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9.07.2013

O nascimento da inteligência


Pesquisas revelam que fatores como amamentação, suplementação de vitamina D e até a obesidade dos pais terão impacto no nível do QI da criança do seu nascimento até o resto de sua vida

Monique Oliveira e Wilson Aquino

Uma safra de novos estudos realizados em todo o mundo está apresentando revelações surpreendentes sobre o processo de desenvolvimento da inteligência humana. As pesquisas apontam, pela primeira vez, fatores importantíssimos associados ainda à vida uterina e aos primeiros anos de vida que serão decisivos para a evolução do intelecto. Reunidos, esses trabalhos traçam o mais completo retrato científico do nascimento da inteligência.
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E se trata de um retrato belíssimo. Ele deixa claro o quanto essa habilidade depende de uma combinação complexa de circunstâncias para que atinja seu ápice na vida adulta. Condições que surgem antes mesmo da fecundação, como evidencia uma pesquisa realizada no Centro Médico Forest Baptist (Eua). O trabalho apontou que filhos de mães com Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 30 (já classificado como obesidade) têm maior chance de desenvolver limitações cognitivas. Eles manifestaram três pontos a menos de QI (quociente de inteligência) em relação aos nascidos de mulheres de peso normal. Ainda se estuda de que maneira o excesso de peso da mãe impacta a inteligência do filho, mas há algumas hipóteses. “O acúmulo de peso pode contribuir para um maior número de células anormais do sistema imunológico, capazes de atacar outras estruturas”, disse à ISTOÉ Jennifer Helderman, uma das autoras do estudo. “O mecanismo resulta em uma maior predisposição à inflamação, que poderia afetar o tecido neurológico da mãe e do feto”, especula.
Nas primeiras semanas após a fecundação, inicia-se uma etapa-chave: é quando começa a se formar o tubo neural, a estrutura que dará origem ao cérebro. Diversos trabalhos relacionam o sucesso desse processo à presença em concentração adequada de ácido fólico (vitamina B). Caso contrário, uma das extremidades do tubo não se fecha, originando, por exemplo, a anencefalia (ausência parcial do encéfalo e da calota craniana). “Pesquisas confiáveis apontam forte conexão entre déficit de ácido fólico e essa anomalia”, explica o médico Luiz Celso Villanova, chefe do setor de neurologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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Outras duas substâncias despontam com igual importância para a formação da inteligência: o iodo e a vitamina D. Estudo da Universidade de Surrey, no Reino Unido, analisou as concentrações de iodo na urina de 1.040 mães em estágio inicial da gestação. Depois, aos filhos nascidos dessas gestantes foram administrados testes de inteligência aos 8 anos e de leitura, aos 9. As crianças com piores desempenhos foram as geradas por mães que apresentaram ingestão de iodo menores do que 150 mg por dia. “Sua deficiência em gestantes deve ser tratada como um assunto de saúde pública”, escreveram os autores da pesquisa. No Canadá, uma análise de vários trabalhos sobre o tema feito pela Universidade McGill concluiu que crianças nascidas de mães que receberam suplementação do composto na gravidez e após o nascimento tiveram QI entre 12 a 17 pontos mais alto do que as demais.
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O neuropediatra Villanova alerta para a importância da suplementação de
alguns nutrientes como forma de garantir a formação correta das estruturas cerebrais
Igual influência apresenta a vitamina D, segundo pesquisas recentes. Pesquisadores do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Epidemiologia Ambiental de Barcelona, na Espanha, acompanharam 1.820 mães e verificaram que os filhos daquelas com níveis adequados do composto na gravidez tiveram melhor desempenho em testes de inteligência do que filhos de mães com déficit da substância. Embora os cientistas não apontem uma razão específica para a associação, explicam que a literatura científica é vasta quanto ao peso da vitamina na saúde geral do bebê. “Há diversos estudos demonstrando relação entre o composto e o desenvolvimento do sistema imunológico, por exemplo. É natural supor que exista impacto também no funcionamento cerebral”, afirmou à ISTOÉ a epidemiologista Eva Morales, autora do estudo.
Por volta da 20ª semana, estruturas indispensáveis para a boa comunicação entre os neurônios estão em formação. Entre elas os dentritos (projeções que permitem essa comunicação) e a bainha de mielina (que assegura a eficácia dessa interação). Grande parte da bainha é constituída de moléculas de DHA, um gênero de ácido ômega 3. Trata-se de um composto fabricado pelo corpo, mas uma suplementação é indicada. Ela pode ser feita por meio da alimentação pela mãe. Uma das melhores fontes são os peixes de água fria, como salmão e sardinha. Também é importante que a mulher aumente o consumo de proteínas, base para a produção dos neurotransmissores, as substâncias que levam a informação de um neurônio a outro.
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Da mesma forma que a ciência está identificando o que aumenta a chance de um QI mais elevado, as pesquisas começam a apontar o que, ainda na vida uterina, pode prejudicar o potencial intelectual. A poluição é um desses elementos. Estudo do Centro de Desenvolvimento do Cérebro, da Universidade de Colúmbia (Eua), revelou que a exposição a hidrocarbonetos aromáticos policíclicos – substâncias produzidas durante a queima incompleta de combustíveis – sofrida pelo feto fará com que a criança apresente cerca de quatro pontos a menos em testes de inteligência. A hipótese é que os poluentes atravessam a placenta e danificam o tecido cerebral do feto.
Outra constatação nesse sentido é a de que o estresse materno na gestação impacta negativamente a inteligência da criança. “Ele causa danos ao desenvolvimento do córtex pré-frontal”, explica o neurocientista Antonio Pereira, do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O cientista brasileiro se refere à área do cérebro associada ao processamento do raciocínio. “Se a mãe tiver uma gestação sem estresse, será melhor para o desenvolvimento cognitivo da criança.”
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Há ainda achados como o da Universidade de Colúmbia (Eua), segundo o qual crianças nascidas de 37 semanas apresentaram pior desempenho de leitura e matemática do que as nascidas de 41 semanas. A conclusão foi feita com base em uma análise de 138 mil crianças de escolas públicas de Nova York (Eua) e poderia ser explicada pelo fato de que o tempo maior dentro do útero favoreceria a formação de mais redes neurais por onde as informações trafegam e são armazenadas.
Quando nasce, cada neurônio da criança faz aproximadamente 2,5 mil sinapses – as conexões entre os neurônios por meio das quais as informações são passadas de um a outro. Esse número pode chegar a 15 mil aos 3 anos de idade. Para que isso ocorra é vital que outros fatores nutricionais e ambientais sejam respeitados. Afinal, eles proverão as condições necessárias para que essas conexões se multipliquem e neurônios não sejam descartados por falta de uso. “Após alguns meses depois do nascimento, o volume cerebral quadruplica”, explica Solange Jacob, coordenadora pedagógica da organização Pupa, que desenvolve atividades com pais e crianças para melhor desenvolver o intelecto infantil na primeira infância. “Aos 3 anos, uma criança já fez um quatrilhão de conexões cerebrais.”
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Neste mês, um importante estudo publicado na revista da Associação Médica Americana confirmou de forma contundente o papel da amamentação nessa construção do intelecto. “Mostramos uma conexão direta entre o aleitamento materno e a inteligência”, disse à ISTOÉ Mandy Belfort, professora de pediatria da Escola de Medicina de Harvard (Eua) e uma das líderes do estudo. Ela e sua equipe seguiram 1.312 bebês entre 1999 e 2010. Entre os principais achados, o grupo descobriu uma relação interessante. Nas crianças de 3 anos, a cada mês adicional de amamentação foi registrada uma média de 0,21 ponto a mais em testes de QI em comparação às que não tiveram o tempo extra. A mesma influência positiva permanece aos 7 anos, em que os participantes contabilizavam um acréscimo de 0,35 ponto em testes orais e 0,29 em exames não verbais.
No Brasil, um trabalho da PUC de Pelotas (RS) encontrou a mesma relação. Em 2002 e 2003, os cientistas acompanharam 616 bebês para avaliar a permanência e a frequência com que eram amamentados. Quando as crianças completavam 8 anos de idade, elas foram submetidas a testes de QI. “Os bebês que mamaram por mais de seis meses obtiveram desempenho 30% superior”, explica a pediatra Elaine Albernaz, responsável pela pesquisa. De acordo com o pediatra carioca Daniel Becker, do Instituto de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o benefício transcende o potencial de raciocínio. “O aleitamento contribui tanto para a inteligência do ponto de vista cognitivo como social e afetivo”, afirma.
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As explicações para o benefício não repousam somente em um mecanismo. Primeiro, há o estímulo do próprio contato entre mãe e filho. “Quando o bebê é amamentado, a mãe toca nele, olha e fala com ele. Esse vínculo é fundamental para o desenvolvimento cognitivo”, assegura a médica Elaine. Depois, há o impacto de substâncias presentes no leite materno que atuam na formação e no crescimento dos neurônios, como as gorduras e o ácido araquidônico.
Um trabalho da PUC do Rio Grande do Sul chama a atenção para a importância de cuidados especiais aos prematuros também no que diz respeito à cognição. Durante oito anos, os pesquisadores acompanharam 200 crianças nascidas prematuramente, mas não consideradas de risco (não apresentavam sequelas neurológicas). Apresentavam apenas baixo peso (menos de 2,5 quilos) ao nascer. Em teste de avaliação de inteligência aplicado quando elas chegaram aos 8 anos, manifestaram pontuações inferiores ao esperado. “Acreditamos que a questão está mais relacionada ao baixo peso de nascimento do que com a prematuridade. Isso é um aspecto associado à desnutrição intrauterina”, explicou a neurologista infantil Magda Nunes, professora de neurologia da Faculdade de Medicina da PUC/RS e autora do experimento. Em animais, a pesquisadora constatou que a falta de nutrientes corretos torna menor o hipocampo, estrutura do cérebro que participa do processamento de funções cognitivas e da memória.
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O cientista Aron Barbey, dos Estados Unidos, investiga
como a inteligência emerge dos circuitos de neurônios
Informações desse gênero são alvo de investigação em todo o mundo. “Nosso desafio é estudar de que maneira a inteligência emerge de sistemas neurais e o estudo da arquitetura do cérebro ajuda a entender alguns padrões de pensamento e comportamento”, afirmou à ISTOÉ o pesquisador Aron Barbey, do Laboratório de Neurociência da Universidade de Illinois (Eua). O cientista é um dos mais respeitados estudiosos dos caminhos neuronais associados à cognição. Com base em seu conhecimento, também se coloca como um dos principais defensores de que o desenvolvimento inicial de habilidades como os raciocínios concreto e abstrato tem raízes em uma interação que une, entre outros elementos, uma boa nutrição cerebral, como se viu, herança genética e ambiente.
Na fundação desses pilares, está cada vez mais consolidado, por exemplo, o poder do afeto. “A criança deve ter pelo menos uma relação afetiva significativa para desenvolver a empatia, capacidade que vai determinar muitos aspectos do processamento cognitivo”, explica o médico e psicoterapeuta João Augusto Figueiró, fundador do Instituto de Zero a Seis, entidade que tem por objetivo estimular a consciência sobre a importância da primeira infância para o desenvolvimento do indivíduo. Nesse sentido, algo banal como o convívio com um animal de estimação ajuda muito. Uma revisão de 69 pesquisas realizadas por cientistas de várias instituições europeias mostrou que pela interação entre um bicho de estimação e crianças se verifica o desenvolvimento de habilidades importantes – respeito, confiança e empatia entre elas.
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Efeito oposto promove o uso de aparelhos como smartphones e tablets. Apesar do apelo educacional desses aparelhos, a Academia Americana de Pediatria recomendou recentemente que os pais não ofereçam esses recursos a seus filhos antes que eles completem 2 anos de idade. Num artigo intitulado “Crianças devem aprender da brincadeira – e não do monitor”, a entidade cita pesquisas que associam o uso de mídias eletrônicas a um pior desempenho da linguagem e ao atraso no desenvolvimento emocional, entre outros prejuízos.
 

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