Entenda melhor o que é a quimioterapia, a radioterapia, a cirurgia de retirada de tumor e o transplante da medula óssea.
Segundo a presidente da SOBOPE e oncologista pediátrica, Carla Macedo, o tratamento para cada tipo de câncer segue uma rotina, ou seja, um planejamento terapêutico de um protocolo que, nada mais é do que um plano preestabelecido para tratar a doença. “Os protocolos são sempre definidos de acordo com o tipo de neoplasia, a idade do paciente, o estágio ou o grau de disseminação da moléstia e podem utilizar um tipo de tratamento ou a associação deles”.
O câncer infanto-juvenil é, em geral, mais curável do que o câncer em pessoas adultas. As células responsáveis pelo câncer juvenil são denominadas como “embrionárias”, estas células têm capacidade de dividir-se rapidamente e com isso, acabam respondendo melhor ao tratamento.
Saiba mais sobre os quatro tipos de tratamento
1 – Quimioterapia - é hoje um dos recursos mais importantes para o tratamento da criança e do adolescente. O objetivo é matar as células que estão se dividindo rapidamente, entretanto podem provocar efeitos colaterais como náuseas e vômitos, queda de cabelo, aftas, lesões na mucosa da boca e alterações no sangue.
Durante a terapêutica, frequentemente o paciente se sente cansado, debilitado deprimido, pode apresentar queda na quantidade de glóbulos brancos
(leucopenia), acarretar em períodos febris e ficar mais sensível às infecções. Além disso, o paciente pode apresentar sangramento na pele (petéquias, hematomas), gengivas, nariz e apresentar anemia. Alguns pacientes podem necessitar de transfusão de sangue e derivados.
2 – Radioterapia - é baseada na aplicação de doses de radiação que são calculadas de acordo com o volume e tipo de tumor e tem como função destruir as células doentes e preservar as células saudáveis. Este tratamento pode causar cansaço, diminuição de apetite, queda de pelos, vermelhidão, ardor e coceira na área irradiada.
3 – Cirurgia - É um procedimento que necessita de indicações, com a finalidade de retirar o tumor ou parte dele. A cirurgia e seus cuidados estão relacionados com o tamanho e tipo de tumor. Na infância e adolescência, a cirurgia é geralmente precedida e/ou completada pelo tratamento quimioterápico e/ou radioterápico.
4 – Transplante de Medula Óssea - É um procedimento realizado através de indicações precisas para a reposição da medula óssea que foi destruída pelo tratamento com altas doses de quimioterapia ou por infiltração de células doentes. Pode ser utilizado material do próprio paciente ou de outra pessoa que seja compatível, dependendo do caso.
Câncer nas crianças
. Alois Bianchi, médico pediatra, introduziu o tratamento especializado em câncer infantil no Brasil, em 1964. Diretor do Departamento de Pediatria Oncológica do Hospital AC Camargo, o Hospital do Câncer de São Paulo, é um dos autores do livro “A criança com câncer – O que devemos saber?” (Saúde –Comunique Editorial), organizado pela equipe do Departamento de Pediatria do Hospital do Câncer. Há 50 anos, o diagnóstico de câncer nas crianças era encarado quase como uma sentença de morte. Pouco se sabia sobre a doença e sua evolução na infância. As crianças recebiam o mesmo tratamento do que os adultos, embora suas características biológicas e orgânicas fossem diferentes, e não se levava em conta que eram seres em crescimento e respondiam mal ao tratamento.Foi só a partir da segunda metade da década de 1960, início dos anos 1970, que os pediatras interessados em trabalhar na área da oncologia infantil começaram a revolucionar o atendimento que se dava às crianças com câncer.
Hoje, a maioria dos casos de câncer infantil é curável. Os resultados obtidos no Brasil equiparam-se aos dos melhores institutos de oncologia do mundo. Para dar uma ideia da magnitude dessa nova realidade, no posfácio do livro “A criança com câncer – O que se deve saber?”, Dr. Alois Bianchi, que criou e dirige o Departamento de Pediatria Oncológica do Hospital do Câncer de São Paulo, desde 1964, escreve: ”Posso dizer que sou um médico afortunado. Tive uma experiência única em 39 anos de atividade como diretor do Departamento de Pediatria do Hospital do Câncer. Eu vi a vida vencer o câncer”.
INCIDÊNCIA NA INFÂNCIA
Drauzio – Durante muito tempo, câncer foi considerado uma doença que não acometia as crianças.
Alois Bianchi – Em meados da década de 1960, quando chegamos para trabalhar no Hospital do Câncer, câncer era considerado doença de adulto, de gente velha, e ouvir dizer que uma criança estava com câncer era motivo de surpresa e comovia toda a comunidade.
Drauzio – Em que faixa de idade as crianças estão mais sujeitas ao aparecimento do câncer?
Alois Bianchi – Em geral, a doença aparece nas crianças entre os dois e os sete anos de idade, mas isso não quer dizer que adolescente não tenha câncer.
Drauzio – Quais os tipos de tumores mais frequentes nas crianças?
Alois Bianchi – A leucemia é a doença neoplásica mais frequente na infância. Depois dela, vêm os linfomas (tumores dos gânglios linfáticos) e os tumores do sistema nervoso que estão sendo cada vez mais detectados graças às novas técnicas de diagnóstico disponíveis atualmente (ultrassom, RX, tomografia, ressonância magnética, medicina nuclear, etc.).
CARACTERÍSTICAS DO CÂNCER PEDIÁTRICO
Drauzio – Quais as características dos tumores malignos nas crianças e o que os diferencia dos tumores nos adultos?
Alois Bianchi – Sempre insisto que a criança não é um adulto em miniatura. Tem características próprias, que as distingue das pessoas mais velhas. Consequentemente, câncer em criança é uma doença também com características próprias. Comparados com os do adulto, os tumores na infância são muito mais agressivos e evoluem muito mais rapidamente, porque atingem um ser em formação.
Drauzio – O curioso é que, embora os tumores sejam mais agressivos nas crianças, a resposta ao tratamento costuma ser mais rápida do que a dos adultos.
Alois Bianchi – Proporcionalmente, porém, os tratamentos das crianças também são mais agressivos. Especialmente no passado, quando a quimioterapia era pouco desenvolvida, tentava-se dominar o câncer com grandes cirurgias e grandes campos de aplicação de radioterapia que provocava efeitos indesejáveis e promovia enorme agressão na criança.
PIONEIRO DA ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Drauzio – Você tem quarenta anos de experiência em oncologia pediátrica. Na verdade, entre nós, é o pediatra há mais tempo em atividade nessa área. Como tudo começou?
Alois Bianchi – Comecei a carreira como pediatra. Quando estava terminando a residência no Hospital das Clínicas de São Paulo, recebi um convite do professor Bindo Guida Filho para trabalhar no Hospital do Câncer. Eu lhe disse – “Olhe, professor, nem sequer sei o nome das doenças de câncer em crianças” – e ele argumentou: “Ninguém sabe. Venha, vamos aprender juntos”. Aceitei o convite e eu fui trabalhar como pediatra como pediatra.
Naquela época, as crianças eram tratadas por equipes médicas especializadas em adultos e eu deveria dar-lhes assistência pediátrica, mas acabei me envolvendo com a cancerologia infantil.
Drauzio – Sempre digo que a oncologia pediátrica em São Paulo nasceu com você. Naquela época, havia algum serviço de oncologia pediátrica nos outros estados do Brasil?
Alois Bianchi – Não, não havia. O serviço de São Paulo era o único e resumia-se a uma enfermaria com dez ou doze leitos sob a supervisão de dona Carmem Prudente, uma senhora sem filhos, que a recebera de presente do marido, o professor Antônio Prudente. Ela também presidia a Rede Feminina de Combate ao Câncer e cuidava dessa enfermaria com muita atenção e carinho. Cheguei ali, em 1964, como pediatra e acabei virando oncologista.
AVANÇOS NO TRATAMENTO
Drauzio – De que recursos vocês dispunham para tratar crianças com câncer naquela época?
Alois Bianchi – Embora dispuséssemos de alguns quimioterápicos (por incrível que pareça, parte deles continua sendo utilizada até hoje), o que mais se fazia eram grandes cirurgias, inclusive cirurgias mutiladoras, que eram um verdadeiro desastre. Temos que lembrar que uma das características do câncer na criança é a facilidade de disseminação. Rapidamente, ele invade todo o organismo da criança. Portanto, de nada adiantavam as cirurgias, nem as grandes nem as pequenas, se a célula maligna já tivesse se esparramado pelos diferentes órgãos.
Da mesma forma, os campos de radioterapia eram enormes e as doses, altas. Como se sabe, a radioterapia é uma excelente arma no combate ao câncer, mas provoca alguns malefícios, especialmente num ser em formação. Teoricamente, numa criança predisposta à doença, ela pode determinar um segundo câncer em áreas de baixa incidência e provocar queimaduras extensas de difícil cicatrização.
Drauzio – Quando você compara esses primeiros passos da oncologia pediátrica com as características da especialidade hoje, que mudanças você aponta?
Alois Bianchi – Foram grandes as mudanças, a começar pelo diagnóstico laboratorial que é muito mais preciso e bem direcionado, o que permite o início precoce do tratamento. No passado, recebíamos um contingente enorme de crianças com a doença num estágio avançado. A possibilidade de cura não ia além de 20% e restringia-se aos casos cirúrgicos em que o tumor podia ser retirado totalmente.
E mais: o câncer é uma doença imunossupressora, quer dizer, promove a baixa resistência do paciente. Especialmente nos casos de leucemia e linfomas, as crianças tornavam-se alvo de moléstias infecciosas e morriam não só por causa do câncer, mas vitimadas por outras doenças que se associavam a ele. Nessa época, me foram muito úteis os conhecimentos que adquiri quando dirigia a enfermaria de moléstias infecciosas do Hospital do Servidor Público de São Paulo.
Nos dias atuais, os avanços da antibioticoterapia e do tratamento de doenças virais, assim como as conquistas na área da vacinação reverteram bastante esse quadro, Hoje, quando uma criança aparece com câncer, em geral, já foi vacinada contra uma série de moléstias que quase não existem mais. Por outro lado, contamos agora com novos quimioterápicos que ajudam muito no tratamento das crianças com câncer.
ÍNDICE DE CURA
Drauzio – Você disse que há 30, 40 anos, curávamos apenas 20% das crianças com câncer. Qual é o índice de cura atualmente?
Alois Bianchi – No nosso meio, onde ainda recebemos bom contingente de crianças com câncer avançado, o índice de cura gira em torno de 70%. No Primeiro Mundo, esse índice ultrapassa os 80%, atingindo quase os 90%. Para sermos precisos, entretanto, nós conseguimos alcançar também cerca de 90% de casos de cura nos tumores chamados de tumores fáceis, desde que o diagnóstico seja precoce e o encaminhamento aos centros especializados feito sem perda de tempo.
Drauzio – É possível dizer, então, que o câncer em crianças é uma doença altamente curável nos dias de hoje?
Alois Bianchi – Ela é curável, desde que o diagnóstico seja precoce e a criança rapidamente encaminhada aos centros especializados no tratamento.
SINAIS DA DOENÇA
Drauzio – Você disse que, há 40 anos, o diagnóstico do câncer pediátrico era feito tardiamente. Isso, provavelmente, porque os pais não reconheciam os sinais da doença e os médicos também não valorizavam os sintomas. Não havia a cultura de pensar em câncer na criança. Quais são os sintomas a que os pais e médicos devem estar atentos?
Alois Bianchi – Na verdade, os sinais do câncer nas crianças podem ser confundidos com os sintomas das moléstias comuns na infância. A criança tem febre e mal-estar, fica pálida, mais preguiçosa e com falta de apetite. Eventualmente, pode apresentar manchas roxas não justificadas por alguma batida e dores ósseas sem trauma aparente. Além disso, emagrecimento, dor de cabeça e estrabismo (a criança fica vesga de repente) podem ser também sintomas de doença oncológica. O que deve chamar a atenção dos pais e profissionais que convivem com a criança é a persistência desses sinais e sintomas, especialmente as febres de repetição, a falta de apetite e de estímulo, a palidez, as manchas roxas e as dores ósseas.
Drauzio – A partir de quanto tempo a persistência desses sintomas começa a ter importância?
Alois Bianchi – Esse é um dado difícil de precisar, pois difere de uma criança para outra. Especialmente em São Paulo, onde é comum as crianças ficarem resfriadas ou gripadas e com problemas respiratórios a toda hora, associar esses sinais ao câncer torna-se mais complicado.
Vamos dizer, então, para ter um número de referência, que um mês seja a data-limite. Portanto, se a criança apresentar, durante um mês, uma doença com mais ou menos essas características, terá de ser muito mais vigiada pelos pais e, acima de tudo, o colega pediatra que vai assisti-la precisa estar alerta.
Felizmente, câncer em criança é uma doença rara. Por ser rara (até os doze anos de idade, uma em cada 100.000 crianças apresenta a doença), faz com que o médico não pense inicialmente nessa possibilidade, mas ele deve estar atento.
CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO
Drauzio – Nos primeiros anos em que trabalhei no Hospital do Câncer, foi um choque ver as crianças com câncer, pequeninas muitas vezes, tomando soro, e a dor dos pais diante da doença dos filhos. No entanto, o contato com as crianças e com as famílias mostrou que, passado esse impacto extremamente doloroso, havia uma acomodação de ambas as partes. As crianças, então, eram surpreendentes. Esticavam o bracinho para pegar a veia e tomar quimioterapia de forma muito mais tranquila do que muitos adultos na mesma situação. O que explica tal comportamento?
Alois Bianchi – A história é que, no fundo, nos acostumamos a tudo. Inclusive às coisas ruins. Por outro lado, essa reação das crianças se devia ao carinho com que foram tratadas desde o início. Lembre-se de que o Hospital do Câncer contava com uma equipe de enfermeiras da Cruz Vermelha alemã que morava no próprio hospital. Dedicadas ao extremo e altamente qualificadas, cercavam as crianças de carinho. Se pensarmos que, naquele tempo, as crianças eram internadas sem direito a acompanhante durante meses, às vezes, é fácil perceber como era fundamental o vínculo de amizade que estabeleciam com as pessoas da equipe médica e paramédica.
Drauzio – Era mesmo impressionante a reação das crianças. Naquela época, não havia cateteres e as enfermeiras eram obrigadas a dar quatro ou cinco picadas até conseguir pegar uma veia que era muito fininha. E as crianças aguentavam firmes, nem sequer gemiam.
Alois Bianchi – É a velha história de que a gente vai-se acostumando a tudo na vida, mesmo ao que há de ruim.
Drauzio – A propósito, uma vez assisti a uma palestra de um pediatra americano que começou a sessão projetando um slide que dizia: “Para a criança é normal estar doente”. Fiquei chocado com a frase a começar pelo emprego da palavra normal. Depois, passei a observar que realmente existe uma diferença de atitude entre a criança e o adulto doente. Como se explica essa reação da criança?
Alois Bianchi – Vamos falar da reação da criança diante das doenças em geral, não só diante do câncer. Nos primeiros dias, quando a limitação e o desconforto são maiores, a criança também reage negativamente. Chora, reclama, briga com a família inteira. No entanto, adapta-se melhor à doença, porque enfrenta menos limitações do que os adultos. Se, por um lado, deixa de ir à escola e de brincar com os amigos, por outro é recompensada por todo o carinho que recebe das pessoas em volta.
O medo que os pais têm diante do que o filho doente possa estar sentindo provém mais da fantasia do adulto. O inconveniente é que eles transmitem suas preocupações e ansiedade às crianças, que são muito sensíveis. Quanto mais angustiada e estressada a família, mais assustada a criança. Famílias mais tranquilas, que conversam naturalmente e esclarecem as dúvidas da criança com câncer, que saem e passeiam com ela, favorecem atitudes também mais tranquilas na criança doente.
NOVAS CONQUISTAS
• Direito à acompanhante
Drauzio – Quando as crianças deixaram de ficar sozinhas durante a internação?
Alois Bianchi - Deixar as crianças internadas por longos períodos, com uma doença grave e taxa de mortalidade alta, sem a companhia da mãe ou do pai, de um parente ou vizinho, com direito apenas a duas ou três visitas semanais, e os familiares plantados na porta do hospital à espera de notícias era um absurdo, e foi só depois de muita briga dentro do Hospital do Câncer e fora dele que conseguimos reverter essa situação.
Hoje, não há criança que seja internada sem direito a um acompanhante. Todas têm um familiar ao lado, de dia e à noite. Essa conquista tornou o hospital um lugar de convívio mais fácil.
• Extensão do limite de idade
Drauzio – Até que faixa de idade as crianças são atendidas pela pediatria oncológica?
Alois Bianchi – No Brasil, não estava bem definido o limite de idade em que o paciente oncológico deixava de ser criança. Se era aos doze anos ou aos quatorze, por exemplo. Hoje, depois de muita discussão e polêmica, na enfermaria e em todo o Departamento de Pediatria, são atendidos pacientes com câncer até os dezoito anos e todos com direito a um acompanhante. Países existem que atendem esses pacientes até os 21 anos no setor de pediatria.
• Possibilidade de escolarização
Drauzio – As crianças conseguem estudar durante o tratamento?
Alois Bianchi – Antes, a criança em tratamento, além de perder todas as referências familiares, perdia também as amizades e perdia a escola. Hoje, ela pode dar continuidade à sua escolarização, o que torna os períodos de internação e tratamento menos dolorosos. Durante o governo de Jânio Quadros, uma escola oficial de primeiro e segundo grau passou a funcionar dentro do Hospital do Câncer para receber crianças e adolescentes internados ou ambulatoriais. Os professores pertencem à rede estadual e municipal de ensino e são cedidos pelas respectivas secretarias de educação.
• Casas de Apoio
Drauzio – Qual é o tempo médio de internação de uma criança com câncer no momento?
Alois Bianchi - Como lhe disse, no passado, as crianças com câncer ficavam meses internadas. Hoje, o período médio de internação gira em torno de seis ou sete dias. A maior parte do tratamento é laboratorial. Daí, a importância das Casas de Apoio, onde a criança fica com o acompanhante nos intervalos entre um procedimento terapêutico e outro. Nosso Departamento conta com duas Casas de Apoio que não pertencem ao hospital e são cuidadas por uma associação de pais que tiveram crianças com câncer e por voluntários.
O suporte que essas casas oferecem não pode ficar restrito ao alojamento e à condução para o hospital. Seus integrantes devem atuar em todos os campos onde possam ajudar os pacientes, mesmo depois de curados. Num país como o nosso, não podemos depender só do governo para garantir saúde e educação. A sociedade inteira tem de participar desse processo.
REAÇÃO DOS PAIS
Drauzio – Como os pais lidam com o infortúnio de ter uma criança com câncer?
Alois Bianchi – No passado, como o câncer estava diretamente ligado à ideia de morte, os pais chegavam apavorados. Mais o pai do que a mãe. Houve casos até que, ao saber que o filho estava com câncer, o homem abandonou a casa, deixando tudo por conta da mulher.
Nós tentamos desmistificar esse conceito do câncer como um estigma vinculado à ideia de morte. Para tanto, foi fundamental a equipe médica manter os pais bem informados sobre a evolução da doença e as opções de tratamento. Como as chances de cura são muito maiores e o conhecimento da doença mais profundo, bem assessorados, os pais passaram a oferecer ajuda muito maior, muito maior mesmo. Além disso, eles convivem mais uns com os outros e trocam experiências e informações. Às vezes, os que têm uma criança em fase mais avançada do tratamento e observam que a melhora é nítida, encorajam os que estão enfrentando o começo da doença e até auxiliam a equipe médica e paramédica.
Drauzio – Sabidamente, as mulheres estabelecem uma relação com os filhos mais intensa do que os homens. Por isso, parece estranho que elas lidem melhor do que o pai com o problema que representa um filho com câncer.
Alois Bianchi – Acho que o termo lidar é mesmo o que melhor se encaixa nessa situação, porque não dá para imaginar o quanto a mulher está sofrendo por dentro. Mas, mãe é mãe, e elas lutam e trabalham firmes com a gente.
DÚVIDAS DA CRIANÇA
Drauzio – Que dúvidas a criança com câncer, que já tem entendimento razoável da situação, apresenta aos pais e aos médicos? Ela pergunta muita coisa a respeito da doença?
Alois Bianchi – As perguntas aparecem mais na fase inicial, quando caem os cabelos, as náuseas e enjoos aumentam e as crianças perdem a vontade de ir à escola. Depois, elas se adaptam. Adaptam-se aos cateteres e à rotina de exames. Na verdade, as maiorzinhas acabam inteirando-se do programa de tratamento o que lhes facilita a vida. Sabem perfeitamente quando vão tomar soro, receber quimioterapia ou fazer radioterapia.
Drauzio – Vocês dizem para as crianças que elas estão com câncer?
Alois Bianchi – A partir dos sete ou oito anos de idade, a criança começa a entender melhor o que têm e a perceber o correlacionamento dessa doença com a morte que, felizmente, não é mais tão presente quanto era no passado.
Embora a palavra bichinho possa ser um pouco assustadora, nessa faixa de idade não dá para falar em célula maligna e célula benigna. Por isso, explicamos para a criança que dentro dela, no meio dos bichinhos bons, há um bichinho mau que precisa ser combatido e por isso ela está fazendo o tratamento.
ORIENTAÇÃO À FAMÍLIA
Drauzio – Como os pais devem conversar com a criança a respeito da doença? Devem dizer que ela está com câncer, uma doença grave que precisa de muito tratamento?
Alois Bianchi – Atualmente, toda a equipe do Departamento de Pediatria recebe orientação do que dizer à família. Antigamente, nem se pronunciava a palavra câncer. Era “aquela doença”. Não que o preconceito tenha desaparecido por completo, mas a família é orientada para conversar não só com as crianças, mas com os amigos, os parentes e o pessoal da escola sobre o assunto. Não é para ficar batendo a toda hora sobre a mesma tecla. É preciso escolher os momentos oportunos para explicar à criança que ela está passando por um tratamento delicado, complicado e longo que a ajudará a voltar à vida normal. Não tem cabimento falar em morte com ela.
Drauzio – Como é a orientação que a família recebe para falar sobre a doença com a criança?
Alois Bianchi – Ela varia de uma família para outra e depende do grau entendimento dos familiares. Felizmente, contamos com uma psiquiatra infantil, que se encarrega de orientar os pais sobre como falar com a criança a respeito da doença. Fora isso, os familiares têm toda a liberdade de conversar com os médicos sempre que necessitarem de ajuda e os próprios médicos tomam a iniciativa de fazê-lo quando percebem que podem auxiliá-los de alguma forma.
DOENÇA TERMINAL
Drauzio – Nos casos mais graves, infelizmente fatais, como a criança lida com a perspectiva da limitação progressiva? Ela chega a perceber que vai morrer?
Alois Bianchi – Nas faixas de idade mais baixas, a criança sente que está muito doentinha, muito desconfortada, mas não tem claro o que isso possa significar. A partir dos dez anos, é nítida sua percepção de que pode estar chegando ao final.
Hoje, felizmente, nosso departamento possui uma UTI pediátrica oncológica para onde as crianças são encaminhadas precocemente com o acompanhante, porque podemos prever quando ela vai passar por uma fase difícil provocada pela quimioterapia, pela baixa de resistência ou pela cirurgia e esse encaminhamento precoce faz com que em torno de 70% delas recebam alta da UTI.
Apesar de todos os cuidados, porém, algumas crianças vão morrer. Essas vão perdendo a noção de como está evoluindo a doença. Ficam mais apáticas, dormem mais. De qualquer forma, o desconforto que poderiam sentir nessa fase terminal é muito menor porque temos a capacidade de sedá-las convenientemente.
CENTROS DE ATENDIMENTO
Drauzio – Esse atendimento acontece num serviço de excelência como o oferecido pelo Hospital do Câncer. Você acha que a população de baixa renda, no geral, pode contar com esse tipo de recurso de saúde?
Alois Bianchi – No Hospital do Câncer, 70% dos pacientes são atendidos pelo SUS e a grande maioria pertence a uma classe de renda mais baixa. E o Hospital do Câncer não é o único centro,em São Paulo, a oferecer um serviço de excelência. A Escola Paulista de Medicina, o Hospital das Clínicas, a Santa Casa são centros de alto gabarito. Além deles, no Brasil inteiro, estão se desenvolvendo centros oncológicos pediátricos de alta experiência, com muito bom atendimento e a mesma tecnologia de que dispomos. Além disso, o número de colegas que se dedica à oncologia pediátrica está ficando cada vez maior. Por isso, o ideal seria que as famílias não viessem de longas distâncias. Lembrando que o Brasil é um dos poucos países que têm estradas de 4.000km, 5.000km, muitas crianças vêm de muito longe para serem tratadasem São Paulo.
MUDANÇA DE ENFOQUE
Drauzio – No passado, a criança com câncer era vista como vítima, porque era portadora de uma doença potencialmente fatal. Hoje, vocês mudaram radicalmente esse enfoque. Em vez de desempenhar um papel passivo diante de uma doença gravíssima, a criança é estimulada a ter um papel ativo e passa a ser encarada como um herói capaz de enfrentar as dificuldades que tem pela frente.
Alois Bianchi – Essa foi uma mudança importante no sentido de que a criança vai ter que ajudar a curar a doença. Por isso, é incentivada a conversar com os amigos, com os colegas de escola sobre o que tem e sobre o tratamento que está fazendo.
REAÇÃO DOS IRMÃOS
Drauzio – Qual a reação dos irmãos diante de criança com câncer?
Alois Bianchi – Por incrível que possa parecer, numa fase inicial, a reação dos irmãos é de ciumeira, porque a criança doente é cercada de atenção pela família que se dedica quase que exclusivamente a ela e ao tratamento. Além disso, no hospital, ela recebe muito carinho, sai a passeio e ganha presentes. A ciumeira chega a ser tanta que não raro, quando vamos ao ambulatório, o número de crianças presentes excede ao número das que estão sendo tratadas, pois os irmãos também querem ir ao hospital que, afinal, se transformou num lugar agradável, com brinquedo, presente e passeio. Até os vizinhos e os primos, às vezes, estão por lá. O porteiro permite que entrem e alguém tem coragem de mandar embora? Nunca.
Drauzio – Como os pais da criança com câncer são orientados para evitar esses conflitos entre os irmãos?
Alois Bianchi – Isso varia muito de acordo com a situação peculiar de cada família, mas para todas é dito que devem explicar aos irmãos que aquela criança está lutando contra uma doença difícil, vai precisar de tratamento durante muito tempo e que eles também precisam ajudá-la nesse período.
Drauzio – Quer dizer que os irmãos são convidados a participar do tratamento?
Alois Bianchi – Justamente. Por isso, quando encontramos, no ambulatório, crianças acompanhando quem está doente, não ficamos bravos. Não sei se o porteiro sabe disso. O fato é que ele as deixa entrar e nós não nos importamos com sua presença.
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