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12.16.2013

A polêmica sobre a vacina do HPV

  • Relatos de reações adversas assustam pais, mas Organização Mundial da Saúde atesta que imunizante é seguro e eficaz
Maria Clara Serra

Vacina quadrivalente. É a mais utilizada no mundo, com mais de 134 milhões de doses distribuídas desde 2006 e entrará no sistema permanente de vacinação no Brasil no ano que vem
Foto: Latinstock
Vacina quadrivalente. É a mais utilizada no mundo, com mais de 134 milhões de doses distribuídas desde 2006 e entrará no sistema permanente de vacinação no Brasil no ano que vem Latinstock
RIO - A vacinação contra o papilomavírus humano (HPV) - principal infecção viral transmitida pelo sexo no mundo - tem sido motivo de controvérsia. Nos Estados Unidos, Joseph Mercola, médico popular na internet que está sendo acusado pela FDA (agência reguladora de medicamentos do país) de incitar ações na justiça sem fundamento, mostrou em seu site relatos de adolescente contando ter sofrido efeitos graves causados pela vacina Gardasil, no Brasil chamada apenas de quadrivalente. Katie Couric, apresentadora da rede de TV CBS, também abriu espaço em seu programa para mães contarem como a vacina teria prejudicado suas filhas.
Sem provas de reações graves
Mas no mundo, 134 milhões de doses da vacina quadrivalente já foram distribuídas desde 2006. Se forem somadas às 41 milhões do outro tipo, a bivalente, conhecida mundialmente como Cervarix, chega-se a 175 milhões de doses sem que nenhum relato de reações graves tenha sido comprovado. Apesar disso, das 200 pessoas que entraram na Justiça dos Estados Unidos com reclamações da vacina, 49 delas ganharam cerca de US$ 6 milhões do Programa Nacional de Compensação de Injúrias causadas por Vacinação. Enquanto isto, no Japão, queixas de duas mil pessoas fizeram com que o país cancelasse sua campanha de vacinação pública. O imunizante segue permitido em unidades particulares.
- Não há evidências de que as vacinas contra o HPV causem as reações adversas que estão sendo faladas - afirma Luisa Villa, coordenadora do Instituto do HPV, uma das palestrantes do Simpósio de Vacinas da Academia Brasileira de Ciências, que será realizado essa semana no Rio. - Nos ensaios clínicos feitos com oito mil pessoas, foram registrados vários casos graves, inclusive morte. Em todos eles, foi comprovado que a vacina não era a causa. São relações temporais, ou seja, coisas que iriam acontecer independentemente da vacina, mas que, por acaso, se manifestaram após a vacinação.
Um desses casos de temporalidade chocou o Reino Unido em 2009, quando Natalie Morton, de 14 anos, morreu duas horas depois de tomar a vacina contra HPV em seu colégio, na cidade de Coventry. Após um princípio de revolta entre a população, o Serviço Nacional de Saúde da cidade pediu calma para investigar a causa e comprovou, dias depois, que ela havia morrido em decorrência de um tumor maligno.
- Esse tipo de relação sempre vai acontecer com vacinas utilizadas em escalas maiores - analisa Gabriel Oselka, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de São Paulo. - Quando não se encontra uma causa para determinado evento que acontece depois da vacinação, é natural que se atribua à vacina.
Foi o que aconteceu com uma roteirista de TV, de 50 anos, que prefere não se identificar. Após recomendação de pediatra e ginecologista, ela levou a filha, então com 16 anos, para tomar a primeira dose da quadrivalente. Dez dias depois, a adolescente teve um surto psicótico.
- O psiquiatra diagnosticou minha filha com esquizofrenia e começou a tratá-la com muitos remédios. Como o quadro não melhorava, ele aumentou a dose dos medicamentos até que ela teve que ser internada - conta. - Eu fiquei desesperada. Depois fizemos análises e descobrimos um quadro de vasculite cerebral (destruição inflamatória dos vasos sanguíneos do cérebro).
Reações devem ser relatadas
Entre o início do surto e o diagnóstico, foram 43 dias de sofrimento. Como os médicos não conseguiram achar nenhum motivo para a doença, a vacina foi apontada como a possível causa. A reação na menina de 16 anos pode ter sido desencadeada por qualquer coisa. Por isso, a indicação é que, diante de um comportamento anormal após o uso de medicação ou vacinação, procure-se uma unidade de saúde.
- Todo lançamento de vacina envolve um esquema de farmacovigilância muito grande - afirma Guilherme Leser, diretor de relações com o governo da MSD, empresa responsável pela fabricação da Gardasil. - Além da empresa, a Anvisa e o Ministério da Saúde monitoram os casos de reações adversas, e o relato é fundamental para que possamos avaliar se existe algum problema com a vacina.
A Anvisa confirmou o acompanhamento dos relatos e afirmou que nenhuma reação grave foi comprovada. Em âmbito internacional, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou um comunicado em julho deste ano atestando a segurança e a importância da vacinação contra HPV.
- A vacina não é feita com o vírus, e sim com uma proteína que “imita” o vírus, ela não leva seu DNA - explica Mauro Romero, chefe do setor de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) da Universidade Federal Fluminense (UFF). - Posso afirmar que as substâncias químicas da vacina não podem gerar efeito colateral e que é muito perigoso esse questionamento, pois isto pode frear um avanço muito grande em termos de saúde pública.
Norte e Nordeste ainda são mais afetados
A partir de março de 2014, a quadrivalente entra no calendário de vacinação brasileiro. No ano que vem, serão vacinadas meninas de 11 a 13 anos em escolas públicas ou em postos de saúde. Em 2015, será a vez de meninas de 9 a 11 anos. Por recomendação da Organização Pan-americana da Saúde, ela será aplicada em três doses: as duas primeiras com um intervalo de seis meses entre; e a terceira após cinco anos.
- No Brasil, cerca de 4,8 mil mulheres morrem por ano em decorrência de câncer de colo de útero, tendo o HPV como 70% das causas - diz o secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa. - Alguns anos atrás esse tipo de câncer era a principal causa de morte entre elas. Hoje conseguimos ampliar a realização do papanicolau, e o câncer de colo de útero caiu para a quarta causa nas regiões mais desenvolvidas. No Norte e no Nordeste ele ainda está em segundo lugar.
A ginecologista Rebeca Oliveira, da Med-rio Check-up, alerta que a vacina não previne totalmente contra o HPV, e que o uso da camisinha e a realização do papanicolau são indispensáveis.
Perguntas e respostas
Quem já foi infectado deve tomar a vacina?
Sim. Mesmo que entre 52% e 68% das mulheres criem anticorpos naturais contra a infecção pelo HPV, ainda há a possibilidade de ser infectada por outros tipos do vírus, por isso vale a pena tomar.
Qual o limite de idade e o melhor momento para tomar a vacina?
O ideal é que a vacinação seja feita antes do início da vida sexual, mas quem não é mais virgem também deve tomar. A vacina oferece proteção de longo prazo contra o HPV. A indicação para mulheres acima de 26 anos é tomar a bivalente, que tem como foco maior a prevenção do câncer e não das lesões benignas. Isso não quer dizer, no entanto, que a quadrivalente terá efeito negativo.
Por quanto tempo a pessoa fica protegida?
Os primeiros estudos clínicos foram realizados há 10 anos, e o acompanhamento dos voluntários ainda não apontou nenhuma falha para os tipos de HPV contidos na vacina.
A vacina causa reações adversas graves e pode levar à morte?
Não há comprovação científica. Em julho deste ano, a OMS emitiu um comunicado reafirmando a importância e a segurança da vacina. Os efeitos colaterais mais comuns são dor de cabeça, náusea, febre branda e reação no local da aplicação. Algumas adolescentes podem desmaiar e, por isso, os fabricantes recomendam que as mulheres fiquem sentadas 15 minutos após tomar a vacina.
Saiba mais sobre o vírus
HPV
O papilomavírus humano se instala na pele ou em mucosas e é a DST mais frequente no mundo, com mais de cem tipos
Doenças relacionadas
Verrugas genitais, câncer de colo do útero, vagina, vulva, ânus, pênis, boca e garganta
Prevenção
A camisinha evita entre 70% e 80% das transmissões. O exame papanicolau detecta até 90% dos cânceres de colo do útero
Vacina bivalente
Protege contra os tipos 16 e 18 do vírus. Deve ser tomada em três doses: a primeira, um mês depois e outra após seis meses. É indicada para mulheres a partir de 9 anos e cobre 70% de lesões pré-cancerosas de colo do útero
Vacina quadrivalente
Protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do vírus. No sistema público, será tomada em três doses: as duas primeiras com intervalo de seis meses, e a terceira após cinco anos. Em clínicas de imunização privadas continua a ser dada também em três doses: a primeira, dois meses depois e outra após seis meses. É indicada para homens e mulheres, de 9 a 26 anos, e cobre 70% de lesões pré-cancerosas de colo do útero; 90% de lesões pré-cancerosas de ânus; 50% de lesões pré-cancerosas de vulva; 60% de lesões pré-cancerosas de vagina; 90% de verrugas genitais

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