Empresários de ônibus dizem que redução na tarifa impediu a renovação da frota no Rio
- Bombardeados pelas ruas nas manifestações, os empresários de ônibus romperam o silêncio
- Cláudio Callak e Jacob Barata Filho reclamam de quebra do contrato com a prefeitura, dizem que foram demonizados e afirmam que o serviço é o melhor da América Latina
Maiá Menezes
RIO - Camisa polo Lacoste, iPad numa mão, iPhone na outra, um
despojado Jacob Barata Filho se apresenta, antes da entrevista, na sede
da Fetranspor, no Centro do Rio. A informalidade aparente não camufla o
poder que exerce no setor, herança do pai, Jacob Barata, 81 anos —
combalido, depois de uma cirurgia cardíaca, ainda na direção, mas já
fora do comando de grande parte das empresas. Jacob, o filho, conduz a
repórter à sala principal da federação, onde já estava outro empresário,
Cláudio Callak, gestor do consórcio Intersul, que administra o ir e vir
dos ônibus na Zona Sul carioca. Perto de fazer 60 anos, Barata comanda a
segunda geração do maior grupo empresarial do setor no Estado do Rio.
Aos 44, Callak — genro de Anibal de Sequeira, morto aos 77 anos, em 2009
— representa a terceira linhagem do grupo Real.
No comando dos passos claudicantes — ora galopantes, ora cambaleantes, segundo sustentam seus donos — do sistema de transporte público do Rio, os empresários, assumidamente avessos a aparições, revelam (parte) de sua face. A falada. Em uma hora e vinte minutos de conversa, Barata e Callak, no mesmo estilo informal, respondem sobre as mudanças de gestão, historicamente intuitiva, para um modelo mais profissional; revelam o desgaste com o que chamam de “demonização” do setor durante as manifestações; queixam-se da redução de R$ 0,20. E não se deixam fotografar.
Alvo de estigmas que associam o sistema à “caixa preta” e a uma máfia (até duas semanas atrás, a referência existia até mesmo na Wikipedia, no verbete de Jacob Barata, o pai), os empresários reagem: “Que mafioso de m., sou eu, investigado por CPI, por TCM, com tarifa reduzida”, diz Callak, que chegou a se aventurar incógnito entre manifestantes, num dos dias de protesto em frente à Câmara dos Vereadores do Rio, para observar a turba.
Barata, com fala mansa e calculada, deixa claro o desconforto ao falar pela primeira vez sobre os protestos durante o casamento de sua filha, Beatriz, em julho, no Copacabana Palace. “É cruel”, sintetiza. O tom rosa da pele fica mais forte, diante da pergunta sobre a pecha de “rei dos ônibus”, título que “herdou do pai”. “Só se eu for um rei falido... Com 11% do sistema”.
Em que, de fato, mudou a gestão das empresas do setor desde o período artesanal, mais intuitivo, até os dias de hoje?
Jacob Barata Filho: O grupo do Cláudio se profissionalizou bem antes do nosso.
Cláudio Callak: Eu já faço parte de uma terceira geração da empresa, que não necessariamente nasceu dentro do negócio. Acabou encaixando muito bem com esse momento que estamos vivendo, de transição. Acho que toda empresa que foi, em algum momento, familiar, tem que passar por essa transição. Todos os modais já são profissionalizados. A única coisa que talvez a gente não tenha sabido fazer ao longo desse tempo foi a comunicação disso. Exatamente porque quem está do lado de fora parte de um preconceito. Eu, por exemplo, às vezes vou em um lugar, o cara para, me olha e pergunta: cadê o português? Hoje há bons profissionais dentro do sistema. É uma estruturação que está acompanhando a cidade. A gente é um serviço concedido, e somos também um reflexo do nosso concedente. O que talvez não haja é a comunicação, a velocidade, a percepção, a paciência das pessoas. No passado tinha lá o empreendedor. Em algum momento ele se percebeu em um país diferente, deu certo. Aí veio o governo e encampou tudo. Os que tiveram mais ímpeto sobreviveram. E em um determinado momento na cidade, todo mundo é sequestrado. Aí vai o cara se esconder embaixo da mesa de novo. Chega o terceiro momento, e, por mais profissionalizado que esteja, o empresário não tem mais coragem...
O senhor está falando das manifestações?
Callak: Sim. Esse momento que se confunde também com o momento político, mas que o empresário não tem mais força e coragem para vir a público, dizer em que investiu, o quanto investiu. A gente, se disser o quanto investiu, é como um palavrão. Como se ter lucro fosse como cometer um crime. Há uma preparação dos sucessores, que não necessariamente são da família. Todo mundo imagina que 100% do negócio está na mão do português e do filho do português. Não é isso mais. As empresas têm gestores contratados, com cursos de gestão em transportes, que estão fazendo o negócio acontecer, e em determinado momento estão sendo criminalizadas.
Barata: Eu sou muito próximo da primeira geração, vou fazer 60 anos no ano que vem. Estudei Engenharia de Produção, me formei em 1977. Tivemos um perfil associativo. Aproveitávamos uma empresa que não estava dentro do mercado, mas que tinha sócios com qualidade de gestão, entrávamos nessa empresa comprando parte dela e aplicávamos o modelo de gestão. Com isso nós entramos em participação em diversas empresas, que mudavam de perfil e de rentabilidade. Participamos de diversas empresas, com associações de 5% a 80%, dependendo do perfil.
Mas por que tanta pulverização? Não é uma forma disfarçada de monopólio?
Barata: Você diversifica o risco. Você ganha mais trabalho, mas ao mesmo tempo dificilmente vai ter tudo correndo mal. Tanto é que, quando houve a encampação, no governo (Leonel) Brizola, nós tivemos duas empresas encampadas, mas já participávamos de várias outras. Por isso continuamos no game. Nós já vínhamos do setor de revendas de automóveis. Automaticamente foi ampliando para a revenda de ônibus. Foi a forma de verticalizar um pouquinho o setor de transportes. Chegou um determinado momento que esses antigos gestores, que eram a geração do papai, começaram a ficar com mais idade, os filhos foram crescendo, e nós fizemos uma seleção natural. O “filho do português”, que tinha inteligência e preparo para assumir, assumiu e hoje é o diretor da empresa. Temos várias empresas em que o “filho do português” é diretor, é sócio e continua lá. E em outras, não. A segunda geração não tinha preparo, não queria, e fomos ao mercado procurar profissionais. E temos hoje empresas funcionando totalmente profissionalizadas. O nosso grupo hoje se assemelha muito a um fundo de transporte. Temos empresas que têm 40 sócios. São os filhos desses antigos sócios. Cada um tem suas açõezinhas, seus dividendos. Funciona como um investimento em ações. A gente tem mais de 90 sócios só no município do Rio de Janeiro. Esse é um investimento de uma família, tá certo? Um pai, quatro filhos, treze netos (todos eles já na faixa de trinta anos). Então é um núcleo familiar, mas são pessoas individuais, cada um tem sua família, e tem participação nesses negócios. Independentemente disso, temos sócios em Portugal, no Ceará, no Rio. Uma filha minha está tomando conta de um negócio no Ceará, a outra em Brasília. Mas não existe o Jacob Barata. Hoje existe o Jacob Barata, os parentes do Jacob Barata e um monte de profissionais contratados, que tocam isso. Ele não é majoritário nessas empresas. Mas tem uma liderança.
Mas quantos efetivamente tocam o negócio, têm influência?
Barata: Em metade das empresas conseguimos criar a sucessão em cima dos filhos de sócios, de familiares. A outra metade, profissionalizamos. Essa geração já vem com formação acadêmica, com curso de especialização.
A despeito de tudo isso, a imagem do setor atingiu o ápice da negatividade no começo das manifestações...
Callak: O Brasil virou o centro da atenção mundial. O Rio, por consequência. O dinheiro começou a fluir pelas ruas do país. As pessoas começaram a ter um nível de vida melhor. Para muitas pessoas, o único momento que para refletir sobre o que há de bom e de ruim na vida é justamente no trajeto. Não é uma lógica que a gente desenvolveu: o cara morar na Zona Oeste e levar duas horas para chegar ao trabalho na Zona Sul. A cidade se subdesenvolveu dessa forma. O camarada passa essas duas horas pensando na vida, no engarrafamento. O Rio tem a frota mais nova do país inteiro. Mas a reclamação é do Nordeste ao Sul. Ao mesmo tempo há um discurso ideológico e demagógico muito grande por trás disso, que o cara quando não tem saída fala mal de transporte. Chegou no limite em que as pessoas não sabem mais o que discutem. No auge da crise, eu dei um pulo ali na Câmara dos Vereadores, quando o pessoal estava acampado. E tinha, colado na parede, desde “Salve as baleias” até “Abaixo o transporte”. O pessoal não sabe precisamente por que está protestando. O transporte passou a ser figura central. Mas é óbvio que tem erros...
A questão da transparência, da comunicação com a sociedade, não é um deles?
Callak: É. Na verdade, toda essa dinâmica está nos impondo um aprendizado muito forte. Você tem, como o Jacob citou aqui, todo um processo de primeira geração, cultural, que tem que ir acompanhando. Até porque não dá para virar para o cara do passado e dizer: você estava errado e eu estou certo. Você passa a olhar isso e fazer a seguinte reflexão: onde eu errei? Errei na comunicação? Errei na “transparência”? Mas do outro lado tinha alguém que queria me ouvir? A gente não aprendeu a se comunicar nem com quem se comunicar.
Jacob: Na parte da comunicação, chegamos a tentar várias vezes. A intenção de divulgar o que estava sendo feito começou um pouco antes do governo Brizola. Aí o que aconteceu? Veio a encampação. Aí pensamos: bom, estamos em um governo adverso, vamos ficar quietinhos. Foram sete anos de reconstrução. Quando começamos a voltar a nos comunicar novamente, surgiram as primeiras kombis. Aí começou um processo de insegurança muito grande, eu tive um irmão sequestrado, seu Anibal foi sequestrado. Eu mesmo disse: “Pessoal, temos que sumir. Não pode existir empresário. As pessoas não podem saber nem o nome dos empresários”. Aí a gente submergiu novamente. Esse sobe e desce do transporte, e essa condição política de uma inconstância muito grande desde que o Rio deixou de ser capital, de um esvaziamento econômico, de governos experimentais, porque o Rio sempre foi oposição e sempre quis experimentar o diferente, que nem sempre é o ideal, fizeram a gente ter que navegar de acordo com a onda. A gente presta contas em um serviço que o governo nos contrata para fazer. Mas a gente só pode prestar o serviço que o governo nos paga para fazer. Não dá para gastar mais do que a gente recebe. Nós passamos por momentos de achatamentos tarifários violentos, de desregulamentação. Você é quase como um camaleão.
Nesse momento agora surge uma...
Jacob: Demonização.
Eu ia dizer uma personalização. Os nomes de familiares seus foram parar nas ruas, em especial depois do casamento no Copacabana Palace...
Jacob: A personalização é uma técnica para tentar desmontar o setor. O nosso nome especificamente aparece muito por quê? Como a gente vem participando da criação dessa estrutura há 50 anos, e eu tenho o mesmo nome do meu pai, fica parecendo até aquele efeito do fantasma, né? O pai com o nome do filho e o pessoal confunde quem é um, quem é o outro. Quando as pessoas chegam nas diversas associações de classe, nós estamos presentes. Nós participamos da construção, da profissionalização. Como nosso perfil é de associação, quando você chega em diversas empresas, temos participação também. Então, é um nome que está presente na federação, na Riônibus, em diversos estados, em diversas empresas. Se você quer detonar um setor, qual a melhor estratégia? Personificar o setor numa pessoa e tentar detonar aquela pessoa. A personificação é uma técnica. É altamente desconfortável, ainda mais quando envolve família. E, olha, o trabalho que a gente fez desde que começou a tocar as empresas de transporte pode não ser o melhor do mundo, mas com certeza da América Latina. E no Grande Rio, nossas empresas têm um bom nível de qualidade. Isso não é nem justo.
A Dona Baratinha virou personagem das passeatas...
Barata: Eu estudei no colégio Marista, na época da ditadura. Acabei entrando no movimento estudantil. Quando me dei conta, estava sendo convidado para treinamento de guerrilha na Colômbia. Fui presidente de grêmio. Você entra na brincadeira, para namorar. Essa técnica de personificar eu conheço. Mas é cruel. É uma forma de desmontar a liderança. Foi o que o (Leonel) Brizola fez.
Qual o nível de preocupação dos senhores com a qualidade da mão de obra? São inúmeros os casos relatados de falta de preparo dos motoristas...
Barata: Vou te relatar qual é o pior problema que nós temos nesse momento. Temos uma falta muito grande de mão de obra. Com o término da violência no Rio, e o crescimento econômico, os setores passaram a ter mais atividade. Principalmente os de logística e de transporte de carga. Com isso, eles começaram a recrutar mão de obra e a pagar salários muito acima daqueles que eram praticados no setor de transportes de passageiros. Então hoje, quando um motorista nosso ganha em torno de R$ 2 mil, um motorista de transporte de carga ganha quase 50% a mais. Historicamente, o nosso motorista chegou a ganhar cinco salários mínimos. Tivemos um achatamento real. Quem dá o tom do que pode pagar em cada setor é a tarifa que o usuário está pagando. E se a tarifa hoje paga o custo do transporte, porque nós não temos nenhum tipo de subsídio, isso fez a gente ter que enxugar os custos para competir com os clandestinos, que não tinham imposto, nem nada. Infelizmente isso acabou caindo em cima da mão de obra. Cada empresa nossa forma uma média de 40 motoristas por mês. Só que tem uma evasão enorme. Ele recebe proposta e sai.
Existe alguma estratégia para driblar isso, sem mexer na tarifa?
Barata: Estamos mexendo violentamente com a bilhetagem. Estamos procurando formar todos os nossos cobradores para serem motoristas, para procurar, com esse custo do cobrador, que hoje talvez represente 15% da tarifa, poder reverter isso em salário para os motoristas. Só quando você tiver esse salário em linha vai conseguir reter essa turma. Nas nossas empresas, 50% têm mais de cinco anos de casa. Os outros 50% têm no máximo três anos de casa. Há uma rotatitividade alta. E são esses que fazem besteira no meio da rua. E que trazem uma imagem péssima pra gente. Mas não há como pagar um salário ao menos 30% acima do praticado hoje sem a contrapartida tarifária.
Não há uma maneira de treinar, mesmo com baixos salários, para que eles, submetidos ao estresse, se comportem de forma diferente?
Barata: Nós já tivemos vários incêndios no setor. O setor tarifário é esquemático. Ele vem em um nível e na queimada (crises conjunturais) tinha que submergir. E submergia em qualidade também. Nessa queimada do transporte clandestino, foi um momento em que o setor mergulhou e caiu de qualidade direto. Há alguns anos, chegamos a fazer aulas de meditação antiestresse, ensinando o motorista a meditar, quando estivesse no trânsito. A melhor qualidade que posso ter no ônibus é passar menos tempo dentro dele. A questão é que na hora que você tem uma desregulamentação e precisa sobreviver, infelizmente tudo o que você pode enxugar você enxuga. E não enxuga só despesa, enxuga custo. Coisa que você teria que ter, mas não está podendo, porque a qualidade do serviço que você está prestando não está sendo paga. Não fecha a conta.
A redução dos R$ 0,20, então, na avaliação dos senhores, agravou este quadro?
Barata: Com certeza. Já atrasamos a renovação de frota.
Callack: Atrasou muito a renovação de frota e a coragem de renovação de frota. Mas na questão do motorista, há uma lógica de achar que a gente não dá treinamento. Eu treino um motorista de 35, 40 anos, que é a média de idade dele. Muita coisa vem com ele. O verdadeiro dono da minha empresa é o motorista. É um dos poucos negócios que está na rua e o cliente está correndo atrás para comprar. E é ele que toma decisão se vai vender aquilo ali ou não. Então é óbvio que eu não paro ele em um treinamento da empresa, de manhã, e digo: olha, hoje você vai sair, vai deixar três velhinhas no ponto, dois estudantes em Copacabana e, por favor, quando estiver voltando de Copacabana, bata em um carro caro. A frota do Rio é nova, mas quando você bota o profissional para fazer em duas horas uma viagem... As pessoas que postam no YouTube não mostram que, em grande parte dos casos, o motorista está discutindo com o passageiro, que também está estressado. Não adianta o poder público vir ao jornal dizer: multei o motorista, vou suspender. Ele não está fazendo bem nem ao sistema nem ao motorista. O poder público tem que interagir, o usuário tem que ter a mesma educação que ele espera receber do motorista. O empresário tem que preparar treinamento para ele. A gente acaba também demonizando o motorista.
Há um questionamento da sociedade em torno da falta de transparência do setor, históricamente associado a uma “caixa preta”...
Barata: A caixa preta é um troço recente, desse movimento atual. Acho difícil chamar de caixa preta, quanto se tem um sistema de concessão, que tem obrigações anuais de auditorias periódicas e que tem uma fórmula paramétrica, onde há a correção tarifária. Que é autoaplicável.
Qual sua expectativa em relação à análise do TCM sobre a tarifa?
Barata: O TCM vai analisar o que ele quiser, entende? Ele já deu a sentença dele, já deu o ok. Está voltando a analisar, pressionado politicamente. É nítido que é uma pressão política. Já arquivou o processso. Aprovou o edital e o processo de licitação. Na realidade, pode achar alguma coisa? Num sistema como esse, pode. Mas a nível macro, não vai ter o que falar, não vai ter o que achar.
Callack: Existem duas caixas pretas. Uma técnica e uma política. A técnica, a melhor coisa que podia acontecer para nós é uma investigação do TCM. Porque não adianta eu ir ao meio de comunicação e falar. E a política é aquela que o cara (o homem público) está pressionado e vai usar aquilo politicamente.
Barata: Uma CPI que a oposição está pedindo para parar...
De acordo com a oposição, a CPI seria conduzida, na configuração que se manteve, segundo os interesses dos empresários...
Barata: Podiam falar no máximo que era seguindo os interesses da prefeitura, né? A base que está na CPI é uma base da prefeitura, não dos empresários.
Há muitas controvérsias na relação que se estabeleceu entre a Fetranspor e os políticos, no grau de influência sobre bancadas. Qual a leitura dos empresários em relação a isso?
Barata: O que temos são sobreviventes das diversas políticas implementadas ao longo dos anos. Há empresas que quase quebraram em função de o poder público não regular as vans. O setor procurou, ao longo do tempo, sobreviver de acordo com o que era a regra do jogo. Nós trabalhamos para governos, e eles impõem as regras e a forma que temos de trabalhar. Nesse momento, as instituições estão se tornando mais fortes. Saimos de um regime de autorização a título precário para um de concessão. E estamos adorando isso. O que a gente quer é cada vez mais trabalhar de forma clara, tendo as obrigações e os direitos. Agora, é um momento de transformação, com um pedaço de um modelo e um pedaço de outro. É uma transição em que você tem falhas. Mas em que você tem um norte, sai lá na frente com outro sistema. Está sendo feita uma revolução na cidade do Rio de Janeiro, ancorada na parceria entre o governo do estado e a prefeitura, em que as verbas fluíram. A mobilidade é a palavra da moda. E se a gente não aproveitar esse momento... A gente está dando a cara para bater um pouco mais.
Como conseguir atribuir a todas as empresas o mesmo padrão? Há qualidades distintas de serviços prestados. A Translitorânea, por exemplo, foi punida...
Barata: Na concorrência do Rio, foram montados quatro consórcios, um por AP (Área de Planejamento). Por mais que sejam várias empresas em um consórcio, já começamos a trabalhar mais ou menos juntos. No final, o consórcio é que vai determinar o planejamento, os padrões de qualidade. Isso está acontecendo no BRT. Quando chega lá um ônibus com um arranhão ou soltando fumaça, ele retorna para a garagem e o empresário é penalizado. O próprio sistema se regula, porque não está de acordo com a qualidade do BRT. Isso vai acontecer nos consórcios também. Tivemos uma empresa que passou por problemas, começamos a operar uma área que ela teve que abandonar, e essa área está sendo operada pelo consórcio.
Será, então, uma espécie de “seleção natural”?
Callak: O presidente do consórcio é o Charles Darwin...
Barata: Isso. Homogeneizando a qualidade do serviço. Mas a gente sabe que isso não vai ser de um dia para o outro. Talvez levemos até 2016 para chegar lá, trabalhando muito.
Diante do quadro que vivemos, é possível ter essa esperança, de chegar a um modelo igual ao de Tóquio ou ao de outras capitais olímpicas, como Londres?
Barata: O problema do transporte é custo. Você anda de ônibus rodoviário na Alemanha, ou na Espanha, é igualzinho ao ônibus rodoviário do Brasil. Por quê? Porque há uma tarifa igual no mundo inteiro. Tecnologia e capacidade de gestão nós temos para fazer qualquer coisa, seja na parte de ônibus ou de trilho, no meio de transporte que for. É uma questão de custo. De saber o que o governo quer de qualidade, o que ele tem capacidade de pagar por essa qualidade, por que o usuário não vai conseguir pagar esse custo todo…
Mas e a margem de lucro dos empresários? Há um questionamento em torno dela.
Barata: Claro, claro. Vou te dar o exemplo do leilão de Libra. Quantos consórcios concorreram? Um. Por quê? Porque o governo achou que não tem que ter lucro. Então ninguém está disposto a concorrer em uma concessão que não tenha lucro. Por que o chinês ficou? Porque ele não está vendo lucro. Está vendo subsistência. Só entrou para garantir fornecimento do petróleo para a China. Senão, nem ele entraria. O leilão das ferrovias, o que aconteceu? Ficou vazio. Não existe concessão sem lucro. É um negócio que eu gosto de fazer, que tenho tesão em fazer. Mas o dia que não der lucro, a gente vai embora. A gente já trabalhou até de graça, em alguns momentos, esperando tempos melhores. Mas não dá para pagar para trabalhar. Tirar do bolso para fazer o que você gosta, ninguém quer fazer isso.
Callak: Quem paga é a sociedade.
Barata: Estamos em um regime democrático capitalista. E o empresário tem que ter lucro, é o que o estimula. Na nossa gestão, a gente tenta bonificar as pessoas responsáveis por cada processo, pelos objetivos que elas atingem. Isso é que estimula as pessoas. No contrato da concessão, o lucro foi definido entre 8,5% e 10%. Aceitamos esse lucro para prestar esse serviço. Dentro disso, temos a obrigação de prestar o serviço que a prefeitura está exigindo. E a prefeitura tem a obrigação de nos remunerar pelo que foi contratado.
Houve uma divergência sobre o lucro do setor divulgado pela prefeitura foi de R$ 69,4 milhões. O setor divulgou R$ 77,1 milhões. Por que a divergência?
Callak: A prefeitura pegou os balanços auditados por ela até aquele momento. O lucro do setor atualizado foi de de R$ 77,1 milhões.
Existe, na avaliação dos senhores, uma quebra de contrato?
Barata: Sim. E o setor público tem que amadurecer e entender que não pode haver quebra de contrato. Até para ter investidores estrangeiros. Investidor quer estabilidade. Quer saber que ele vai contratar alguma coisa e o contrato vai ser cumprido. Quando o governo quebra um contrato, afugenta os investidores de uma forma absurda. Hoje estamos recebendo menos do que o contrato determina. Mas a gente acha que esse é um momento de transição. E, olha, há poucos lugares com a eficiência e a competência do setor aqui no Grande Rio.
A redução pegou o setor de surpresa? Houve alguma consulta antes do anúncio?
Barata: Fomos pegos de surpresa porque ele (o prefeito Eduardo Paes) deu uma entrevista dizendo que não ia reduzir, e reduziu. A Dilma é que mandou todos reduzirem. Isso tira nosso poder de investimento. E nosso poder de endividamento, o que é pior. Porque com isso que aconteceu, os bancos ficaram arrepiados e foi um tal de cancelar financiamento no setor, um atrás do outro…
E o movimento em torno da bandeira do Passe Livre?
Barata: O custo (do passe livre) é um absurdo. O governo tem tanta coisa para fazer com dinheiro público antes de zerar a passagem para o usuário… E depois quem paga é a empresa.
Callak: Você está estrangulando a cadeia produtiva. Tem toda uma cadeia de produção envolvida, de fornecedor de peça. Agora em dezembro, temos o 13º. Por melhor que fossem as empresas, e a gente não tem bandeira 2, em algum momento essa conta vai aparecer. A gente tem 13 meses de despesa no ano e 12 de arrecadação. A gente paga 40 mil funcionários no Rio de Janeiro. E os bancos, historicamente financiadores de 13º, não querem mais para sentar à mesa.
Há uma percepção clara da população é de que o serviço é ruim..
Barata: Temos dois problemas sérios: primeiro, o motorista, que precisa ser mais bem pago, para fixá-lo na empresa, e aí virá um profissional melhor. O segundo problema é comunicação. Hoje, já que o problema de segurança pública acabou, está na hora de voltarmos a nos comunicar de maneira forte, para as pessoas saberem o que está sendo feito. Elas não têm a menor ideia.
Quando teremos os avisos sobre os horários dos ônibus nos pontos?
Barata: Brevemente.
Há registros, na rede, que associam o nome da família Barata a uma máfia. Seu pai é apontado como o “rei do Ônibus”. A que o senhor atribui isso?
Barata: Rei do ônibus foi criado agora…Caixa preta e Rei do ônibus são denominações recentes. Tudo isso foi criado agora. Máfia do transporte, não. É mais antigo.
Mas a que atribuem todos essas alcunhas?
Barata: Talvez por causa da pulverização das empresas. E por causa do perfil de liderança da minha família. Para ser rei do ônibus teria que ter muito mais do que tenho hoje. Ser rei do ônibus com 11% do sistema do Rio é o rei falido… É o ônus sem ter o bônus. E é uma forma depreciativa de colocar.
Mas e a “máfia dos ônibus”?
Barata: Isso foi pré-encampação. Foi toda uma preparação, para esvaziar o setor. Foram encampadas 16 empresas, todas de líderes sindicais. Foi o presidente de Niterói, o de Caxias, o de Nova Iguaçu, o do Rio. O critério de encampação do sistema foi: encampar todos os líderes sindicais. Todo líder foi encampado. Eles só não conseguiram encampar todas as nossas, porque estávamos muito pulverizados.
Callak: Outro dia estava com minha esposa no Leblon, tomando café no Talho Capixaba. Ao nosso lado, um casal. E a mulher falando: “esses empresários de ônibus são todos uns mafiosos”. E eu olhando pra ela e pensando assim: poxa, estou com uma tarifa que não foi dada, estou com uma investigação no TCM, em uma CPI. Que mafioso de m. sou eu? Eu sentado ali, ela falando…
Os senhores vivem esse incômodo pessoal e social?
Barata: Sim, muito grande. E os fatos do passado, a encampação e os sequestros, que eram muito focados no empresário de ônibus, fizeram o setor submergir. Aparecer não era muito o perfil da gente. Ficamos mais low profile ainda.
Sempre houve então uma estratégia de evitar a exposição?
Callack: Sim. Por medo.
Barata: A gente já tinha esse comportamento, em função disso. E o transporte público é uma coisa que para o político é muito fácil. Tanto para o bem como para o mal. O Sérgio (Cabral Filho, governador) conseguiu se eleger com o bilhete único de uma forma absurda. O Eduardo (Paes) fez toda a campanha em cima do BRT e do corredor de Madureira. O transporte, para o bem, alavanca o político de forma absurda. Mas para o mal também. É um troço que o cidadão paga todo dia, por isso gera tanto desconforto nas pessoas. Por outro lado, está desorganizado. O trânsito está cada vez pior. É um sistema que tem fragilidades. Que teve que fazer o papel do trem, porque o governo federal resolveu interromper o projeto de investimento da rede ferroviária. O governo federal termina com o transporte, a gente faz o trabalho de transporte de longa distância, que não é atribuição dos ônibus. E o que saiu? Que nós terminamos com os trens. Isso é uma loucura. Essa falta de expertise em comunicação e até o medo de se comunicar para não ficar em evidência faz com que se criem lendas urbanas que são as coisas mais malucas do mundo.
Na licitação de 2010, os mesmos grupos se mantiveram no poder e isso foi alvo de muitas críticas...
Barata: A gente já tinha as garagens montadas. Não tinha que fazer investimento em garagem. É muito mais barato e o investimento muito menor do que pegar um grupo que vem de fora para fazer isso. Como a gente já tinha tudo isso, não conta no investimento. Sempre tem um maluco. Mas pela lógica, se você não tiver um grupo ruim, a tendência é que haja uma prevalência do grupo local sobre o grupo que vem. A gente já tem parte do investimento feito.
Callak: Estou há 60 anos me preparando para fazer o transporte na Zona Sul do Rio de Janeiro. Foi uma coisa quase natural. E a cidade só tem a ganhar com isso. Imagina a gente parar hoje e recomeçar uma história amanhã.
Barata: Acho que devíamos fazer um estudo, avaliando a diminuição do número de acidentes na cidade do Rio. Hoje, temos um ou dois por dia. Devíamos fazer o recorte dos anos 90 para cá. E medir a eficiência do sistema.
O fato de estar próximo do serviço público e do governo dá a esse tipo de escolha gerencial um caráter diferente. É um concessionário público, afinal...
Barata: Ninguém está mais próximo do poder público do que empreiteira. E hoje ele estão em todos os transportes de massa. Eles são os nossos sucessores. A gente quer um dia chegar lá. Nós somos crianças perto dessa turma.
Eles têm um grau de profissionalização junto ao transporte também, a Odebrecht já tem?
Barata: Já (rapidamente).
A concorrência de empreiteiros vai mexer com o estilo de gestão atual?
Barata: A gente está tentando fazer parcerias. As barcas ficaram com a CCR, nós ficamos com 10%. No VLT, entramos em sociedade com a Intepar, com a CCR e com a Odebrecht, e vamos ficar com 25%. Tem o monotrilho de São Gonçalo, já estamos conversando com eles para as empresas participarem. Estamos tentando não uma concorrência, mas uma parceria, para podermos planejar o sistema de uma forma única. Estamos tentando nos aproximar deles.
Eles mudam o sistema, de alguma forma?
Barata: É uma coisa nova. São grupos muito grandes, muito bem estruturados e profissionalizados. A CCR por exemplo é uma empresa de capital aberto, como pensamos muito futuramente em ser também. Acho que é um modelo a ser buscado. Para nós, está agregando. Acho que é uma escola muito boa.
Callak: A nossa empresa vem em um processo de transição. A última etapa dele veio mais ou menos na época da licitação. De todas as empresas que foram citadas ao longo de todas as reportagens que “O Globo” publicou, não tenho um carro comprado na Guanabara Diesel, não uso o Banco Guanabara, meu GPS não é da M2M. Não sou sócio do Jacob.
Barata: Seria um sócio muito bem-vindo.
Callak: É mais uma lenda urbana. Que mafioso é esse, que todo mundo depende dele no sistema de transporte, se eu não uso um único fornecedor? •
No comando dos passos claudicantes — ora galopantes, ora cambaleantes, segundo sustentam seus donos — do sistema de transporte público do Rio, os empresários, assumidamente avessos a aparições, revelam (parte) de sua face. A falada. Em uma hora e vinte minutos de conversa, Barata e Callak, no mesmo estilo informal, respondem sobre as mudanças de gestão, historicamente intuitiva, para um modelo mais profissional; revelam o desgaste com o que chamam de “demonização” do setor durante as manifestações; queixam-se da redução de R$ 0,20. E não se deixam fotografar.
Alvo de estigmas que associam o sistema à “caixa preta” e a uma máfia (até duas semanas atrás, a referência existia até mesmo na Wikipedia, no verbete de Jacob Barata, o pai), os empresários reagem: “Que mafioso de m., sou eu, investigado por CPI, por TCM, com tarifa reduzida”, diz Callak, que chegou a se aventurar incógnito entre manifestantes, num dos dias de protesto em frente à Câmara dos Vereadores do Rio, para observar a turba.
Barata, com fala mansa e calculada, deixa claro o desconforto ao falar pela primeira vez sobre os protestos durante o casamento de sua filha, Beatriz, em julho, no Copacabana Palace. “É cruel”, sintetiza. O tom rosa da pele fica mais forte, diante da pergunta sobre a pecha de “rei dos ônibus”, título que “herdou do pai”. “Só se eu for um rei falido... Com 11% do sistema”.
Em que, de fato, mudou a gestão das empresas do setor desde o período artesanal, mais intuitivo, até os dias de hoje?
Jacob Barata Filho: O grupo do Cláudio se profissionalizou bem antes do nosso.
Cláudio Callak: Eu já faço parte de uma terceira geração da empresa, que não necessariamente nasceu dentro do negócio. Acabou encaixando muito bem com esse momento que estamos vivendo, de transição. Acho que toda empresa que foi, em algum momento, familiar, tem que passar por essa transição. Todos os modais já são profissionalizados. A única coisa que talvez a gente não tenha sabido fazer ao longo desse tempo foi a comunicação disso. Exatamente porque quem está do lado de fora parte de um preconceito. Eu, por exemplo, às vezes vou em um lugar, o cara para, me olha e pergunta: cadê o português? Hoje há bons profissionais dentro do sistema. É uma estruturação que está acompanhando a cidade. A gente é um serviço concedido, e somos também um reflexo do nosso concedente. O que talvez não haja é a comunicação, a velocidade, a percepção, a paciência das pessoas. No passado tinha lá o empreendedor. Em algum momento ele se percebeu em um país diferente, deu certo. Aí veio o governo e encampou tudo. Os que tiveram mais ímpeto sobreviveram. E em um determinado momento na cidade, todo mundo é sequestrado. Aí vai o cara se esconder embaixo da mesa de novo. Chega o terceiro momento, e, por mais profissionalizado que esteja, o empresário não tem mais coragem...
O senhor está falando das manifestações?
Callak: Sim. Esse momento que se confunde também com o momento político, mas que o empresário não tem mais força e coragem para vir a público, dizer em que investiu, o quanto investiu. A gente, se disser o quanto investiu, é como um palavrão. Como se ter lucro fosse como cometer um crime. Há uma preparação dos sucessores, que não necessariamente são da família. Todo mundo imagina que 100% do negócio está na mão do português e do filho do português. Não é isso mais. As empresas têm gestores contratados, com cursos de gestão em transportes, que estão fazendo o negócio acontecer, e em determinado momento estão sendo criminalizadas.
Barata: Eu sou muito próximo da primeira geração, vou fazer 60 anos no ano que vem. Estudei Engenharia de Produção, me formei em 1977. Tivemos um perfil associativo. Aproveitávamos uma empresa que não estava dentro do mercado, mas que tinha sócios com qualidade de gestão, entrávamos nessa empresa comprando parte dela e aplicávamos o modelo de gestão. Com isso nós entramos em participação em diversas empresas, que mudavam de perfil e de rentabilidade. Participamos de diversas empresas, com associações de 5% a 80%, dependendo do perfil.
Mas por que tanta pulverização? Não é uma forma disfarçada de monopólio?
Barata: Você diversifica o risco. Você ganha mais trabalho, mas ao mesmo tempo dificilmente vai ter tudo correndo mal. Tanto é que, quando houve a encampação, no governo (Leonel) Brizola, nós tivemos duas empresas encampadas, mas já participávamos de várias outras. Por isso continuamos no game. Nós já vínhamos do setor de revendas de automóveis. Automaticamente foi ampliando para a revenda de ônibus. Foi a forma de verticalizar um pouquinho o setor de transportes. Chegou um determinado momento que esses antigos gestores, que eram a geração do papai, começaram a ficar com mais idade, os filhos foram crescendo, e nós fizemos uma seleção natural. O “filho do português”, que tinha inteligência e preparo para assumir, assumiu e hoje é o diretor da empresa. Temos várias empresas em que o “filho do português” é diretor, é sócio e continua lá. E em outras, não. A segunda geração não tinha preparo, não queria, e fomos ao mercado procurar profissionais. E temos hoje empresas funcionando totalmente profissionalizadas. O nosso grupo hoje se assemelha muito a um fundo de transporte. Temos empresas que têm 40 sócios. São os filhos desses antigos sócios. Cada um tem suas açõezinhas, seus dividendos. Funciona como um investimento em ações. A gente tem mais de 90 sócios só no município do Rio de Janeiro. Esse é um investimento de uma família, tá certo? Um pai, quatro filhos, treze netos (todos eles já na faixa de trinta anos). Então é um núcleo familiar, mas são pessoas individuais, cada um tem sua família, e tem participação nesses negócios. Independentemente disso, temos sócios em Portugal, no Ceará, no Rio. Uma filha minha está tomando conta de um negócio no Ceará, a outra em Brasília. Mas não existe o Jacob Barata. Hoje existe o Jacob Barata, os parentes do Jacob Barata e um monte de profissionais contratados, que tocam isso. Ele não é majoritário nessas empresas. Mas tem uma liderança.
Mas quantos efetivamente tocam o negócio, têm influência?
Barata: Em metade das empresas conseguimos criar a sucessão em cima dos filhos de sócios, de familiares. A outra metade, profissionalizamos. Essa geração já vem com formação acadêmica, com curso de especialização.
A despeito de tudo isso, a imagem do setor atingiu o ápice da negatividade no começo das manifestações...
Callak: O Brasil virou o centro da atenção mundial. O Rio, por consequência. O dinheiro começou a fluir pelas ruas do país. As pessoas começaram a ter um nível de vida melhor. Para muitas pessoas, o único momento que para refletir sobre o que há de bom e de ruim na vida é justamente no trajeto. Não é uma lógica que a gente desenvolveu: o cara morar na Zona Oeste e levar duas horas para chegar ao trabalho na Zona Sul. A cidade se subdesenvolveu dessa forma. O camarada passa essas duas horas pensando na vida, no engarrafamento. O Rio tem a frota mais nova do país inteiro. Mas a reclamação é do Nordeste ao Sul. Ao mesmo tempo há um discurso ideológico e demagógico muito grande por trás disso, que o cara quando não tem saída fala mal de transporte. Chegou no limite em que as pessoas não sabem mais o que discutem. No auge da crise, eu dei um pulo ali na Câmara dos Vereadores, quando o pessoal estava acampado. E tinha, colado na parede, desde “Salve as baleias” até “Abaixo o transporte”. O pessoal não sabe precisamente por que está protestando. O transporte passou a ser figura central. Mas é óbvio que tem erros...
A questão da transparência, da comunicação com a sociedade, não é um deles?
Callak: É. Na verdade, toda essa dinâmica está nos impondo um aprendizado muito forte. Você tem, como o Jacob citou aqui, todo um processo de primeira geração, cultural, que tem que ir acompanhando. Até porque não dá para virar para o cara do passado e dizer: você estava errado e eu estou certo. Você passa a olhar isso e fazer a seguinte reflexão: onde eu errei? Errei na comunicação? Errei na “transparência”? Mas do outro lado tinha alguém que queria me ouvir? A gente não aprendeu a se comunicar nem com quem se comunicar.
Jacob: Na parte da comunicação, chegamos a tentar várias vezes. A intenção de divulgar o que estava sendo feito começou um pouco antes do governo Brizola. Aí o que aconteceu? Veio a encampação. Aí pensamos: bom, estamos em um governo adverso, vamos ficar quietinhos. Foram sete anos de reconstrução. Quando começamos a voltar a nos comunicar novamente, surgiram as primeiras kombis. Aí começou um processo de insegurança muito grande, eu tive um irmão sequestrado, seu Anibal foi sequestrado. Eu mesmo disse: “Pessoal, temos que sumir. Não pode existir empresário. As pessoas não podem saber nem o nome dos empresários”. Aí a gente submergiu novamente. Esse sobe e desce do transporte, e essa condição política de uma inconstância muito grande desde que o Rio deixou de ser capital, de um esvaziamento econômico, de governos experimentais, porque o Rio sempre foi oposição e sempre quis experimentar o diferente, que nem sempre é o ideal, fizeram a gente ter que navegar de acordo com a onda. A gente presta contas em um serviço que o governo nos contrata para fazer. Mas a gente só pode prestar o serviço que o governo nos paga para fazer. Não dá para gastar mais do que a gente recebe. Nós passamos por momentos de achatamentos tarifários violentos, de desregulamentação. Você é quase como um camaleão.
Nesse momento agora surge uma...
Jacob: Demonização.
Eu ia dizer uma personalização. Os nomes de familiares seus foram parar nas ruas, em especial depois do casamento no Copacabana Palace...
Jacob: A personalização é uma técnica para tentar desmontar o setor. O nosso nome especificamente aparece muito por quê? Como a gente vem participando da criação dessa estrutura há 50 anos, e eu tenho o mesmo nome do meu pai, fica parecendo até aquele efeito do fantasma, né? O pai com o nome do filho e o pessoal confunde quem é um, quem é o outro. Quando as pessoas chegam nas diversas associações de classe, nós estamos presentes. Nós participamos da construção, da profissionalização. Como nosso perfil é de associação, quando você chega em diversas empresas, temos participação também. Então, é um nome que está presente na federação, na Riônibus, em diversos estados, em diversas empresas. Se você quer detonar um setor, qual a melhor estratégia? Personificar o setor numa pessoa e tentar detonar aquela pessoa. A personificação é uma técnica. É altamente desconfortável, ainda mais quando envolve família. E, olha, o trabalho que a gente fez desde que começou a tocar as empresas de transporte pode não ser o melhor do mundo, mas com certeza da América Latina. E no Grande Rio, nossas empresas têm um bom nível de qualidade. Isso não é nem justo.
A Dona Baratinha virou personagem das passeatas...
Barata: Eu estudei no colégio Marista, na época da ditadura. Acabei entrando no movimento estudantil. Quando me dei conta, estava sendo convidado para treinamento de guerrilha na Colômbia. Fui presidente de grêmio. Você entra na brincadeira, para namorar. Essa técnica de personificar eu conheço. Mas é cruel. É uma forma de desmontar a liderança. Foi o que o (Leonel) Brizola fez.
Qual o nível de preocupação dos senhores com a qualidade da mão de obra? São inúmeros os casos relatados de falta de preparo dos motoristas...
Barata: Vou te relatar qual é o pior problema que nós temos nesse momento. Temos uma falta muito grande de mão de obra. Com o término da violência no Rio, e o crescimento econômico, os setores passaram a ter mais atividade. Principalmente os de logística e de transporte de carga. Com isso, eles começaram a recrutar mão de obra e a pagar salários muito acima daqueles que eram praticados no setor de transportes de passageiros. Então hoje, quando um motorista nosso ganha em torno de R$ 2 mil, um motorista de transporte de carga ganha quase 50% a mais. Historicamente, o nosso motorista chegou a ganhar cinco salários mínimos. Tivemos um achatamento real. Quem dá o tom do que pode pagar em cada setor é a tarifa que o usuário está pagando. E se a tarifa hoje paga o custo do transporte, porque nós não temos nenhum tipo de subsídio, isso fez a gente ter que enxugar os custos para competir com os clandestinos, que não tinham imposto, nem nada. Infelizmente isso acabou caindo em cima da mão de obra. Cada empresa nossa forma uma média de 40 motoristas por mês. Só que tem uma evasão enorme. Ele recebe proposta e sai.
Existe alguma estratégia para driblar isso, sem mexer na tarifa?
Barata: Estamos mexendo violentamente com a bilhetagem. Estamos procurando formar todos os nossos cobradores para serem motoristas, para procurar, com esse custo do cobrador, que hoje talvez represente 15% da tarifa, poder reverter isso em salário para os motoristas. Só quando você tiver esse salário em linha vai conseguir reter essa turma. Nas nossas empresas, 50% têm mais de cinco anos de casa. Os outros 50% têm no máximo três anos de casa. Há uma rotatitividade alta. E são esses que fazem besteira no meio da rua. E que trazem uma imagem péssima pra gente. Mas não há como pagar um salário ao menos 30% acima do praticado hoje sem a contrapartida tarifária.
Não há uma maneira de treinar, mesmo com baixos salários, para que eles, submetidos ao estresse, se comportem de forma diferente?
Barata: Nós já tivemos vários incêndios no setor. O setor tarifário é esquemático. Ele vem em um nível e na queimada (crises conjunturais) tinha que submergir. E submergia em qualidade também. Nessa queimada do transporte clandestino, foi um momento em que o setor mergulhou e caiu de qualidade direto. Há alguns anos, chegamos a fazer aulas de meditação antiestresse, ensinando o motorista a meditar, quando estivesse no trânsito. A melhor qualidade que posso ter no ônibus é passar menos tempo dentro dele. A questão é que na hora que você tem uma desregulamentação e precisa sobreviver, infelizmente tudo o que você pode enxugar você enxuga. E não enxuga só despesa, enxuga custo. Coisa que você teria que ter, mas não está podendo, porque a qualidade do serviço que você está prestando não está sendo paga. Não fecha a conta.
A redução dos R$ 0,20, então, na avaliação dos senhores, agravou este quadro?
Barata: Com certeza. Já atrasamos a renovação de frota.
Callack: Atrasou muito a renovação de frota e a coragem de renovação de frota. Mas na questão do motorista, há uma lógica de achar que a gente não dá treinamento. Eu treino um motorista de 35, 40 anos, que é a média de idade dele. Muita coisa vem com ele. O verdadeiro dono da minha empresa é o motorista. É um dos poucos negócios que está na rua e o cliente está correndo atrás para comprar. E é ele que toma decisão se vai vender aquilo ali ou não. Então é óbvio que eu não paro ele em um treinamento da empresa, de manhã, e digo: olha, hoje você vai sair, vai deixar três velhinhas no ponto, dois estudantes em Copacabana e, por favor, quando estiver voltando de Copacabana, bata em um carro caro. A frota do Rio é nova, mas quando você bota o profissional para fazer em duas horas uma viagem... As pessoas que postam no YouTube não mostram que, em grande parte dos casos, o motorista está discutindo com o passageiro, que também está estressado. Não adianta o poder público vir ao jornal dizer: multei o motorista, vou suspender. Ele não está fazendo bem nem ao sistema nem ao motorista. O poder público tem que interagir, o usuário tem que ter a mesma educação que ele espera receber do motorista. O empresário tem que preparar treinamento para ele. A gente acaba também demonizando o motorista.
Há um questionamento da sociedade em torno da falta de transparência do setor, históricamente associado a uma “caixa preta”...
Barata: A caixa preta é um troço recente, desse movimento atual. Acho difícil chamar de caixa preta, quanto se tem um sistema de concessão, que tem obrigações anuais de auditorias periódicas e que tem uma fórmula paramétrica, onde há a correção tarifária. Que é autoaplicável.
Qual sua expectativa em relação à análise do TCM sobre a tarifa?
Barata: O TCM vai analisar o que ele quiser, entende? Ele já deu a sentença dele, já deu o ok. Está voltando a analisar, pressionado politicamente. É nítido que é uma pressão política. Já arquivou o processso. Aprovou o edital e o processo de licitação. Na realidade, pode achar alguma coisa? Num sistema como esse, pode. Mas a nível macro, não vai ter o que falar, não vai ter o que achar.
Callack: Existem duas caixas pretas. Uma técnica e uma política. A técnica, a melhor coisa que podia acontecer para nós é uma investigação do TCM. Porque não adianta eu ir ao meio de comunicação e falar. E a política é aquela que o cara (o homem público) está pressionado e vai usar aquilo politicamente.
Barata: Uma CPI que a oposição está pedindo para parar...
De acordo com a oposição, a CPI seria conduzida, na configuração que se manteve, segundo os interesses dos empresários...
Barata: Podiam falar no máximo que era seguindo os interesses da prefeitura, né? A base que está na CPI é uma base da prefeitura, não dos empresários.
Há muitas controvérsias na relação que se estabeleceu entre a Fetranspor e os políticos, no grau de influência sobre bancadas. Qual a leitura dos empresários em relação a isso?
Barata: O que temos são sobreviventes das diversas políticas implementadas ao longo dos anos. Há empresas que quase quebraram em função de o poder público não regular as vans. O setor procurou, ao longo do tempo, sobreviver de acordo com o que era a regra do jogo. Nós trabalhamos para governos, e eles impõem as regras e a forma que temos de trabalhar. Nesse momento, as instituições estão se tornando mais fortes. Saimos de um regime de autorização a título precário para um de concessão. E estamos adorando isso. O que a gente quer é cada vez mais trabalhar de forma clara, tendo as obrigações e os direitos. Agora, é um momento de transformação, com um pedaço de um modelo e um pedaço de outro. É uma transição em que você tem falhas. Mas em que você tem um norte, sai lá na frente com outro sistema. Está sendo feita uma revolução na cidade do Rio de Janeiro, ancorada na parceria entre o governo do estado e a prefeitura, em que as verbas fluíram. A mobilidade é a palavra da moda. E se a gente não aproveitar esse momento... A gente está dando a cara para bater um pouco mais.
Como conseguir atribuir a todas as empresas o mesmo padrão? Há qualidades distintas de serviços prestados. A Translitorânea, por exemplo, foi punida...
Barata: Na concorrência do Rio, foram montados quatro consórcios, um por AP (Área de Planejamento). Por mais que sejam várias empresas em um consórcio, já começamos a trabalhar mais ou menos juntos. No final, o consórcio é que vai determinar o planejamento, os padrões de qualidade. Isso está acontecendo no BRT. Quando chega lá um ônibus com um arranhão ou soltando fumaça, ele retorna para a garagem e o empresário é penalizado. O próprio sistema se regula, porque não está de acordo com a qualidade do BRT. Isso vai acontecer nos consórcios também. Tivemos uma empresa que passou por problemas, começamos a operar uma área que ela teve que abandonar, e essa área está sendo operada pelo consórcio.
Será, então, uma espécie de “seleção natural”?
Callak: O presidente do consórcio é o Charles Darwin...
Barata: Isso. Homogeneizando a qualidade do serviço. Mas a gente sabe que isso não vai ser de um dia para o outro. Talvez levemos até 2016 para chegar lá, trabalhando muito.
Diante do quadro que vivemos, é possível ter essa esperança, de chegar a um modelo igual ao de Tóquio ou ao de outras capitais olímpicas, como Londres?
Barata: O problema do transporte é custo. Você anda de ônibus rodoviário na Alemanha, ou na Espanha, é igualzinho ao ônibus rodoviário do Brasil. Por quê? Porque há uma tarifa igual no mundo inteiro. Tecnologia e capacidade de gestão nós temos para fazer qualquer coisa, seja na parte de ônibus ou de trilho, no meio de transporte que for. É uma questão de custo. De saber o que o governo quer de qualidade, o que ele tem capacidade de pagar por essa qualidade, por que o usuário não vai conseguir pagar esse custo todo…
Mas e a margem de lucro dos empresários? Há um questionamento em torno dela.
Barata: Claro, claro. Vou te dar o exemplo do leilão de Libra. Quantos consórcios concorreram? Um. Por quê? Porque o governo achou que não tem que ter lucro. Então ninguém está disposto a concorrer em uma concessão que não tenha lucro. Por que o chinês ficou? Porque ele não está vendo lucro. Está vendo subsistência. Só entrou para garantir fornecimento do petróleo para a China. Senão, nem ele entraria. O leilão das ferrovias, o que aconteceu? Ficou vazio. Não existe concessão sem lucro. É um negócio que eu gosto de fazer, que tenho tesão em fazer. Mas o dia que não der lucro, a gente vai embora. A gente já trabalhou até de graça, em alguns momentos, esperando tempos melhores. Mas não dá para pagar para trabalhar. Tirar do bolso para fazer o que você gosta, ninguém quer fazer isso.
Callak: Quem paga é a sociedade.
Barata: Estamos em um regime democrático capitalista. E o empresário tem que ter lucro, é o que o estimula. Na nossa gestão, a gente tenta bonificar as pessoas responsáveis por cada processo, pelos objetivos que elas atingem. Isso é que estimula as pessoas. No contrato da concessão, o lucro foi definido entre 8,5% e 10%. Aceitamos esse lucro para prestar esse serviço. Dentro disso, temos a obrigação de prestar o serviço que a prefeitura está exigindo. E a prefeitura tem a obrigação de nos remunerar pelo que foi contratado.
Houve uma divergência sobre o lucro do setor divulgado pela prefeitura foi de R$ 69,4 milhões. O setor divulgou R$ 77,1 milhões. Por que a divergência?
Callak: A prefeitura pegou os balanços auditados por ela até aquele momento. O lucro do setor atualizado foi de de R$ 77,1 milhões.
Existe, na avaliação dos senhores, uma quebra de contrato?
Barata: Sim. E o setor público tem que amadurecer e entender que não pode haver quebra de contrato. Até para ter investidores estrangeiros. Investidor quer estabilidade. Quer saber que ele vai contratar alguma coisa e o contrato vai ser cumprido. Quando o governo quebra um contrato, afugenta os investidores de uma forma absurda. Hoje estamos recebendo menos do que o contrato determina. Mas a gente acha que esse é um momento de transição. E, olha, há poucos lugares com a eficiência e a competência do setor aqui no Grande Rio.
A redução pegou o setor de surpresa? Houve alguma consulta antes do anúncio?
Barata: Fomos pegos de surpresa porque ele (o prefeito Eduardo Paes) deu uma entrevista dizendo que não ia reduzir, e reduziu. A Dilma é que mandou todos reduzirem. Isso tira nosso poder de investimento. E nosso poder de endividamento, o que é pior. Porque com isso que aconteceu, os bancos ficaram arrepiados e foi um tal de cancelar financiamento no setor, um atrás do outro…
E o movimento em torno da bandeira do Passe Livre?
Barata: O custo (do passe livre) é um absurdo. O governo tem tanta coisa para fazer com dinheiro público antes de zerar a passagem para o usuário… E depois quem paga é a empresa.
Callak: Você está estrangulando a cadeia produtiva. Tem toda uma cadeia de produção envolvida, de fornecedor de peça. Agora em dezembro, temos o 13º. Por melhor que fossem as empresas, e a gente não tem bandeira 2, em algum momento essa conta vai aparecer. A gente tem 13 meses de despesa no ano e 12 de arrecadação. A gente paga 40 mil funcionários no Rio de Janeiro. E os bancos, historicamente financiadores de 13º, não querem mais para sentar à mesa.
Há uma percepção clara da população é de que o serviço é ruim..
Barata: Temos dois problemas sérios: primeiro, o motorista, que precisa ser mais bem pago, para fixá-lo na empresa, e aí virá um profissional melhor. O segundo problema é comunicação. Hoje, já que o problema de segurança pública acabou, está na hora de voltarmos a nos comunicar de maneira forte, para as pessoas saberem o que está sendo feito. Elas não têm a menor ideia.
Quando teremos os avisos sobre os horários dos ônibus nos pontos?
Barata: Brevemente.
Há registros, na rede, que associam o nome da família Barata a uma máfia. Seu pai é apontado como o “rei do Ônibus”. A que o senhor atribui isso?
Barata: Rei do ônibus foi criado agora…Caixa preta e Rei do ônibus são denominações recentes. Tudo isso foi criado agora. Máfia do transporte, não. É mais antigo.
Mas a que atribuem todos essas alcunhas?
Barata: Talvez por causa da pulverização das empresas. E por causa do perfil de liderança da minha família. Para ser rei do ônibus teria que ter muito mais do que tenho hoje. Ser rei do ônibus com 11% do sistema do Rio é o rei falido… É o ônus sem ter o bônus. E é uma forma depreciativa de colocar.
Mas e a “máfia dos ônibus”?
Barata: Isso foi pré-encampação. Foi toda uma preparação, para esvaziar o setor. Foram encampadas 16 empresas, todas de líderes sindicais. Foi o presidente de Niterói, o de Caxias, o de Nova Iguaçu, o do Rio. O critério de encampação do sistema foi: encampar todos os líderes sindicais. Todo líder foi encampado. Eles só não conseguiram encampar todas as nossas, porque estávamos muito pulverizados.
Callak: Outro dia estava com minha esposa no Leblon, tomando café no Talho Capixaba. Ao nosso lado, um casal. E a mulher falando: “esses empresários de ônibus são todos uns mafiosos”. E eu olhando pra ela e pensando assim: poxa, estou com uma tarifa que não foi dada, estou com uma investigação no TCM, em uma CPI. Que mafioso de m. sou eu? Eu sentado ali, ela falando…
Os senhores vivem esse incômodo pessoal e social?
Barata: Sim, muito grande. E os fatos do passado, a encampação e os sequestros, que eram muito focados no empresário de ônibus, fizeram o setor submergir. Aparecer não era muito o perfil da gente. Ficamos mais low profile ainda.
Sempre houve então uma estratégia de evitar a exposição?
Callack: Sim. Por medo.
Barata: A gente já tinha esse comportamento, em função disso. E o transporte público é uma coisa que para o político é muito fácil. Tanto para o bem como para o mal. O Sérgio (Cabral Filho, governador) conseguiu se eleger com o bilhete único de uma forma absurda. O Eduardo (Paes) fez toda a campanha em cima do BRT e do corredor de Madureira. O transporte, para o bem, alavanca o político de forma absurda. Mas para o mal também. É um troço que o cidadão paga todo dia, por isso gera tanto desconforto nas pessoas. Por outro lado, está desorganizado. O trânsito está cada vez pior. É um sistema que tem fragilidades. Que teve que fazer o papel do trem, porque o governo federal resolveu interromper o projeto de investimento da rede ferroviária. O governo federal termina com o transporte, a gente faz o trabalho de transporte de longa distância, que não é atribuição dos ônibus. E o que saiu? Que nós terminamos com os trens. Isso é uma loucura. Essa falta de expertise em comunicação e até o medo de se comunicar para não ficar em evidência faz com que se criem lendas urbanas que são as coisas mais malucas do mundo.
Na licitação de 2010, os mesmos grupos se mantiveram no poder e isso foi alvo de muitas críticas...
Barata: A gente já tinha as garagens montadas. Não tinha que fazer investimento em garagem. É muito mais barato e o investimento muito menor do que pegar um grupo que vem de fora para fazer isso. Como a gente já tinha tudo isso, não conta no investimento. Sempre tem um maluco. Mas pela lógica, se você não tiver um grupo ruim, a tendência é que haja uma prevalência do grupo local sobre o grupo que vem. A gente já tem parte do investimento feito.
Callak: Estou há 60 anos me preparando para fazer o transporte na Zona Sul do Rio de Janeiro. Foi uma coisa quase natural. E a cidade só tem a ganhar com isso. Imagina a gente parar hoje e recomeçar uma história amanhã.
Barata: Acho que devíamos fazer um estudo, avaliando a diminuição do número de acidentes na cidade do Rio. Hoje, temos um ou dois por dia. Devíamos fazer o recorte dos anos 90 para cá. E medir a eficiência do sistema.
O fato de estar próximo do serviço público e do governo dá a esse tipo de escolha gerencial um caráter diferente. É um concessionário público, afinal...
Barata: Ninguém está mais próximo do poder público do que empreiteira. E hoje ele estão em todos os transportes de massa. Eles são os nossos sucessores. A gente quer um dia chegar lá. Nós somos crianças perto dessa turma.
Eles têm um grau de profissionalização junto ao transporte também, a Odebrecht já tem?
Barata: Já (rapidamente).
A concorrência de empreiteiros vai mexer com o estilo de gestão atual?
Barata: A gente está tentando fazer parcerias. As barcas ficaram com a CCR, nós ficamos com 10%. No VLT, entramos em sociedade com a Intepar, com a CCR e com a Odebrecht, e vamos ficar com 25%. Tem o monotrilho de São Gonçalo, já estamos conversando com eles para as empresas participarem. Estamos tentando não uma concorrência, mas uma parceria, para podermos planejar o sistema de uma forma única. Estamos tentando nos aproximar deles.
Eles mudam o sistema, de alguma forma?
Barata: É uma coisa nova. São grupos muito grandes, muito bem estruturados e profissionalizados. A CCR por exemplo é uma empresa de capital aberto, como pensamos muito futuramente em ser também. Acho que é um modelo a ser buscado. Para nós, está agregando. Acho que é uma escola muito boa.
Callak: A nossa empresa vem em um processo de transição. A última etapa dele veio mais ou menos na época da licitação. De todas as empresas que foram citadas ao longo de todas as reportagens que “O Globo” publicou, não tenho um carro comprado na Guanabara Diesel, não uso o Banco Guanabara, meu GPS não é da M2M. Não sou sócio do Jacob.
Barata: Seria um sócio muito bem-vindo.
Callak: É mais uma lenda urbana. Que mafioso é esse, que todo mundo depende dele no sistema de transporte, se eu não uso um único fornecedor? •
Nota bpf: Os leitores tem que ter muito cuidado em ler esta matéria, lembrando sempre que foi publicado pelo "O GLOBO" que tem baixíssima credibilidade política e ainda mais quando não sabemos qual é o "pano de fundo" do jornal.
ResponderExcluirClaro, porque estão querendo substituir a frota da melhor qualidade possivel , mas com a tarifa menor, vai retardar esse processo.
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