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8.10.2013

O MISTÉRIO DO MARCELO

Todas as respostas para a chacina da família de policiais, que estarreceu o País, convergem para as últimas horas de vida do adolescente de 13 anos

Natália Mestre e Monique Oliveira

Pai, mãe, filho, avó, tia-avó. Todos mortos com tiros na cabeça entre a noite do domingo 4 e a madrugada da segunda-feira 5, na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo. Os donos da casa eram policiais experientes, sendo o pai sargento da Rota, batalhão de elite da Polícia Militar. Nada foi roubado do local, o que compôs um cenário envolto em mistério. Todas as respostas para essa tragédia que estarreceu o País na semana passada convergem para o adolescente Marcelo Pesseghini, de 13 anos, o último a morrer. Segundo a polícia, ele seria o autor dos quatro crimes executados com tiros precisos e teria se suicidado após voltar da escola e cair em si. Para outros, ele foi a quinta vítima dessa chacina que dizimou uma amorosa família de classe média, que se dividia em duas casas no número 42 da rua Dom Sebastião – na da esquerda, a maior, moravam Luís Marcelo Pesseghini, 40 anos, a esposa Andréia Regina Bovo Pesseghini, 36 anos, cabo do 18º Batalhão, e o filho, Marcelo. Na do lado, Benedita de Oliveira Bovo, 67 anos e Bernadete Oliveira da Silva, 55, mãe e tia de Andréia, respectivamente – e passava os finais de semana entre churrascos no quintal e viagens ao sítio de Rio Claro, no interior paulista.
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FAMÍLIA
Andréia e Luís Marcelo com o filho, Marcelo, em 2010: o menino
queria ser policial, como eles, e costumava visitar o batalhão do pai.
Um PM amigo da família disse à polícia que o garoto sabia atirar
Diante dessa tragédia ainda cheia de interrogações, existem dois cenários. No primeiro deles, de acordo com a polícia civil, Marcelo matou os parentes entre a noite de domingo e a madrugada de segunda, pegou o carro da mãe, um Corsa Classic, dirigiu até a escola e passou a madrugada dentro do veículo. Pela manhã, ele frequentou as aulas normalmente e voltou de carona para casa com o pai do seu melhor amigo. Chegando lá, teria se matado. Segundo a perícia, todos os tiros saíram da mesma arma, a pistola .40 que pertencia a Andréia e foi encontrada na mão esquerda do garoto, que estava com o dedo no gatilho. Imagens da câmera de segurança de um prédio que fica na mesma rua do Stella Rodrigues, colégio particular na Freguesia do Ó, são fortes indícios para a polícia. Os registros mostraram, por volta da 1h25, um carro estacionando. Depois, em torno das 6h23, um garoto desce, coloca a mochila nas costas e segue em direção à escola. É Marcelo, na versão dos investigadores. Um par de luvas foi encontrado no automóvel. Perícias feitas nas duas casas também encontraram outras três armas intactas que pertenciam à Andréia e não identificaram registros de arrombamentos.
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Segundo o delegado do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), Itagiba Franco, responsável pelas investigações, o fato de os armamentos não terem sido roubados afasta ainda mais a hipótese de ação do crime organizado, levantada inicialmente. Também foram encontradas receitas de remédios para dormir na casa de Benedita e Bernadete, o que ajudaria a entender por que as duas não ouviram os tiros e ameaçaram alguma reação – de acordo com a polícia, Luís Marcelo teria sido o primeiro a morrer, seguido da mulher, da avó e da tia. Familiares confirmaram que Bernadete sofria de depressão, tomava remédios e, inclusive, estava morando com a irmã por causa da doença. O depoimento do melhor amigo de Marcelo, também de 13 anos, foi decisivo para reforçar a suspeita de crime familiar. “Ele tinha o plano de matar os pais durante a noite, quando ninguém soubesse, fugir com o carro deles, ser matador de aluguel e morar em um lugar abandonado”, teria dito o amigo à polícia. O pai desse adolescente, que deu carona para Marcelo, contou, também em depoimento, que antes de sair, o garoto avistou o carro da mãe. Ele foi até o veículo, pegou um objeto e o colocou na bolsa. “Pode ser a arma, mas não sabemos”, disse Itagiba.
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DINÂMICA DO CRIME
A casa dos Pesseghini, na Vila Brasilândia, em São Paulo: perícia
irá determinar horário das mortes e se vítimas estavam dopadas
Ainda segundo a polícia, no quarto de Marcelo havia diversas armas de brinquedo. Na mochila da escola, um revólver 32, uma faca, rolos de papel higiênico e mudas de roupa. Uma das professoras afirmou aos investigadores que Marcelo havia perguntado “se ela sabia dirigir quando era criança” e “se havia atingido de alguma forma os pais”. Para outra, o menino contou que já tinha dirigido um buggy. Em depoimento na quinta-feira 8, o policial militar João Batista da Silva Neto, vizinho da família, afirmou que o menino havia aprendido a atirar com os próprios pais e frequentava aulas de tiro em um estande na zona sul da capital paulista. O delegado ainda citou que Marcelo tinha 1,60 m e não era um garoto franzino, apontando que ele tinha condição de manipular a arma.
Se a polícia conduz sua investigação na direção do filho dos policiais, especialistas garantem que, para Marcelo ser realmente o assassino, ele teria que demonstrar distúrbios de comportamento e traços de psicopatia muito evidentes. “É muito difícil que um menino de 13 anos tenha orquestrado uma chacina com esse grau de refinamento sem um transtorno de conduta”, afirma Priscila Gasparini Fernandes, psicanalista infantil com especialização em suicídio. Dentro dessa hipótese, o cenário que se tem é de um menino doente, que tomava muitos remédios e era cercado de cuidados, portador de fibrose cística, doença genética grave que afeta o funcionamento de secreções do corpo, levando a problemas nos pulmões e no sistema digestivo, além de diabético. Segundo relatos, Marcelinho, como era chamado, era um garoto tímido e de poucos amigos que passava horas jogando videogame, especialmente o violento “Assassin’s Creed”. A combinação explosiva entre jogos violentos (leia à pag. 70) e o convívio em um ambiente familiar de policiais, onde relatos de mortes, prisões e perseguições poderiam fazer parte do dia a dia e contribuir para formar uma cultura de violência, pode ter sido fatal. O adolescente não cansava de falar que admirava o trabalho de seus pais. A vizinha Elisa Rosa, 84 anos, que mora em frente à casa da família Pesseghini, garante que os pais permitiam, inclusive, que o adolescente fizesse pequenos percursos ao volante e depois estacionasse o carro na garagem. “Ele sabia dirigir e adorava ficar no portão com uma arma de brinquedo, fingindo que atirava nas pessoas.”
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No segundo cenário, Marcelinho passa de algoz a vítima. “Esse crime, do jeito que está descrito, crava que o menino era um manipulador”, afirma Dalka Ferreira, do Centro de Referência às Vítimas de Violência do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. “Para isso, a criança deveria apresentar uma relação conflitante com os pais e traços de frieza.” Ao contrário, familiares e amigos descrevem Marcelinho como um garoto amável e ligado à família. Era comum vê-lo com a avó ou com os animais da casa, um labrador preto e dois gatos, sempre muito afável e sem motivo algum para cometer tamanha barbárie – motivo esse que, até agora, a polícia também não encontrou. “Estamos todos em choque. Eles eram uma família muito feliz, nunca vi uma briga ou discussão”, diz Edineide Ferreira, balconista de 36 anos e amiga de Andréia. Os vizinhos são unânimes em classificar a avó, chamada carinhosamente de dona Benê, como uma mulher muito prestativa, sorridente e apaixonada pelo neto. “Eu sempre via os dois brincando no quintal”, afirma Severino José da Silva, 76 anos.
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MANHÃ DE 5 DE AGOSTO
Imagem de Marcelo (à esq.) após sair do carro Corsa Classic (acima)
que ficou estacionado perto da escola onde ele estudava
 
O empresário Sebastião de Oliveira Costa, tio de Andréia, reforça que Marcelo não tinha nenhum traço de agressividade, pelo contrário, era um bom garoto, sempre tranquilo. “Visitava a família a cada 15 dias. Chegava lá, o Marcelinho vinha correndo, me pedia a bênção, e voltava brincar. Não vou sossegar enquanto não descobrir o autor dos crimes”, diz. Ele acredita que a família tenha sido vítima de algum tipo de retaliação, possibilidade que ganhou força quando o comandante do 18º Batalhão da Polícia Militar, coronel Wagner Dimas, afirmou em entrevistas que Andréia Pesseghini havia colaborado com informações para uma investigação contra colegas que participavam de roubos de caixas eletrônicos. Em depoimento na Corregedoria da PM, porém, o coronel voltou atrás. Em nota, a escola em que o adolescente estudava desde os 5 anos definiu Marcelo como “um garoto dócil, alegre, com boas relações com os colegas e o corpo docente do colégio e que sempre alcançou um bom rendimento pedagógico, apresentando comportamento e atitudes normais”. Uma das professoras que deu aula para Marcelo no seu último dia, Ana Paula Alegre, publicou seu lamento em uma rede social. “Dei aula para ele hoje. Conversei, brinquei, dei risada. Dei um abraço tão gostoso, e agora acabou.”
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O derradeiro domingo em família começou normal. Segundo a vizinha Rosemari, no domingo 4, por volta de meio-dia, o adolescente saiu de carro com os pais para almoçar no shopping. Já durante a tarde, a família recebeu a visita do tenente da Polícia Militar César Bovo, irmão de Andréia. O que aconteceu depois ainda está envolto em mistério. Fundamentais para elucidar os fatos, os laudos do IML, que determinam a hora das mortes, de balística e toxicológicos só devem sair no início de setembro.

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