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9.09.2013

"Não devemos aceitar a imortalidade"

Um dos mais conceituados pensadores da atualidade, o filósofo americano Michael Sandel critica a manipulação do material genético sem finalidade médica e alerta para os riscos de se querer controlar a natureza humana

Monique Oliveira

Trocar um gene defeituoso por outro, saudável, e curar uma doença é um feito louvável. Mas e se a modificação genética fosse feita somente para tornar o ser humano mais forte, mais bonito? Essa é uma das polêmicas surgidas a partir do florescimento de tecnologias capazes de modificar o DNA e também é um dos temas do novo livro do filósofo americano Michael Sandel, “Contra a Perfeição”. Professor de filosofia política da Universidade Harvard (EUA) e celebrado como um dos mais brilhantes pensadores da atualidade, Sandel acredita que os feitos proporcionados pela engenharia genética – entre eles a seleção dos melhores embriões ou a escolha do sexo do filho – impõem à sociedade um espinhoso desafio moral que, no limite, chega ao questionamento do que representa a própria humanidade. De passagem por São Paulo para o lançamento da obra, Sandel falou à ISTOÉ.
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CONTROLE
Sandel defende que o conhecimento científico seja irrestrito,
mas argumenta que seu uso social necessita ser regulado
ISTOÉ – Até onde pode ir a engenharia genética?
Michael Sandel –
Sou contra o uso desse recurso para fins não médicos. E o que se tem visto de potencial não médico é o uso dessa tecnologia em atletas, por exemplo, o que poderia aumentar sua competitividade.

ISTOÉ – E por que isso seria questionável?
Sandel –
Entendo que se os pais se habituam a escolher o sexo, a cor dos olhos ou a força física de seus filhos sem razão médica, por exemplo, nos arriscamos a viver em uma sociedade na qual as crianças viram objeto de consumo e os pais uma espécie de fábrica. Controlar o futuro dos filhos, determinar-lhes o sexo antes do nascimento ou usar a bioengenharia para torná-los super-homens implica tentativa de domínio sobre a natureza. E isso nos tira a sensação de ver a vida como uma dádiva, de estar aberto ao inesperado, de amá-los incondicionalmente.

ISTOÉ – Essa busca da perfeição poderia levar à volta da eugenia?
Sandel –
A ambição da eugenia é exatamente isso, usar a ciência para controlar a natureza humana até para fins considerados “bons”, para aumentar nossa eficiência. Mas isso levou a políticas de esterilização e ajudou a sustentar o nazismo. E a eugenia não foi um movimento forte só na Alemanha. Não é um problema isolado ou de um momento histórico específico.

ISTOÉ – A ciência avança mais rápido do que a moral?
Sandel –
Acredito que devemos nos perguntar o que queremos com a evolução científica. A física nuclear desenvolveu bombas. É uma questão de fim. O conhecimento científico deve ser irrestrito, mas seu uso social necessita ser regulado e submetido ao debate público. O uso sem regras da engenharia genética é perigoso para a humanidade.

ISTOÉ – Em seu livro, o sr. cita o caso de um casal de mulheres surdas que, ao acreditarem ser a surdez uma identidade cultural e não uma doença, procuraram por um doador de espermatozoide que tivesse surdos na família. Elas queriam aumentar a chance de ter um filho sem audição. O que o sr. achou disso?
Sandel –
O que me interessa aqui não é a surdez, mas o significado do que é ter um filho. E, nesse sentido, o que foi feito é moralmente questionável. Caso o filho tivesse nascido com uma audição saudável e pudesse, pela engenharia genética, deixar de sê-lo, poderíamos orquestrar uma operação para torná-lo surdo? Provavelmente não. Esse seria um dos riscos da bioengenharia usada sem restrições.

ISTOÉ – Muitos cientistas acreditam que recursos como a engenharia genética um dia tornarão o homem imortal.
Sandel –
Não devemos aceitar a imortalidade. A morte, a humildade, a aceitação pelo inesperado e a solidariedade nos humanizam. A sensação de enxergar a vida como uma dádiva é importante para uma sociedade mais justa. 

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