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10.23.2013

Lei proíbe uso de animais se há método comprovado para substitui-los.

Brasil ainda não valida pesquisas alternativas ao uso de animais

Ativistas apontam falha; Ministério diz que órgão está em fase de criação.

Rosanne D'Agostino Do G1, em São Paulo
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Beagles foram levados por ativistas de laboratório de pesquisas em São Roque (Foto: Arquivo Pessoal)Beagles foram levados por ativistas de laboratório
de pesquisas em São Roque, interior de São Paulo
(Foto: Arquivo Pessoal)
O Brasil não possui hoje um órgão para validar métodos alternativos ao uso de animais em pesquisas científicas, apesar de ser proibido por lei o uso de animais quando há outros meios de se chegar ao mesmo resultado. Para ativistas, trata-se de uma falha que permite irregularidades. Segundo o governo, órgão está em fase de criação.
Dezenas de ativistas invadiram, na madrugada de sexta-feira (18), o laboratório do Instituto Royal e levaram vários animais do complexo alegando maus-tratos em pesquisas científicas. O instituto afirma que os experimentos são autorizados e eram realizados dentro da lei.
Pela Lei nº 11.794, chamada Lei Arouca, é crime o uso de animais quando existe outro método possível. Mas ativistas em defesa dos animais afirmam que o governo não possui hoje um controle de que métodos deveriam estar sendo usados alternativamente pelas instituições. Isso porque não existe o órgão regulador.
“Não tem nenhum instituto no Brasil, que seria um tipo de Inmetro, que valide o método substitutivo. Ficou essa brecha”, afirma George Guimarães, presidente da ONG Veddas, totalmente contra o uso de animais em experimentos.
“Esse órgão está sendo implementado no âmbito do ministério [da Ciência e Tecnologia]. Ele vai validar os métodos no Brasil e os que estão sendo realizados no Brasil. Está sendo formado há cerca de um ano. É uma questão de tempo”, afirma Marcelo Morales, coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) --o órgão do ministério que dita as normas de utilização dos animais e credencia as instituições interessadas no uso de animais. “Hoje existe uma rede de pesquisadores que fazem pesquisas de métodos alternativos”, afirma.
Não seria só prejudicial [acabar com as pesquisas], mas estaríamos colocando o Brasil completamente dependente da tecnologia externa e a população brasileira, em risco. Todos os lotes de vacina são testados em animais. Todos os medicamentos também"
Marcelo Morales, coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea)
O Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM), fruto de cooperação técnica da Anvisa com a Fundação Osvaldo Cruz (FioCruz), é a entidade criada em 2012 para pesquisar e validar os métodos alternativos, mas ainda não obriga os laboratórios a substituírem as práticas.
Octavio Presgrave, coordenador do BraCVAM, afirma que a ideia é que o centro recomende ao Concea a oficialização de métodos substitutivos, nacionais ou internacionais, mas que o processo de validação a ser usado no Brasil “foi enviado ao Concea para ser avaliado e homologado”. “Esse processo precisa ser oficializado para que possa ser implantado”, explica.
Segundo o Ministério de Ciência e Tecnologia, uma série de questões práticas, como importação de materiais, ainda precisam ser definidas para que o órgão comece a regular as pesquisas. “Os métodos alternativos estão em discussão dentro desse centro. Hoje nós não temos os métodos validados. Mas uma vez que estiverem validados, eles serão obrigatórios”, afirma Morales. “Temos que ser muito responsáveis, porque se a gente obrigar um método não disponível no Brasil, podemos causar um prejuízo muito grande.”
Pesquisas
Também não é possível ter acesso a dados que comprovem que os institutos estão obedecendo a lei. O coordenador diz ser crime usar animais quando há outra forma de teste, mas que não pode fornecer a lista de instituições que realizam pesquisas com animais e quais tipos de experimentos são realizados, por questão de segurança.
Segundo Morales, o conselho faz todo o controle e credencia as instituições pesquisadoras e, quando há alternativas, elas são utilizadas. “Nenhuma empresa séria hoje faz pesquisa com cosméticos utilizando animais, porque existem os métodos alternativos para substituição. Tem um kit de pele humana que é usado. Agora, com novos medicamentos, é imprescindível e os cães fazem parte dessa pesquisa”, disse o cientista ao G1.
Questionado sobre se é possível afirmar que não existe pesquisa cosmética com animais atualmente no país, ele afirma, no entanto, que, “em alguns casos, o teste com animal é permitido”. “Cosméticos poderão ser substituídos, como já estão sendo. Só que o Brasil teria que produzir os kits de pele, porque os importados têm prazo de uma semana de validade. Pesquisadores brasileiros estão estudando esse tema.”
"No mundo, são pouquíssimos os métodos alternativos válidos ou validados, então, mesmo que exista esse órgão, eles não vão substituir os animais", diz Morales.
Esse argumento falacioso do mal necessário não é aceitável. Se poderia dizer o mesmo de que a escravidão era inevitável"
George Guimarães, presidente da ONG Veddas
Ativistas
O presidente da ONG Veddas afirma que a solução procurada pelos ativistas é acabar com as pesquisas com animais, mas que a existência de um órgão regulador forneceria subsídios para impedir algumas práticas.
"Enquanto tem o comodismo de usar o que já existe, para que vai desenvolver algo novo? Já sabemos que, para a maior parte das pesquisas, já existem métodos substitutivos. Ou in vitro, ou até mesmo em seres humanos. Esse argumento falacioso do mal necessário não é aceitável. Se poderia dizer o mesmo de que a escravidão era inevitável”, defende.
"O principal ponto contra é que eles são seres vivos, eles não são voluntários, são forçados. Outro ponto é que o verdadeiro teste é com humanos, tanto é que os medicamentos são retirados do mercado. É interesse da indústria", afirma. "Na Europa já são proibidos todos os testes com cosméticos. Por que aqui nós fazemos?"
“Hoje em dia, já há uma tendência no mundo em usar métodos substitutivos aos animais”, diz Silvana Andrade, fundadora e presidente da Anda (Agência de Notícias de Direitos Animais) e também contrária a qualquer tipo de experimentos com animais.
“Posso te garantir que apenas 1% dos testes realizados em animais extrapolam para a fase humana. Nunca houve tanto medicamento, tanta denúncia, com tão pouca cura. Testam em animais, o remédio tem efeito colateral diferente no humano, morre um monte de gente, e depois eles simplesmente tiram da prateleira. Nós somos a cobaia final”, afirma ela.
Hoje em dia, já há uma tendência no mundo em usar métodos substitutivos aos animais"
Silvana Andrade, fundadora e presidente da Anda (Agência de Notícias de Direitos Animais)
A jornalista defende a abolição dos testes em animais. “Dizer que ele está no ar condicionado não é cuidar bem de um animal. Você está obrigando o animal a se submeter a algo que faz mal ao corpo dele. Isso, por si só, são maus-tratos. Por que a ciência não pode ser ética? Não somos obscurantistas. Os cientistas brasileiros é que continuam fazendo fogo com graveto.”
"Isso não é uma garantia para o consumidor, é uma garantia para a empresa que encomendou os testes", diz Guimarães.
Já o coordenador do Concea afirma que o uso de animais é necessário “na maioria das pesquisas”. “No mundo, são pouquíssimos os métodos alternativos válidos ou validados, então, mesmo que exista esse órgão, eles não vão substituir os animais”, diz. "Levaram todos os cães e deixaram todos os ratos. Para o Concea, todos os animais têm que ter a mesma atenção, nenhum pode sofrer."
Mudanças
Tramitam no Congresso projetos para restringir o uso de animais e ainda de proibir a utilização em instituições de ensino, a hipótese mais criticada de utilização. “Não há necessidade para uso didático, não há sentido em produzir experiências que não têm nenhuma inovação. A medicina veterinária da USP há muitos anos introduziu o uso de cadáveres”, afirma a advogada Viviane Cabral, assessora jurídica do deputado Ricardo Tripoli (PSDB).
O deputado obteve a guarda de duas cadelas da raça beagle que pertencem ao Instituto Royal. Os animais foram encontrados por moradores no sábado (19), em São Roque, e levados até a delegacia.
Não há necessidade para uso didático, não há sentido em produzir experiências que não têm nenhuma inovação. A medicina veterinária da USP há muitos anos introduziu o uso de cadáveres"
Viviane Cabral, assessora jurídica do deputado Ricardo Tripoli (PSDB), que obteve guarda de dois beagles do Instituto Royal
“Temos um projeto que veda uma série de práticas para justamente estimular os métodos substitutivos. Entendemos que as leis estão defasadas em razão dos padrões éticos”, afirma.
“Outra dificuldade é que os institutos não revelam quais são os protocolos e procedimentos, porque se calcam nessa questão do sigilo industrial. Com certeza existem pesquisas sendo feitas onde não é preciso usar animais”, completa.
O projeto de lei 215/2007 institui o Código Federal de Bem-Estar Animal e ainda precisa ser analisado por uma comissão especial da Câmara dos Deputados. Já o PL 2.833/2011, que criminaliza condutas lesivas contra os animais, deve ir a plenário.
A Câmara criou nesta terça-feira (22) uma comissão externa, formada por seis deputados federais, para investigar denúncias de maus-tratos supostamente praticados pelo Instituto Royal Os trabalhos do colegiado serão coordenados pelo deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), e Tripoli será o relator.
Ciência
"Hoje em dia é impossível fazer pesquisa na área da saúde sem o envolvimento de animais, é importante", afirma Morales. Segundo o pesquisador, acabar com os testes “não seria só prejudicial, mas estaríamos colocando o Brasil completamente dependente da tecnologia externa e a população brasileira, em risco”. “Todos os lotes de vacina são testados em animais. Todos os medicamentos também.”
O coordenador do Concea diz ainda que não procede o argumento de que seria mais caro investir em meios alternativos. “Todos os pesquisadores brasileiros prefeririam muito usar métodos alternativos. Os cães são caros de manter, tem que ter cuidado extremo. Seria muito melhor para a ciência”, diz.

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