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11.25.2013

Os belgas lutam contra o câncer brasileiro

Entidade doa fundos para estudo de mutação genética que eleva o risco de câncer no Sul e Sudeste do País


Um em cada 330 brasileiros nascidos nas regiões Sul e Sudeste convive com uma mutação genética hereditária caracterizada pelo altíssimo risco de desenvolver diversos tipos de câncer ao longo da vida. Entre eles, tumores de mama, sarcomas (partes moles do corpo), no sistema nervoso central e na glândula suprarrenal.

Essa condição é chamada de síndrome de Li-Fraumeni e foi tema de uma reportagem publicada por ISTOÉ em março de 2011 (Mais Vulneráveis ao Câncer, edição 2156). Pessoas portadoras dessa mutação não contam com a proteção da proteína p53, que diariamente repara os danos sofridos pelo nosso código genético contido nas células. Quando esse mecanismo falha, os tumores se sucedem. Um exemplo  do que pode acontecer aos portadores da mutação brasileira associada a essa síndrome foi a luta travada pelo ex-vice-presidente José Alencar contra sucessivos tumores. Portador da síndrome, fez 17 cirurgias em 13 anos de tratamento.  A explicação encontrada pelos cientistas para a origem dessa síndrome até o momento é que ela foi disseminada por um tropeiro que circulou pelas regiões Sul e Sudeste no século XVIII.

A pesquisa que revelou o fenômeno foi liderada pela geneticista brasileira Maria Isabel Achatz, diretora do departamento de Oncogenética do A. C. Camargo Cancer Center (que até há pouco tempo era conhecido como Hospital do Câncer A. C. Camargo) e pelo cientista francês Pierre Hainaut, chefe da Divisão de Mecanismos Moleculares da International Agency for Research on Cancer, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde. O trabalho provou que o País apresenta a maior concentração de casos dessa mutação no mundo. Antes, pensava-se que a síndrome era rara e só eram conhecidos cerca de 280 casos.

Por sua relevância, no sábado 16 esse trabalho foi um dos dois eleitos para receber os recursos arrecadados pela Association des Femmes d´Amerique Latine, organização que destina fundos para projetos que beneficiam crianças e mulheres na América Latina.

A preocupação da organização belga com as crianças e mulheres brasileiras que podem ser acometidas pela síndrome se justifica.

Atualmente, há pouquíssimas iniciativas para identificar os portadores da alteração no País. No programa do A. C. Camargo Cancer Center, são acompanhadas famílias inteiras com o problema. Ali há desde crianças que enfrentaram o primeiro tumor aos 7 anos até idosos que, apesar de terem a mutação, nunca manifestaram tumores. Todos são submetidos a exames periódicos para garantir o diagnóstico e tratamento precoces. No Paraná, uma lei garante que os bebês identificados com a mutação sejam monitorados até os 15 anos de idade.

A questão a ser equacionada pelo setor de saúde é o que será feito em relação ao grande contingente de pessoas portadoras dessa mutação no País.  O problema começa com a falta de geneticistas nos hospitais públicos para orientar pacientes de risco quanto aos exames a serem feitos, explicar o que significam essa e outras mutações genéticas associadas ao câncer e também dar suporte para lidar com essa informação. E mesmo na rede privada não são muitos os hospitais que oferecem serviços de orientação genética aos seus pacientes.

No que se refere à rede pública, o problema é agravado pelo fato de que o exame que rastreia a mutação específica do gene TP53, relacionado à síndrome de Li-Fraumeni, não está disponível no SUS e é feito apenas em alguns hospitais que possuem programas especiais para isso, como o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), que consegue realizar os exames no laboratório do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Em geral, o teste é indicado por geneticistas ou oncologistas a pessoas pertencentes a famílias em que um dos lados apresenta pelo menos três casos de câncer, sendo um deles em idade jovem.
Além disso, há uma lista de outros testes necessários para fazer a prevenção e a detecção precoce dos tumores que precisariam ser oferecidos aos portadores das mutações. E mesmo que ainda não exista ainda um consenso entre os médicos sobre a melhor forma de tratar esses tumores ou meio de impedi-los, é sabido que a detecção precoce e o tratamento em estágios iniciais configuram a melhor estratégia para elevar as chances de vencer a doença, melhorar a qualidade de vida do paciente e reduzir os custos para o sistema de saúde.
Mônica Tarntino

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