Desigualdade escancarada
Ao contrário do que ocorreu na AP 470, tucanos conseguem desmembrar julgamento do propinoduto
Em agosto de 2012, no início do julgamento da ação penal 470, o advogado Márcio Thomaz Bastos colocou uma questão de ordem.
Queria desmembrar o julgamento,
separando os réus com direito a foro privilegiado – três deputados – e
os demais 35, que teriam direito a serem examinados na primeira
instância. O pedido foi rejeitado por 9 a 2.
Ontem, o ministro Marco Aurélio
de Mello, examinou a denuncia sobre o propinoduto tucano, que envolve
corrupção nas obras do metrô paulista. Marco Aurélio decidiu desmembrar o
processo.
A decisão de ontem não compromete a biografia de Marco Aurélio, que foi um dos dois votos a favor do desmembramento, em 2012.
Mas mostra que a noção de que o
STF iria “mudar a história” ao fazer o “julgamento do século” e “acabar
com a impunidade dos poderosos” está longe de corresponder a realidade.
Não fez jurisprudência nem no STF, pelo visto.
Em agosto de 2012 o Supremo já havia desmembrado o mensalão do PSDB-MG, decisão tomada antes de negar a mesma medida na AP 470.
Repetiu a prática, agora, com os tucanos de São Paulo.
Encarregado de julgar o mensalão do
DEM-DF e seus parlamentares filmados quando recebiam dinheiro na meia,
em saco de supermercado e sacola de feira, o STJ também desmembrou.
Ou seja: sequer no plano das
aparências é possível dizer que se oferece um tratamento igual para
situações iguais. “Dois pesos, dois mensalões,” escreveu Janio de
Freitas, em 2012.
Em 3 de agosto de 2012, escrevi
neste espaço: “O julgamento continua. Mas essa decisão ( o
não-desmembramento), tão diferente para situações tão parecidas, vai
gerar muita polêmica, estejam certos.”
Um ano e meio depois,
descobre-se que uma decisão crucial da AP 470, que determinou vários de
seus desdobramentos, não será seguida mais uma vez.
Imagine: com o desmembramento,
réus como José Dirceu, Delúbio Soares e 32 outros acusados muito
possivelmente sequer teriam sido julgados até agora, como acontece com
os réus do mensalão PSDB-MG, que envolvem crimes cometidos seis anos
antes dos casos denunciados na AP 470 e ninguém sabe quando irão receber
a sentença em definitivo.
Mesmo que isso tivesse
ocorrido, eles teriam direito a um segundo julgamento, por outra corte
de Justiça. Em vez disso, em casos especialíssimos, têm direito a uma
revisão limitada e pontual, com várias condicionantes, pelo mesmo
tribunal.
Em 2012, o simples voto a favor
do desmembramento provocou mal-estar no plenário do STF. Quando
Ricardo Lewandowski votou a favor do pedido, Joaquim Barbosa fez uma
intervenção agressiva: “Me causa espécie que tratemos dessa questão
agora. Isso é deslealdade”. O revisor retrucou: “me causa espécie que
sua excelência queira impedir que eu me manifeste.”
Ao votar contra o pedido de
desmembramento feito na ação penal 470, o ministro Gilmar Mendes alegou
que, se o caso não estivesse no Supremo, o processo prescreveria. Vamos
ler o que disse:
"Esse processo só está chegando
a seu termo porque ficou concentrado no Supremo Tribunal Federal",
disse. "Se estivesse espalhado por aí, o seu destino era a prescrição."
Desmembramento é igual a prescrição na opinião de Gilmar Mendes, se entendi bem. E agora? Ele (Gilmar Dantas ou Mendes) votou favoravelmente ao desmembramento. Sem comentário
Paulo Moreira Leite
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