Tivemos apenas duas possibilidades de uso. Em um dos casos o paciente acabou indo a óbito antes do transplante (consequência de sua patologia) e no outro, o material está com o HLA tipado e é compatível, aguardando a solicitação do médico assistente para realização do transplante. Ambos são casos alogênicos (não autólogos)."

Em banco em Porto Alegre, a família paga, em média, R$ 3 mil para coletar o material e pela primeira anuidade de armazenamento. Depois disso, são cerca de R$ 600 por ano Foto: Matheus Pessel / Terra
Em banco em Porto Alegre, a família paga, em média, R$ 3 mil para coletar o material e pela primeira anuidade de armazenamento. Depois disso, são cerca de R$ 600 por ano
Foto: Matheus Pessel / Terra

O menino alemão
No tratamento experimental feito na Alemanha, os médicos usaram o sangue de cordão do paciente para tratar uma paralisia cerebral. As células migraram para o local da lesão e criaram um ambiente para que o próprio corpo se recuperasse, como liberar fatores que promovem o crescimento nervoso e diminuir a inflamação e as cicatrizes.

"Esse menino, ele podia ter duas opções: a utilização da medula óssea dele - que tem as mesmas células, ia fazer o mesmo efeito - ou pegar uma célula compatível que está armazenada em um banco público de sangue de cordão umbilical, não ia fazer diferença nenhuma, desde que compatível", diz a professora Patrícia.

Arne Jensen, um dos pesquisadores que conduziu o tratamento, defende o uso do material autólogo e afirma que, para este caso, as células de sangue de cordão autólogas têm diversas vantagens em relação às doadas e até à medula do próprio paciente. "Não há evidência convincente de que a medula óssea é equivalente na neuroregeneração", diz o cientista.

Questionado se células doadas poderiam ter o mesmo resultado, ele responde: "Em princípio, sim. Há um grupo na Coreia que usa sangue alogênico (estrangeiro) para tratar paralisia cerebral. Contudo, você precisa suprimir a imunologia para evitar rejeição do enxerto. Esse grupo conseguiu demonstrar efeitos benéficos; contudo, eles observaram um número de efeitos adversos relacionados à terapia imunossupressora (para evitar rejeição)."

"O uso do próprio sangue de cordão para esta indicação (dano cerebral por hipóxia) é preferível porque não há problema imunológico. Sangue de cordão alogênico precisa de terapia imunossupressora",


E o menino? "A criança está bem e caminha em um andador", diz Jensen.

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