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1.15.2014

Coisas de gente

Essas coisas da gente

Tenho sido saudade. De afeto, de sexo, de beijo, de companhia, de conversa boba, de jantar a dois, de banho a dois, de filme em casa. De viajar com as amigas e estourar em gargalhadas num quarto de hotel, esvaziando o frigobar, dividindo maquilagem, pegando emprestado colar, bolsa e coragem para sair na balada.
Tenho sido rotina. Certezas diárias de coisas simples que acontecem à mesma hora, feitas sem pensar, sem sentir. O pão, o arroz, o chuveiro, a pasta de dentes apertada no meio, a indiferença do vizinho, o dinheiro para a verdura, a sapatilha confortável que varreu da memória a sensualidade dos saltos. Sim, já houve saltos. Altos e finos. E meias de costura. E vestidos colados. E sutiãs de renda. Onde estão? Não havia solidão com eles. Nem saudade.
Agora, somos eu e a TV. Programação ininterrupta. Antigamente, tinha hora para acabar. Ficava azul, desligava. E mais antigamente nem ficava azul, nem desligava: chiava tanto que parecia chuva forte. Dava sono. Agora, tenho vozes que me fazem companhia. Ininterruptamente. Você sabe que eu nunca te esqueci...! Santa Missa em seu lar... A descoberta de mais uma pirâmide... O urso preto pesa, em média, 350kg... O Senado federal aprovou hoje projeto de lei que...". Ganho até um beijo todas as noites. Do gordo.
Ando negligenciando os livros. Com este que chegou hoje cedo, são sete, novos, esparramados pelo apartamento. Confissão desonrosa: não li nenhum. Nem o do banheiro. Tem um Mia na cozinha e um Drummond na frente do computador. Comecei um Ruffatto e li umas 10 páginas. Mas sumiu no meio da bagunça do sofazinho amarelo que está sendo arrumado faz uns três meses. Livros adoram camuflagem. Encontrei um da Hilst esta manhã. Debaixo do notebook. Mulher forte; sobreviveu. Ainda há esperança para os pockets de Camus e Beauvoir. A pilha de saquinhos coloridos de sapatilhas Ballasox que está na estante deve ter alguma coisa a ver com o sumiço dos miúdos. A empregada me contou que livros pequenos precisam ser guardados em saquinhos. E quem sou eu para argumentar com a guarda-livros!
Os cachorros estão com frio. Eu também. É este quarto gelado que não promete nem cumpre. Aqui na cama só os meus pés para encostar um no outro debaixo do cobertor cor-de-rosa. Sem companhia esta noite. E nas outras. Só a TV. E a voz da Sandra Bullock que é possível reconhecer mesmo sem olhar. Filme clichê. Fórmula hollywoodiana. Advogada desleixada e inteligente ganha o amor do galã e termina o filme feliz, bonita, bem vestida e rica. E continua inteligente. Podia acontecer com todas as mulheres isso de ser feliz, não podia? Acontecer de verdade. Na vida de verdade. Uma vez por ano e não se fala mais nisso...
Ei, ei, ei, ei, ei! Que encosto mimimi é este?! Xô, mulherzinha! Sai deste corpo que só te pertence quando a cabeça falta!
É sempre isso quando alguma ilusão escapa de um script e pula na minha cama. Não dá tempo de mudar o canal. O ouvido percebe tarde demais que um felizes para sempre se apossou sorrateiramente do travesseiro, acertando em cheio o setor de feridas abertas. Duelo. Arranhões novos. Mordidas doloridas. Eu venço.
Tenho sido resiliência.

3 comentários:

  1. Antônio, que bela a crônica da Cinthia. Tudo a ver comigo ou nada haver....quem sabe?Quem já não passou por situações semelhantes?O que mais importa hoje, é ter resiliência. Grande abraço!

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  2. Marli vc tem razão, o texto da Cinthia Kriemler é incrível.
    Abs
    Antonio Brandão

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